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O poder de polícia municipal em matéria ambiental

RELEVÂNCIA DA ATUAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

3. O poder de polícia municipal em matéria ambiental

Além do planejamento e organização das cidades por meio dos instrumentos previstos no Plano Diretor, o poder público municipal está constitucionalmen- te autorizado a exercer o poder de polícia em matéria ambiental.47 Como visto, o artigo 23 da Constituição Federal estabelece competências comuns a todos os entes da federação no que tange a atos materiais de preservação ambiental.

Dentre as competências de polícia atribuídas aos Municípios pela Lei Complementar 140/2011 merecem destaque:

• executar e fazer cumprir, em âmbito municipal, as Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente e demais políticas nacionais e estaduais rela- cionadas à proteção do meio ambiente;

• formular, executar e fazer cumprir a Política Municipal de Meio Ambien- te;

• controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, méto- dos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei;

• exercer o controle e fi scalizar as atividades e empreendimentos cuja atri- buição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida ao Mu- nicípio.48

Outras importantes funções são atribuídas aos Municípios pelo art. 9º da Lei complementar nº. 140/2011, como, por exemplo, a organização e manu- tenção do Sistema Municipal de Informações sobre Meio Ambiente; a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições; a articulação de coope- ração técnica, científi ca e fi nanceira, em apoio às Políticas Nacional, Estadual e Municipal de Meio Ambiente; o desenvolvimento de estudos e pesquisas.

Além disso, merece destaque que foi atribuído aos Municípios a compe- tência para, observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas

47 O conceito normativo de poder de polícia pode ser extraído do art. 78 do Código Tributário Nacional — CTN, abarcando todas as atividades estatais que, limitando ou disciplinando direitos, regulem a prática de ato ou abstenção de fatos pelos particulares, em razão do interesse público.

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nesta Lei Complementar, aprovar: (i) a supressão e o manejo de vegetação, de fl orestas e formações sucessoras em fl orestas públicas municipais e unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambien- tal (APAs); e (ii) a supressão e o manejo de vegetação, de fl orestas e formações sucessoras em empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Município.

3.1 Competência municipal em matéria de licenciamento ambiental

O licenciamento ambiental representa um dos mais relevantes instrumentos para concretização do direito ao desenvolvimento sustentável, tendo por fi na- lidade justamente a harmonização entre os imperativos de desenvolvimento econômico e os objetivos de proteção do meio ambiente. Também constitui uma das mais importantes expressões do poder de polícia no âmbito do direito ambiental, confi gurando ato de consentimento prévio necessário à instalação e operação de qualquer atividade potencialmente poluidora.

De acordo com a Lei Federal nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, e com o Decreto nº. 99.274, de 6 de junho de 1990, que dispõem sobre a Política Na- cional do Meio Ambiente, toda construção, instalação, ampliação e funciona- mento de estabelecimentos e atividades considerados efetiva ou potencialmente poluidores estará sujeita ao prévio licenciamento ambiental.

Até dezembro de 2011, essa matéria era regulamentada pela Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (“CONAMA”), que previa um sistema único de licenciamento ambiental no qual as atividades potencialmente poluidoras eram licenciadas em um único nível de competência (art. 7º), a depender da amplitude do impacto e do po- tencial poluidor da atividade (arts. 4º, 5º e 6º). Sua constitucionalidade, no entanto, era alvo de questionamentos.49

No fi nal de 2011, a controvérsia foi dirimida com a publicação da Lei Complementar nº. 140, que estabelece normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas

49 Paulo Aff onso Leme Machado, por exemplo, sustentava que a Lei nº. 6.938/81, ao “instituir normas e critérios para o licenciamento não se confunde com atribuir competência para os entes federativos licenciarem. (...) Da mesma forma o art. 10 da mencionada lei indica que o licenciamento será feito pelo órgão estadual competente. Uma resolução federal não pode alterar uma lei federal. Sob todos os ângu- los em que se vejam esses quatro artigos, constata-se a invasão de competência e quebra de hierarquia administrativa, acarretando vício de inconstitucionalidade e ilegalidade dos arts. 4º a 7º da resolução in- quinada”. MACHADO, Paulo Aff onso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008. pp. 115 e 116.

decorrentes do exercício da competência comum relativa à proteção das paisa- gens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das fl orestas, da fauna e da fl ora. Essa lei passa a reger os processos de licenciamento e autorização ambiental iniciados a partir de sua vigência (art. 18).

