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O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) e o desenvolvimento sustentável

O TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA, A AGENDA ESTRATÉGICA E A RIO+

1. O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) e o desenvolvimento sustentável

As discussões em relação à negociação de um tratado regional para a Amazônia partiram do governo brasileiro2 com o objetivo de uma integração física da região amazônica, proposta que foi inicialmente rechaçada pelos demais países amazônicos. 3 O texto que foi então acordado entre os Estados Partes do TCA estabeleceu como seu objetivo principal a realização de esforços em comum para promoção do desenvolvimento harmônico4 de “seus respectivos territórios amazônicos”, de forma que tais ações conjuntas produzissem resultados equita- tivos e mutualmente proveitosos, assim como a preservação do meio ambiente e a conservação e utilização racional dos recursos naturais desses territórios (art. 1º). Assinado em Brasília em 03.07.1978, pelas repúblicas de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, o TCA entrou em vigor em 02.08.1980, trinta dias depois de depositado o último instrumento de ratifi cação do tratado pela Venezuela.5

Seu campo de aplicação abrange os territórios das Partes Contratantes na Bacia Amazônica, como, também, “qualquer território de uma Parte Contratan-

te que, pelas suas características geográfi cas, ecológicas ou econômicas, se considere estreitamente vinculado à mesma.” Observa-se, no entanto, que não há no texto

do tratado uma delimitação da Bacia Amazônica Continental6, e os países ama- zônicos partes do TCA utilizam suas próprias defi nições de Amazônia, conside-

2 RICUPERO, Rubens: “A Amazônia e a Rio+20: uma proposta para a revitalização da cooperação ama- zônica” In Política Externa vol. 20 n. 4/2012, pp. 34-35.

3 Nesse artigo faremos referência aos países amazônicos ou Estados amazônicos como equivalente das Par- tes Contratantes do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) — Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela e Suriname — não incluindo, portanto, a Guiana Francesa (França). 4 ANTIQUERA, Daniel de Campos. A Amazônia e a política externa brasileira: análise do Tratado de Coo-

peração Amazônica (TCA) e sua transformação em Organização Internacional (1978-2002). Dissertação de

Mestrado, Instituto de Filosofi a e Ciências Humanas, UNICAMP, Campinas/SP, 2006.

5 Ware analisa como o tratado permitiu uma aproximação entre o Brasil e a Venezuela, como também outras questões políticas associadas às negociações, considerando que a época (1980) seria difícil prever se o tratado poderia signifi car um passo para o objetivo de construção de uma nação latino-americana ou não. WARE, David. “Th e Amazon Treaty: A Turning Point in Latin American Cooperation?” In Texas

International Law Journal 15, 1980, pp. 117-137.

6 EVA H.D. and HUBER O. (ed.) Proposta para defi nição dos limites geográfi cos da Amazônia — Síntese dos

resultados de um seminário de consulta a peritos organizado pela Comissão Europeia em colaboração com a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica — CCP ISpra 7-8 de junho de 2005. European Com-

mission, OTCA, 2005, Disponível em: [http://ies.jrc.ec.europa.eu/uploads/fi leadmin/Documentation/ Reports/Global_Vegetation_Monitoring/EUR_2005/eur21808_bz.pdf ], acesso em 07/05/2012. Essa proposta, no entanto, não levou em consideração as características econômicas da região.

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rando a fl oresta, a bacia amazônica, ou ainda as divisões político-administrati- vas ou a questão do planejamento.7 Assim, qualquer território que “se considere

estreitamente vinculado” à Bacia Amazônica integra o campo de aplicação desse

tratado. Nesse sentido há de se fazer referência, por exemplo, aos “rios que vêm do cerrado e altiplanos do centro do Planalto Brasileiro”, que drenam a bacia sedimentar amazônica, como destaca Ab’Saber,8 o que faz com que o campo de atuação do TCA se estenda até partes do cerrado e altiplanos do Planalto Central brasileiro. Coloca-se, então, o desafi o para os governos dos países ama- zônicos de observar as interações existentes entre o que legalmente denominam como sendo “Amazônia” e os territórios que se vinculam a ela na defi nição de suas políticas públicas, considerando igualmente as demais interações no meio ambiente e os compromissos internacionais assumidos pelos países amazônicos, como aqueles que se referem ao Protocolo de San Salvador (direito ao meio am- biente sadio), Convenção 169 da OIT (consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas), Convenção da Diversidade Biológica (CDB — conservação da biodiversidade, uso sustentável e repartição equitativa dos benefícios) e seus Protocolos, Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (contribuir com ações de mitigação e adaptação).

