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A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e a Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica

O TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA, A AGENDA ESTRATÉGICA E A RIO+

2. A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e a Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica

Em 14.12.1998, os países amazônicos, em um processo de institucionaliza- ção de uma visão comum da região e fortalecimento do TCA, assinaram o seu Protocolo de Emenda e acordaram a criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Instalada com sede permanente em Brasí- lia em 2002, a OTCA é dotada de personalidade jurídica e é um organismo com mandato específi co dos oito países da região para defender os recursos naturais da Amazônia Continental, região que se estende por cerca de 40% do território da América do Sul. Destaque-se que o TCA não é aberto a adesões, e, portanto, participam como membros plenos da OTCA os Países Partes do TCA; a Guiana Francesa, território ultramarino da França, tem apenas o status de observador na OTCA.

Incumbe à OTCA gerar consensos e soluções adaptadas aos problemas socioambientais compartilhados, ainda que diante de situações heterogêneas; estabelecer um espaço para o diálogo político e técnico; administrar regio- nalmente a execução de atividades, programas e projetos de acordo com os mandatos dos países membros; bem como identifi car fontes de fi nanciamento, produzindo informação de referência para a região e o fortalecimento da ca- pacidade institucional. Na Cúpula dos Presidentes Amazônicos de 2009, na qual foi adotada a Declaração de Manaus, os Chefes de Estados decidiram “dar à OTCA um papel renovado e moderno como fórum de cooperação”, como também reconheceram que o desenvolvimento sustentável da Amazônia é uma prioridade e deve ser realizado “por meio de uma administração integral, parti- cipativa, compartilhada e equitativa, como forma de dar uma resposta autôno- ma e soberana aos desafi os ambientais atuais”.

Ainda que na esfera regional haja ao menos esse “consenso” em termos dis- cursivo sobre a necessidade de um desenvolvimento sustentável da Amazônia, infelizmente na prática os confl itos socioambientais, que resultam do desenvol- vimento de políticas insustentáveis, se multiplicam, notadamente no Brasil. E assim é possível observar:

15 De acordo com Ricupero, “(...) existe ao menos um tema estruturante capaz de unir a todos numa luta comum. Esse tema é o de enfrentar de forma proativa a ameaça que a mudança climática faz pesar sobre a região”. RICUPERO, Rubens. Op. cit., p. 33.

a) os efeitos negativos da política brasileira que favorece a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia16, notadamente os impactos socio- ambientais de comunidades afetadas com o primeiro barramento do Xingu na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Isso sem falar das duas notifi cações que o Brasil recebeu da Comissão Intera- mericana de Direitos Humanos (CIDH) para prestar esclarecimentos sobre as violações de direitos humanos. A resposta dada pelo governo brasileiro foi o não comparecimento em outubro de 2011 à audiência sobre medidas cautelares que determinam a suspensão da obra de Belo Monte na CIDH, e a suspensão da contribuição orçamentária do país à Organização dos Estados Americanos (OEA);

b) os impactos negativos que podem advir da sanção presidencial do Proje- to de Código do Desmatamento e Destruição — Código Florestal (PL 1876/1999) —, ora aprovado pelo Congresso Nacional e já evidencia- dos em estudos científi cos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e da Academia Brasileira de Ciência — SBPC e ABC. Isso sem falar que esse texto é uma afronta ao princípio do não retrocesso da pro- teção socioambiental; na realidade, o que deveríamos estar discutindo é como podemos preservar, conservar e utilizar o patrimônio que temos: a nossa biodiversidade;

c) a violência no campo e as mortes de lideranças camponesas e indígenas — o ano de 2011 registrou um aumento de aproximadamente 15% dos confl itos no campo em relação à 2010.

Então, como refl etir sobre uma estratégia para a Amazônia? Em termos de planejamento das ações da OTCA, em novembro de 2010 foi aprovada a Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica (2010-2020) na X Reunião de Ministros das Relações Exteriores do TCA.17 A síntese dessa agenda, que confe- re à OTCA um papel como fórum de cooperação, intercâmbio, conhecimento e ações de curto, médio e longo prazo,para fortalecer o processo de cooperação,

16 Há, no Plano Decenal de Energia 2020, a previsão de construção de 10 (dez) novos projetos hidrelé- tricos na Amazônia a serem viabilizados de 2016 a 2020. Cf. BRASIL, MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. Plano Decenal de Expansão de Energia 2020. Brasília: MME/EPE, 2011. Disponível em; [http://www.cogen.com.br/paper/2011/PDE_2020.pdf ], acesso em 07.05.2012.

17 O Plano Estratégico (2004-2012) foi submetido à consideração da XII Reunião do Conselho de Coo- peração Amazônica (CCA) e da VII Reunião dos Ministros de Relações Exteriores. Para uma visão de alguns dos espaços de intervenção desse plano cf. SILVA, Solange Teles da. Op. cit. Em relação à estrutura orgânica do TCA cf. SILVA, Solange Teles da. O Direito Ambiental Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

