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Estatuto da cidade e as bases para construção de uma cidadania cultural no âmbito da cidade

INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE GESTÃO TERRITORIAL URBANA

4. Estatuto da cidade e as bases para construção de uma cidadania cultural no âmbito da cidade

O Estatuto da Cidade12 consagra no inciso II do art. 2º a gestão democrática das cidades “por meio da população e de associações representativas de vários segmentos na comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.”

Transplantando para o âmbito da cidade o que podemos vislumbrar numa leitura democrática do art. 216 na sua dicção “com a colaboração da comu-

10 Idem, p. 32. 11 Idem, p.33. 12 Lei nº 10.257/2001.

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nidade”, é certo que, quando o Estatuto fala em participação, concebe uma participação plena, que pode ser direta ou indireta.

Na primeira, os moradores se inserem de forma plena nas discussões, e indireta quando os moradores se fazem representar por associações. Lembra José dos Santos Carvalho Filho, ainda, que a participação pode ser de interesse geral ou específi co; a primeira visando a cidade como um todo e o interesse geral, e o específi co atinente a interesses de segmentos da cidade, normalmente veiculados por segmentos.13

Ou seja, não só o Estatuto concebe a gestão democrática de várias formas, como também assim o faz tratando-a como gestão plena, ou seja, que engloba as diversas fases da política urbana: a fase de formulação, enxergada como aque- la em que discute-se, realiza-se os estudos preliminares, elaboram-se pareceres, projetam-se as ações; a fase de execução, onde efetivamente se transporta para o plano prático tudo aquilo que é proposto inicialmente e, enfi m, uma fase posterior, a de acompanhamento, em que se exerce a fi scalização do que foi concebido e executado.

A lei não admite a gestão democrática se ela não incidir sobre essas três fases da política urbana. E essa política concretiza-se, como afi rma o próprio dispositivo que comentamos, através de planos, programas e projetos de desen- volvimento urbano.

Se a política é o nome geral para fi xação e execução de diretrizes, lembran- do ainda as palavras de José dos Santos Carvalho Filho, planos, programas e projetos fazem parte do “sistema geral de planejamento”14, destacando-se os planos por seu espectro de maior generalidade e ainda signifi cando o instru- mento onde programas e projetos terão seu suporte, os programas15 dizendo respeito “à particularização de certos setores integrantes dos planos”16, revelan- do-se os projetos como o intuito das autoridades, que devem corresponder à vontade popular e que serão exteriorizados por ações contempladas nos planos e programas.

O inciso XII do art. 2º do Estatuto ainda se refere à “proteção, preserva- ção e recuperação do patrimônio natural e construído, do patrimônio cultural,

13 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade, Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2005, p. 37.

14 Idem, ibidem.

15 Carlos Henrique Dantas da Silva destaca que os programas signifi cam “o início das operações práticas das normas estabelecidas nas políticas e planos, cabendo ainda um conjunto de instruções e projetos que em determinada sequência permitem a execução das metas estabelecidas. Os programas têm a premissa de não serem necessariamente efêmeros, pois podem fazer parte de políticas permanentes”. SILVA, Carlos Dantas da. Plano Diretor — Teoria e Prática. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 89.

histórico, artístico, paisagístico e arqueológico” como diretrizes gerais a serem observadas, o que importa afi rmar que é concebido como política urbana e que possui como objetivo a ordenação do pleno desenvolvimento urbano e das funções sociais da cidade.

A bem da verdade, podemos identifi car um vasto rol de garantias consagra- das no Estatuto da Cidade essenciais ao exercício dos direitos culturais.