Tal qual estabelece o TCA, as políticas públicas comuns devem observar alguns princípios, dentre os quais está o princípio da soberania nacional sobre os recursos naturais, o princípio da cooperação regional e o tratamento especí- fi co para as questões amazônicas.9 Se há o reconhecimento internacional que os Estados têm direitos soberanos de explorar seus próprios recursos naturais, de acordo com as suas respectivas políticas ambientais e de desenvolvimento, há também o dever estatal de exercer esse direito de acordo com a Carta das Nações Unidas e os princípios do direito internacional, cabendo-lhes assegurar que as atividades realizadas nos limites de sua jurisdição ou sob seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou zonas situadas fora de toda jurisdição nacional.10

7 SILVA, Solange Teles da. “Tratado de Cooperação Amazônica: gestão integrada dos recursos naturais na Região Amazônica” In Revista de Direito Ambiental, v. 52/2008, pp. 183-198.

8 BORELLLI, Dario Luis “Aziz Ab’Sáber: problemas da Amazônia brasileira” In Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n. 53, Apr. 2005. Disponível em: [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0103-40142005000100002&lng=en&nrm=iso] Acesso em 07.05.2012.

9 De acordo com o art. IV do TCA “As Partes Contratantes proclamam que o uso e aproveitamento exclusivo

dos recursos naturais de seus respectivos territórios é direito inerente à soberania do Estado e seu exercício não terá outras restrições senão as que resultem do Direito Internacional”.

10 Cf. Princípio 21 da Declaração das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano — Declaração de Estocolmo de 1972 e, princípio 2º da Declaração das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvol- vimento — Declaração do Rio de 1992.

Na realidade, o direito internacional ampliado pelas preocupações ambien- tais comuns não deve ser analisado apenas como o direito dos Estados, mas o direito da humanidade11 presente e futura. Assim, se por um lado afi rmou-se que essas atividades, que se referem à exploração, ao desenvolvimento e à dis- posição dos recursos naturais, devem ser exercidas de acordo com o interesse do desenvolvimento nacional e bem-estar da população de cada Estado12, por outro lado, há o dever de não causar danos aos outros Estados e preservar os interesses das presentes e futuras gerações. Os Estados amazônicos devem, por- tanto, realizar a gestão dos seus recursos naturais considerando a necessidade de assegurar a equidade intrageracional e intergeracional, uma gestão que propicie a integração de suas políticas públicas13 e o bem-estar da população, conduzin- do à sustentabilidade.

A difi culdade pode estar em encontrar um denominador comum entre os países amazônicos, partes do TCA, para dar um signifi cado a expressão “desen- volvimento sustentável” ou “sustentabilidade”, já que seus signifi cados reve- lam diferentes concepções das relações dos seres humanos com a natureza e do desenvolvimento com o meio ambiente.14 Certo, a Declaração de Manaus de 1989, resultado da I Reunião dos Presidentes dos Países Amazônicos, afi rmou a importância de proteger o patrimônio cultural, econômico e ecológico dos respectivos territórios amazônicos e a necessidade de mobilizar esse potencial de desenvolvimento econômico e social de seus povos, reiterando que “o patrimô- nio amazônico deve ser conservado por meio da utilização racional dos recursos da região para que as gerações atuais e futuras possam aproveitar os benefícios desse legado da natureza”. Esse discurso em prol da sustentabilidade amazônica

11 STEC. Stepen. “Humanitarian Limits to Sovereignty: Common Concern and Common Heritage Appro- aches to Natural Resources and Environment” In International Community Law Review 12 (2010), p. 389. 12 Resolução n. 1803 (XVII) de 1962 da Assembleia Geral das Nações Unidas que declarou o princípio da

soberania nacional sobre os recursos naturais. Essa resolução integra um equilíbrio entre os direitos de soberania dos Estados sobre os seus recursos naturais e os deveres dos Estados. SCHRIJVER, Nico. Sove-

reignty over natural resources: balancing rights and duties. United Kingdom: Cambridge University Press,

1997, p. 372. Outras resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas merecem destaque em relação a essa questão; são, por exemplo: a) Resolução 2158 (XXI) de 1966, sobre a soberania permanente sobre os recursos naturais; b) a Resolução 3201(S-VI) de 1974, referente ao estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional, que afi rma entre os seus princípios o da soberania permanente dos Estados em relação aos seus recursos naturais e atividades econômicas; c) Resolução 3281 (XXIX) de 1974, que adotou a Carta dos direitos e dos deveres econômicos dos Estados que proclama em seu artigo 2º o livre exercício da soberania permanente dos Estados, incluindo posse, uso e gozo de suas riquezas, recursos naturais e atividades econômicas.

13 Destacamos aqui notadamente as políticas públicas ambiental, territorial, agrícola, energética e de transportes. 14 Aqui um primeiro dilema: optar por uma sustentabilidade forte que afi rma a impossibilidade de substi- tuição do capital natural, ou por uma sustentabilidade fraca que considera substituível o capital natural e aposta na tecnologia para a solução de todos os problemas ambientais?

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nos conduz a considerar igualmente os compromissos internacionais assumidos por esses países em matéria de mudança climática e biodiversidade.15

2. A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e a Agenda Estratégica