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pode ser analisada a partir da matriz do quadro a seguir apresentado. Dois são os eixos de abordagem transversal, o da conservação e uso sustentável dos re- cursos naturais renováveis e o do desenvolvimento sustentável, que foram con- siderados para estabelecer as diretrizes de atuação da Secretaria Permanente e o ciclo de projetos da OTCA. Por um lado, em alguns dos temas apresentados, há expressamente a previsão de ações específi cas voltadas para uma participação de todos os atores envolvidos, como é o caso, por exemplo, da promoção, do fortalecimento e da participação social na gestão fl orestal; do incentivo à parti- cipação de populações vulneráveis, povos indígenas e outras comunidades tra- dicionais em debates sobre recursos hídricos; a promoção do desenvolvimento de diálogos sobre temas relevantes para a gestão das áreas protegidas. Por outro lado, no que diz respeito a temas como energia, infraestrutura e transportes, não há a previsão de nenhum espaço de participação. Destaque-se que, de acor- do com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, representantes da socie- dade civil brasileira são sempre chamados a participar das reuniões da Comissão Nacional Permanente do Tratado de Cooperação Amazônica e a colaborar na elaboração de textos sobre a Amazônia.18 Seria então o caso de estabelecer um espaço institucional de participação: poderiam ter os povos indígenas e comu- nidades tradicionais, o status de observadores na OTCA? (Quadro I, pág. 194) Aqui o papel da OTCA é fundamental para fomentar o diálogo e construir esse espaço de refl exão para analisar as perspectivas de desenvolvimento para a região, possibilitando a participação de todos os atores — notadamente popula- ções tradicionais e indígenas — observando-se uma correlação de forças na for- mulação de ações conjuntas e implementação dos objetivos do TCA. Nessa es- teira de ações para alcançar o desenvolvimento sustentável, importante ressaltar o Compromisso de Manaus fi rmado na XI Reunião de Ministros das Relações Exteriores dos Países Membros da OTCA em 22.11.2011. De acordo com esse texto, a Reunião de Ministros, órgão supremo do TCA, comprometeu-se a ado- tar medidas, dentre as quais destacamos aquelas que refl etem preocupação com a necessidade de desenvolver um maior conhecimento em relação à Amazônia como também aquelas que se referem à participação da sociedade civil. Fazem parte do primeiro tipo de medidas, destinadas a promover o conhecimento em relação à Amazônia: a promoção da mobilidade acadêmica; a iniciativa equa- toriana de criar uma Universidade Regional Amazônica; o desenvolvimento de um sistema de informação integrado e indicadores regionais padronizados

18 MRE. Balanço de Política Externa 2003/2010 — América do Sul — OTCA. Disponível em: [http://www. itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010/1.1.4-america-do-sul-otca/view] Acesso em 07.05.2012.

INSTR UMENT OS JURÍDICOS P ARA A IMPLEMENT AÇÃO DO DESENV OL VIMENT O SUSTENTÁVEL

Conteúdo Temático Geral Eixos de Abordagem Transversal

Missão e Objetivos Estratégicos Conservação e uso sustentável dos

recursos naturais renováveis

Desenvolvimento Sustentável Agendas setoriais Conservação e uso sustentável dos recursos naturais renováveis • Florestas. • Recursos hídricos.

• Gestão, monitoramento e controle de espécies da fauna e da fl ora selvagens ameaçadas pelo comércio.

• Áreas Protegidas.

• Uso sustentável da biodiversidade e promoção do biocomércio. • Pesquisa, tecnologia e inovação em biodiversidade amazônica.

Assuntos indígenas • Povos Indígenas em isolamento voluntário e em contato inicial.

• Proteção dos conhecimentos tradicionais dos Povos Indígenas e outras comuni- dades tribais.

• Terras e territórios indígenas e outras comunidades tribais. • Novos temas.

Gestão do conhecimento e intercâmbio de informação

(continua)

1 OTCA. Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica — aprovada na X Reunião de Ministros de Relações Exteriores do TCA, novembro 2010 — 2011. Disponível em: [http://www.otca.info/portal/admin/_upload/apresentacao/AECA_prt.pdf ] Acesso em 07.05.2012.

O TRA

TADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNIC

A, A A GEND A ESTRA TÉGIC A E A RIO+20 195 Quadro I (continuação)

Conteúdo Temático Geral Eixos de Abordagem Transversal

Missão e Objetivos Estratégicos Conservação e uso sustentável dos

recursos naturais renováveis

Desenvolvimento Sustentável

Agendas setoriais

Gestão regional de saúde

• Coordenação com outras iniciativas. • Vigilância epidemiológica.

• Saúde ambiental.

• Desenvolvimento de sistemas de saúde.

• Tecnologias para melhorar a efi ciência e efi cácia de intervenções em saúde. • Determinantes de saúde na Amazônia.

• Políticas de recursos humanos para a Amazônia.

• Impulso, fortalecimento e consolidação da investigação na Amazônia. • Financiamento da agenda de saúde.

Infraestrutura e transporte

• Infraestrutura de transporte. • Navegação comercial.

Turismo • Sistematização da informação turística na Amazônia.

• Criação de circuitos regionais integrados.

• Desenvolvimento do turismo de base comunitária ambientalmente sustentável. • Fortalecimento da imagem turística da Amazônia.

• Proposta para contar com um mecanismo de fi nanciamento regional de turismo.

Fortalecimento Institucional, fi nanceiro e jurídico Temas emergentes • Mudanças Climáticas.

• Desenvolvimento Regional. • Energia.

para facilitar a pesquisa sobre a Amazônia realizada pelas instituições nacionais e regionais; a promoção da inclusão dos conhecimentos ancestrais e práticas comunitárias e locais dos povos indígenas; e a implementação do “Observatório Amazônico”, fórum permanente que reunirá instituições e autoridades relacio- nadas ao tema, com ênfase no estudo da biodiversidade amazônica.

O segundo tipo de medidas que se referem à participação da sociedade civil dizem respeito a priorizar, no âmbito das iniciativas de cooperação entre os Países Membros, ações que aproximem a OTCA, conjuntamente com as autoridades nacionais e locais, das populações que vivem na região amazônica, visando facilitar o processo de identifi cação de demandas locais para projetos de cooperação regional. Aqui também se aponta a necessidade de desenvolver espaços de diálogo com as populações amazônicas, com a realização de um se- minário regional, visando estudar e analisar as propostas apresentadas em cada um dos seminários nacionais.