O rol dessas garantias vem explicitado no art. 2º do Estatuto e se traduz nos seus diversos incisos, bem enumerados por Inês Virginia Prado Soares17, a saber: “a) a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; b) a oferta de equi- pamentos urbanos e comunitários adequados aos interesses e às características locais; c) a adoção de padrões de consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e eco- nômica do Município e do território sob sua área de infl uência; d) a adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e fi nanceira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar e a fruição dos bens pelos diferentes seg- mentos sociais; na proteção, preservação e recuperação do patrimônio cultural, paisagístico e arqueológico; e) a proteção, preservação e recuperação do patri- mônio cultural, artístico, paisagístico e arqueológico; f) a audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população, para citar aqueles mais direcionados ao tema de nosso estudo”.18

Não podemos conceber a cultura destacada dessas diretrizes, isso porque ela mesma vem explicitada em um de seus incisos, como antes referimos.

O Estatuto da Cidade ainda contempla outras formas de preservação, como o instituto da transferência do direito de construir como um direito do proprietário a fi m de que se preserve “o interesse histórico, ambiental, paisa- gístico, social e cultural”19 de seu bem, podendo fazer uso do valor da sua pro- priedade (como instrumento de incentivo à sua preservação) transferindo o seu direito de construir com base em Lei, baseada no Plano Diretor, para aquele cujo imóvel não possui os mesmos atributos.

17 SOARES, Inês Virginia Prado. Direito ao (do) Patrimônio Cultural Brasileiro. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 232-233.

18 Esses itens encontram-se contemplados, respectivamente, nos incisos I, V, VIII, X, XII e XIII, do art. 2º do Estatuto da Cidade.

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Não se deslembre, também, que “a paisagem urbana e o patrimônio na- tural e cultural” vêm elencados no inciso VII, do art. 37, quando o Estatuto se refere à autorização de empreendimentos ou atividades no âmbito das cidades como itens que devam ser analisados por ocasião do estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

Tais mecanismos demonstram uma percepção sistêmica do legislador de preservação do espaço urbano no seu aspecto cultural, extensiva, por óbvio, ao patamar das políticas públicas não só com vistas à destinação de recursos, mas através de mecanismos fi scais de incentivos que devem lhes ser direcionados, além da ampliação da vocação cultural em todas as suas acepções, porque não

cabe ao Estado afi rmar o que é cultura, mas ao povo identifi cá-la e construí-la. Es-

ses critérios são essenciais na abordagem do conceito de economia verde. O Estatuto da Cidade consagra objetivamente tais instrumentos e, embora não seja o único a fazê-lo, propicia que os mesmos se revistam de particular importância, incumbindo-lhes em vocacionar o uso da cidade para o exercício plural dos direitos culturais como parte da construção da cidadania e como direito humano fundamental.

Passarmos, doravante, a comentar alguns desses instrumentos, mais aque- les relacionados ao meio ambiente cultural, já que outros instrumentos de ges- tão territorial existem.20

4.1. Plano diretor e direitos culturais

Num contexto de defi nição de espaços, o plano diretor é instrumento por ex- celência para que sejam destinados espaços urbanos à cultura não só no que se refere à produção, mas à preservação, sem embargo de toda a legislação prote- tiva existente.

Com efeito, através de tal instrumento, os cidadãos defi nem como querem a cidade e como a propriedade privada cumprirá localmente sua função social, mediante a realização de audiências públicas e outros instrumentos de partici- pação popular.

Na lição de José Afonso da Silva, “o plano diretor é, nos termos da Cons- tituição e do Estatuto da Cidade, o instrumento básico da política de desenvol- vimento e de expansão urbana.” 21

Lembra ainda o constitucionalista que “é plano, porque estabelece os obje- tivos a serem atingidos, o prazo em que estes devem ser alcançados (ainda que,

20 Por exemplo, o plano de manejo.

sendo plano geral, não precise fi xar prazo, no que tange às diretrizes básicas), as atividades a serem executadas e quem deve executá-las. É diretor, porque fi xa as diretrizes do desenvolvimento urbano.”22 Mas defi ne objetivos gerais e específi - cos, consoante realidades locais.

A seu respeito, assinala Victor Carvalho Pinto que o plano diretor, embora aprovado por lei, não é lei em sentido formal.