A Lei Complementar nº. 140/2011 mantém a previsão de licenciamento em um único nível (art. 1350), explicitando o papel dos Municípios no que tan- ge ao licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades potencialmen- te poluidores, e atribuindo aos Estados-membros competência para licenciar todas aquelas atividades que não sejam destinadas, pela própria lei complemen- tar, aos âmbitos federal e municipal.

De acordo com essa nova sistemática, aos Municípios caberá promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: “a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia defi - nida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs)” (art. 9º, XIV).51

Do exposto, percebe-se que o efetivo fortalecimento do papel dos Mu- nicípios dependerá da atuação dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, os quais defi nirão as atividades que serão objeto de licenciamento ambiental no âmbito municipal, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade. Para esse fi m, será essencial a análise, pelos Conselhos estaduais, da capacidade efetiva dos entes locais para a execução de tais ações.52

50 “Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Comple- mentar”.

51 Merece menção que o STF já considerou inconstitucional lei complementar municipal de Porto Alegre que autorizava a dispensa da realização de Estudo de Impacto Ambiental em certas ocasiões, por contra- riedade ao art. 225 da CF/88, reforçando o dever de o administrador público exigi-lo diante de atividade potencialmente causadora de signifi cativa degradação ambiental: “CONSTITUCIONAL. MEIO AM- BIENTE. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL - EIA. C.F., art. 225, § 1º, IV. I. - Cabe ao Poder Público exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de signi- fi cativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. C.F., art. 225, § 1º, IV. II. - RE provido. Agravo improvido” (RE 396541 AgR, Relator(a): Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 14/06/2005).

52 Conforme se extrai do art. 5º dessa lei complementar: “Art. 5º. O ente federativo poderá delegar, me- diante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações ad- ministrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente. Parágrafo único. Considera-se órgão ambiental capacitado, para os efeitos do disposto no caput, aquele que possui técnicos próprios ou em consórcio, devidamente habilitados e em número compatível com a demanda das ações administrativas a serem delegadas.”

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É de se notar que a Lei Complementar, ao delegar aos Conselhos Estaduais o dever de normatizar acerca do exercício de competências em matéria de li- cenciamento ambiental, reduz a autonomia dos Municípios nessa seara, pois os torna dependentes de uma decisão a ser tomada no âmbito estadual.53

3.2 Fiscalização ambiental em âmbito municipal

O poder de fi scalização em sede ambiental é inerente à atribuição de disciplina normativa do assunto, bem como à competência para o licenciamento.54 Dessa forma, o Município será competente para fi scalizar o cumprimento das normas por ele editadas, bem como para verifi car se as atividades econômicas estão sendo desenvolvidas em conformidade com as licenças ambientais por ele expedidas.55

Discute-se, contudo, se, em virtude da previsão constitucional da com- petência comum para a proteção do meio ambiente56, haveria, no que tange

53 “Art. 18. Esta Lei Complementar aplica-se apenas aos processos de licenciamento e autorização ambien- tal iniciados a partir de sua vigência. § 1º Na hipótese de que trata a alínea “h” do inciso XIV do art. 7o, a aplicação desta Lei Complementar dar-se-á a partir da entrada em vigor do ato previsto no referido dispositivo. § 2º Na hipótese de que trata a alínea “a” do inciso XIV do art. 9º, a aplicação desta Lei Complementar dar-se-á a partir da edição da decisão do respectivo Conselho Estadual”.

54 Cf. Lei Complementar nº. 140/2011: “Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada”.

55 Veja, nesse sentido, decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro reconhecendo compe- tência ao Município de Niterói para impor multa decorrente de lei municipal relativa à preservação do meio ambiente: “Apelação Cível. Direito Administrativo. Impugnação de multa administrativa pelo descumprimento do artigo 16 da Lei 3.326 do Município de Volta Redonda, in verbis: ‘Os responsáveis por fonte poluidora fi cam obrigados a comunicar imediatamente ao Órgão Ambiental e à Defesa Civil, a ocorrência de qualquer episódio, acidental ou que possa apresentar riscos à saúde pública ou aos recursos ambientais’. Vazamento de gás não comunicado imediatamente ao Órgão Ambiental do Município e à Defesa Civil. Alegação de inconstitucionalidade da lei municipal por afronta ao artigo 30, incisos VIII e IX da Constituição da República. Inocorrência. Situação que se enquadra na competência comum dos entes federativos. Artigo 23, VI, da Constituição da República. Prova testemunhal colhida nos autos que demonstrou não ter feito a apelante comunicação imediata do vazamento de gás natural, certo que qual- quer juízo de valor acerca dos riscos para a população resta confi ada à autoridade municipal. Apelante que, no mais, não fez qualquer prova de que o gás lançado na atmosfera é insuscetível de causar danos à saúde ou meio ambiente. Recurso ao qual se nega provimento, monocraticamente, na forma do artigo 557, caput, do Código de Processo Civil” (AC 0007652-60.2003.8.19.0066, Des. Eduardo Gusmão Alves de Brito, j. em 30/08/2010 - Décima Sexta Câmara Cível).