É o que se lê:

Sua natureza jurídica não é, entretanto, de lei material, por faltar- lhe as características de generalidade e abstração. O plano diretor não é uma lei, mas é aprovado por lei, assumindo a forma de um anexo.

As leis destinam-se a regular determinada situação por prazo inde- terminado. A vigência por prazo determinado é excepcional. Os planos, por outro lado, atuam sobre situações conjunturais e dinâmicas. Já se sabe, desde a sua elaboração, que as prescrições nele contidas perderão atualidade se não forem implementadas em um período determinado, podendo até ser contraproducentes em um futuro distante.

(....)

A lei deve ser genérica, tratando igualmente todas as pessoas. As regras estabelecidas no plano diretor não são gerais, mas específi cas para cada zona em que divida a cidade.(....)

A lei não depende de qualquer capacitação técnica. Já o plano dire- tor resulta de estudos técnicos, que devem ser elaborados por profi ssio- nais habilitados a fi m de que as medidas propostas guardem coerência com o diagnóstico realizado e com os resultados pretendidos.23

Sem embargo das considerações do autor, as quais sublinham o caráter di- nâmico de que se reveste o plano e os efeitos concretos que visa produzir, é certo que o mesmo como lei de efeitos concretos não prescinde de aspectos técnicos e muito menos políticos.

No que diz respeito ao objeto de nosso estudo, o plano diretor consagra-se

como instrumento de relevância porque consistente em lei formal (ou através de

lei formal na visão do autor) aprovada pela Câmara e que exige a participação

popular para a efetividade do direito à cidade, que deve ser exercido com a sua transformação em tradutor e indutor dos reais anseios da população na ocupação do espaço urbano.

Portanto, poderá o plano diretor atuar como hábil instrumento não só para defi nição de áreas destinadas exclusivamente à produção cultural, deli-

22 Idem, ibidem.

23 PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico — Plano Diretor e Direito de Propriedade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 256-258.

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mitação de áreas de proteção a bens históricos e seu entorno, bem como servir de instrumento fundamental para se erigir normas específi cas para padrões de construção de modo a proteger a paisagem urbana, inclusive delimitando espa- ços de não uso da propriedade privada para que a mesma, com isso, não perca a sua função social, dentre os quais se inserem seus atributos estéticos.

Elida Séguin cita como exemplo a delimitação de entorno do bem tomba- do e suas consequentes limitações ao direito de construir e que deve ser incor- porada no capítulo do plano diretor relativamente à política de preservação do patrimônio cultural.24

Como lembra Ana Maria Moreira Marchesan, “a defi nição de áreas espe- ciais de interesse ou valorização cultural através do zoneamento apresenta-se como o instrumento de maior vocação para promover o essencial casamento entre os valores culturais, naturais e artifi ciais que conformam as paisagens urba- nas. No oportuno destaque de Condesso, ‘de nada serve proteger um palácio ou uma casa da idade média, se à sua volta a construção for livre e desregrada. Não basta, pois, proteger um edifício. É necessário defender sua área envolvente.’”25

Ou seja, a defi nição de tais espaços através do plano diretor se revela im- portantíssima no destaque de paisagem urbana e ambiência num contexto em que se contemple o crescimento urbano com qualidade de vida, conforme ve- remos mais adiante.

A utilização das praças e espaços destinados à produção cultural e ao lazer são pontos essenciais, e que podem encontrar guarida no âmbito do plano dire- tor que deve estabelecer os locais para onde a cidade deve crescer, atentando-se sempre à questão da qualidade de vida de seus habitantes e o estatuto da cida- dania cravado na Constituição e no diploma que o regulamenta nesse aspecto.