56 Como “a competência é originariamente comum, o fato de haver um ente precipuamente competente não signifi ca que outros entes não tenham uma competência para agir de forma supletiva — ou subsi- diária — quando o ente precipuamente competente não puder ou não quiser atuar. (...) a Constituição atribuiu o ‘conjunto’ de elementos que compõem a competência executiva ambiental aos três entes”. MASCARENHAS, Rodrigo Tostes de Alencar. Competência Executiva em Matéria Ambiental. In: SAMPAIO, Rômulo S. R.; LEAL, Guilherme J. S.; REIS, Antonio Augusto (org.). Tópicos de Direito

à fi scalização (e aplicação das correspondentes sanções por ofensa à legislação vigente), uma sobreposição de competências, ou melhor, questiona-se como deveria se dar o exercício conjunto da fi scalização sobre o cumprimento das normas protetoras do meio ambiente em todos os níveis da federação.

Embora não haja, em princípio, óbice à atuação conjunta dos entes federa- tivos para a fi scalização do cumprimento da legislação ambiental, em especial da- quelas editadas pela União Federal como normas gerais, há alguma controvérsia acerca da possibilidade de imposição de sanções por diversos entes da federação tendo por fundamento um mesmo fato,57 já que, de acordo com o princípio do

non bis in idem, corolário do devido processo legal e do Estado Democrático de

Direito, “ninguém pode ser condenado duas vezes por um mesmo fato”.58 A questão é, de fato, complexa, uma vez que, no que tange às competências executivas, “não há hierarquia nas atuações das diferentes Administrações Pú- blicas. A Administração Pública federal ambiental não está num plano hierár- quico superior ao da Administração Pública ambiental estadual”.59 No mesmo sentido, Hely Lopes Meirelles afi rma que “o controle da poluição enquadra-se no poder de polícia administrativa de todas as entidades estatais — União, Estados-membros, Municípios, Distrito Federal e Territórios —, competindo a cada uma delas atuar nos limites de seu território e de sua competência, e, em conjunto, colaborar nas providências de âmbito nacional de prevenção e repressão às atividades poluidoras defi nidas em norma legal”.60

A Lei Federal nº. 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administra- tivas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, por sua vez, não soluciona de todo o tema, prevendo genericamente que “são autoridades compe- tentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente — SISNAMA, designados para as atividades de fi scalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha” (art. 70, § 1º).

Estabelece, ainda, que “a autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de corresponsabilidade” (§ 3º), sendo que, dentre os órgãos do SISNAMA encontram-se “os órgãos ou entidades mu- nicipais, responsáveis pelo controle e fi scalização dessas atividades, nas suas res-

57 Idem. Ibidem, p. 122.

58 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da aplicação da norma sancionadora. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 341.

59 MACHADO, Paulo Aff onso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 81. 60 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 231.

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pectivas jurisdições”.61 Portanto, há um dever compartilhado por todas as autori- dades ambientais no sentido de fi scalizarem a ocorrência de infração ambiental. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já decidiu, no julgamento do Agravo Regimental em Recurso Especial nº. 711.405, que “havendo omissão do órgão estadual na fi scalização, mesmo que outorgante da licença ambiental, pode o IBAMA [autarquia federal] exercer o seu poder de polícia administrativa, pois não há confundir competência para licenciar com competência para fi scalizar”.

Ainda de acordo com esse julgado, “a aplicação da sanção não está necessa- riamente vinculada à esfera do ente federal que a outorgou [a licença]. O pacto federativo atribui competência aos quatro entes da federação para proteger o meio ambiente através da fi scalização. A competência constitucional para fi sca- lizar é comum aos órgãos do meio ambiente das diversas esferas da federação”. Pela lógica desse argumento, também o Município poderia exercer essa com- petência em caso de omissão do ente que a licenciou, como já reconheceu o Su- perior Tribunal de Justiça, em julgado envolvendo matéria de gestão de recursos hídricos, em que se considerou ser possível a aplicação de sanção pelo Município em razão de descumprimento de lei estadual.62 Aliás, essa diretriz interpretativa parece ser reforçada com a promulgação da Lei Complementar nº. 140/2011.

61 http://www.mma.gov.br/port/conama/estr1.cfm. Acesso em abril de 2012.

62 “ADMINISTRATIVO. POÇO ARTESIANO IRREGULAR. FISCALIZAÇÃO. OBJETIVOS E PRINCÍPIOS DA LEI DA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS (LEI 9.433/97). COMPETÊNCIA COMUM DO MUNICÍPIO. 1. Hipótese em que se discutem os limites da compe- tência fi scalizatória municipal relacionada à perfuração de poço artesiano e sua exploração por particular. 2. O Município autuou o recorrido e lacrou seu poço artesiano, por inexistência de autorização e des- cumprimento da legislação estadual que veda a exploração dos recursos hídricos, pelo particular, naquela área. 3. O Tribunal de origem entendeu que a competência do Município para fi scalizar refere-se, exclu- sivamente, à proteção da saúde pública. Ocorre que a lacração do poço não decorreu dessa competência (a água é comprovadamente potável, sem risco para a saúde), mas sim por conta de descumprimento das normas que regem a exploração dos recursos hídricos, editadas pelo Estado. 4. Não há controvérsia quanto à legislação local, que, segundo o Ministério Público Estadual, veda a perfuração e a exploração de poço artesiano da área. 5. O acórdão recorrido fundamenta-se nas competências fi xadas pela Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97), ainda que interpretada à luz dos arts. 21, XIX, e 26, I, da Constituição Federal, o que atrai a competência do STJ. 6. A Lei 9.433/97, adotada pelo Tribunal de Jus- tiça em suas razões de decidir, aponta claramente a competência dos Municípios para a gestão dos recursos hídricos (art. 1º, VI) e para a “integração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políticas federais e estaduais de recursos hídricos” (art. 31). 7. Os arts. 1º, VI, e 31 da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos devem ser interpretados sob o prisma constitucional, que fi xa a competência comum dos Municípios, relativa à proteção do meio ambiente e à fi scalização da exploração dos recursos hídricos (art. 23, VI e XI, da Constituição). (...) 11. As águas subterrâneas são “recurso ambiental”, nos exatos termos do art. 3º, V, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), o que obriga o intérprete, na solução de litígios associados à gestão de recursos hídricos, a fazer uma leitura conjunta dos dois textos legais, em genuíno exercício de diálogo das fontes. 12. É evidente que a perfuração indiscriminada e desordenada de poços artesianos tem impacto direto no meio ambiente e na disponibilidade de recursos hídricos para o restante da população, de hoje e de amanhã. Feita sem controle, também põe em risco a saúde pública, por ausência de tratamento,

De acordo com o art. 17 da Lei Complementar nº. 140/2011, a compe- tência para a lavratura do auto de infração ambiental é do órgão responsável pelo licenciamento ou autorização do empreendimento ou atividade. Admi- te-se, contudo, que, “nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deve- rá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis” (§ 2º).

Além disso, o § 3º desse mesmo dispositivo afi rma que a competência insti- tuída no caput “não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição co- mum de fi scalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput”.

Portanto, desses dispositivos se infere que, a partir da edição da referida lei, deverá prevalecer a autuação do órgão ambiental competente para o licencia- mento ambiental da atividade, sendo, contudo, preservada a responsabilidade de todos os entes da federação na proteção do meio ambiente, ainda que em caráter supletivo diante da omissão do ente competente.

Merece ser ainda mencionado que eventual sobreposição entre as compe- tências sancionadoras da União e dos demais entes federativos com base em uma infração administrativa poderá ser resolvida com fundamento no disposto no art. 76 da Lei nº. 9.605/1998, segundo o qual “o pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência” (art. 76). Em sentido seme- lhante, estabelece o art. 14 da Lei nº. 6.938/81, no que tange às multas, ser vedada a sua cobrança pela União Federal se a sanção já tiver sido aplicada pelo Estado ou Município.63 Essas normas têm por objetivo, a toda evidência, impe- dir a confi guração de situações de dupla apenação administrativa.

quando for de rigor. 13. Em síntese, o Município tem competência para fi scalizar a exploração de recur- sos hídricos, superfi ciais e subterrâneos, em seu território, o que lhe permite, por certo, também coibir a perfuração e exploração de poços artesianos, no exercício legítimo de seu poder de polícia urbanístico, ambiental, sanitário e de consumo. 14. Recurso Especial provido (REsp 994.120/RS, Rel. Ministro Her-