Ana Conte, por seu turno, destaca que:

O plano diretor delimita os conjuntos urbanos e ambientes que dizem respeito à memória cultural do povo. O patrimônio cultural, além do seu signifi cado como elemento do processo de constituição da me- mória coletiva de uma sociedade, e como expressão das diversidades, que identifi cam uma cultura específi ca, tem um papel importante na estruturação do urbano, que é o de qualifi car o espaço público. Por esse motivo, é imprescindível que a proteção do patrimônio cultural esteja disciplinada pelo Plano Diretor dos Municípios. Permite a elaboração de avaliações dos refl exos das várias normativas no território e no ambiente urbano da cidade. Em relação à proteção do patrimônio cultural, o pla-

24 SÉGUIN, Elida. Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Forense Editora. 2002, p. 110.

25 MARCHESAN, Ana Maria Moreira. A Tutela do Patrimônio Cultural sob o enfoque do Direito Ambiental. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007, p. 234.

no diretor deve ser o instrumento da expressão de preocupação com a preservação daqueles espaços urbanos que, culturalmente, emprestaram e emprestam signifi cado à história da cidade.26

Outro não é o posicionamento de Carlos Frederico Marés de Souza Filho que, ao discorrer sobre a obrigação do Município na proteção do patrimônio cultural, assinala:

Para cumprir essa obrigação, compete à Administração Municipal organizar serviços próprios, não apenas para que no Plano Diretor sejam respeitados esses bens, mas para que coisas muito mais concretas possam ser aferidas, como, p. ex., não sejam expedidos alvarás ou licenças que ponham em risco o bem pela poluição, perda de visibilidade ou qualquer outra contingência nociva ao uso.27

O plano diretor é concebido, pois, como instrumento de sustentabilida- de devendo ser não meramente uma carta de princípios, mas traduzir-se em instrumento de implementação de políticas de ocupação do espaço urbano na perspectiva de uma sadia qualidade de vida.

É o que se lê em Marcos Paulo de Souza Miranda:

A visão contemporânea coloca a questão cultural como fundamen- to do Plano Diretor, não apenas no capítulo que trata da preservação da memória e do patrimônio cultural, mas como chave metodológica im- portante. Assim, exploram-se as questões de apropriação do tecido urba- no pelas populações e da proteção da paisagem, dentro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável também do ponto de vista cultural.28

Portanto, o plano diretor revela-se como instrumento de relevo na con- cretização legal da cidadania cultural, expressão esta explicitada no próprio Es- tatuto da Cidade, o qual, em diversos de seus dispositivos, contempla normas específi cas aptas a assegurar esse direito.

26 CONTE, Ana Carolina Papacosta. A proteção do patrimônio cultural brasileiro em face do direito ambien-

tal: o centro da cidade de São Paulo e sua tutela jurídica, Dissertação de Mestrado. São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica, 2002, p. 140.

27 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e sua Proteção Jurídica, 3ª Ed. — ampliada e atualizada. Curitiba: Juruá, 2009, p. 121.

28 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Tutela do Patrimônio Cultural Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 196.

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4.2. O zoneamento urbano

No plano diretor é estabelecido o macrozoneamento, consistindo o mesmo em se defi nir zonas para ocupação do solo urbano. Não obstante o próprio plano diretor estabeleça prioridades29, não é só ele que assim o faz. Estabelecem-se diretrizes, mas a ocupação do solo urbano se dá segundo o microzoneamento urbano consubstanciado na lei de zoneamento e uso do solo.

Essa percepção vem bem delineada por Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, que lembra:

Na previsão das diretrizes e dos instrumentos da política urbana está bem evidenciada a ênfase na prevenção dos problemas urbanísticos e ambientais nas cidades.

Assim, a ordenação e controle do uso do solo devem ser conduzidos de forma a evitar, entre outros problemas, a deterioração das áreas urba- nizadas, a poluição e a degradação ambientais (art. 2°, VI, “f” e “g”).30

A ideia de zoneamento está prevista na Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, cujo inciso V, do art. 1º e inciso II do art. 9º contemplam o zoneamento ambiental como instrumento dessa política.

Em obra considerada como sendo pioneira sobre direito ambiental bra- sileiro, Diogo Figueiredo Moreira Neto já destacava a importância do zonea- mento, sublinhando seu especial signifi cado ao consignar que “não é mais que uma divisão física do solo em microrregiões ou zonas em que se promovem usos uniformes; há, para tanto, indicação de certos usos, exclusão de outros e tolerância de alguns. A exclusão pode ser absoluta ou relativa.”31

Outro não é o posicionamento de Paulo Aff onso Leme Machado, para quem “o zoneamento veio dar um novo enfoque no critério de generalidade das restrições à propriedade”, segundo a qual “conforme a zona em que a pro- priedade está situada, a limitação pode ser diferente”, apontando duas situa- ções em que a propriedade passa a sofrer os ônus em benefício da sociedade: “quando a propriedade vinculada está situada num contexto de outros bens

29 Isso porque o próprio plano pode prever o zoneamento especial, criando áreas e zonas de uso especial, de acordo com as especifi cidades locais. SAULE JR, Nelson et alli. “Plano Diretor do Município de São Gabriel da Cachoeira — Aspectos Relevantes da Leitura Jurídica” In: SAULE JR, Nelson (org.) Direito

Urbanístico — Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2007,

p.249.

30 YOHISDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Poluição em face das cidades no direito ambiental brasileiro: a

relação entre degradação social e degradação ambiental, Tese de Doutorado. São Paulo: Pontifícia Univer-

sidade Católica, 2001, p. 71.

31 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao Direito Ecológico e Urbanístico, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1977, p. 87.

vinculados ou limitados” ou “quando a propriedade é escolhida individual- mente para ser vinculada.”32

Se é certo que nos primórdios da vida nas cidades a ocupação do solo era realizada mediante critérios exclusivamente práticos e culturais, já que as cida- des se estabeleciam às margens de ferrovias, estradas e iam se expandindo gra- dativamente, seu crescimento desordenado impõe o estabelecimento de regras com vistas à ocupação do território.

Como assevera Marcelo Lopes de Souza, “o zoneamento é considerado, normalmente, como o instrumento de planejamento urbano por excelência” e “de um simples instrumento de planejamento, acabou, indubitavelmente, transmutando-se muitas vezes em atividade de planejar.” 33

Na referida obra o autor consigna que a visão funcional do zoneamento como instrumento de segregação e uso do solo foi se modifi cando, apontan- do para uma visão de zoneamento de prioridades ou includente e hoje se visa contemporizar as duas visões: a funcional, de uso do solo, com a includente.34

Assim, o zoneamento em seu aspecto macro pode e deve constar da lei do plano diretor, mas pode se instrumentalizar através de outras leis, como a lei de zoneamento urbano e uso do solo, como nos projetos de estruturação urbana (Peus) e ainda em leis especiais.

O plano diretor pode prever a criação de zonas e áreas de proteção e pre- servação cultural, podendo, leis específi cas criá-las.

A propósito, é dever do Município, auscultando a população, assim fazê-lo. Nesse sentido assevera Marés, para quem “o Poder Público Municipal que não se utilizar de sua competência legislativa para proteger o seu patrimônio cultural local, e por isso se omitir na preservação e cuidado destes bens, estará infringindo a Constituição Federal, além, é claro, de perder a sua própria His- tória e de desrespeitar o direito de seus cidadãos.”35

Como lembra Carlos Henrique Dantas da Silva, “usualmente a lei de zoneamento tende a ‘substituir’ o plano diretor em suas atribuições”, afi rma- ção essa que faz partindo de um ponto de vista que não concordamos segun- do o qual “o legado deixado pelo primeiro, por se tratar de um instrumento técnico em sua essência, apesar de sua utilização política, será falta de uma

32 MACHADO, Paulo Aff onso Leme. Ação Civil Pública e Tombamento, 2ª Ed.. São Paulo: Editora Revista