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Não há desenvolvimento sustentável sem inclusão de todos

A SUPERPOPULAÇÃO PRISIONAL COMO OBSTÁCULO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

3. Não há desenvolvimento sustentável sem inclusão de todos

Os obstáculos econômicos, sociais e políticos à inclusão social estão fortemente presentes no debate sobre o desenvolvimento sustentável. Este texto procurou inserir nesse debate uma modalidade de exclusão social muito específi ca: aque- la produzida pela atuação do próprio sistema de justiça. Os desafi os para a superação dessa indiferença radical à inclusão social do condenado exigem que enfrentemos no debate público ideias cristalizadas há muitos séculos em nossa cultura jurídica. A produção de dados e de pesquisas que auxiliem a explicitar os efeitos devastadores das longas penas de encarceramento para os cidadãos(ãs) que as vivem, para suas famílias, comunidades e gerações futuras é urgente38. A ampliação dos espaços de imaginação jurídica para a formulação de arran- jos jurídicos e mecanismos de responsabilização que contribuam à gestão dos

local distante do centro urbano, à distância que não restrinja a visitação” (artigo 90). A preocupação em não impedir ou restringir a visitação também está presente nas resoluções do CNPCP.

36 Cordeiro, Suzann. Até quando faremos relicários (op. cit, p. 89).

37 Furukawa, na entrevista mencionada acima, perguntado sobre a obtenção de recursos para o aumento do número de vagas, respondeu: “O grande problema é a difi culdade em construir novas instalações prisionais: procura-se um lugar e todo seu entorno se volta contra” (p. 23). No mesmo sentido, trecho de um dos acórdãos analisados na pesquisa: “É certo, por um lado, que nenhum Município deseja rece- ber estabelecimentos prisionais, como amplamente se percebe nas manifestações que envolvem decisões desse jaez, tanto na mídia quanto nos tribunais.” (Agravo de Instrumento 0488307-16.2010.8.26.0000) 38 Ver, por exemplo, a diversidade de dados articulados por Paul Butler para explicitar as razões pelas quais os Estados Unidos da América precisam urgentemente acabar com o encarceramento em massa. Butler, Paul. Let’s get free. A hip-hop theory of justice. New York: Th e New Press, 2009, p. 23-40. No Brasil, além dos estudos já citados, merece destaque a pesquisa desenvolvida pela psicóloga Valdirene Daufemback sobre “as aprendizagens” que ocorrem na prisão e o seu papel na permanência desses cidadãos(ãs) em pri- vação de liberdade. Ver, Daufemback, Valdirene. “A experiência da Justiça. Parte I”. Revista do Conselho

comportamentos problemáticos, também39. Estes esforços estão voltados à pro- mover uma redução drástica tanto do número de pessoas apenadas com privação de liberdade em nosso país, quanto do tempo das penas de prisão impostas. No direito penal tomado pelo desenvolvimento sustentável, as penas de prisão que forem aplicadas estarão, como todo o direito, pautadas pelas exigências de inclusão social. Para cumprir essa exigência, nos dias de hoje, é possível lançar nossas expectativas para muito além da garantia de uma vaga por cidadão(ã) e de condições elementares de saúde, higiene, alimentação, trabalho e educação. Este objetivo de curto e médio prazo pode estar acompanhado de uma reorien- tação profunda — ou revolucionária como denominou, no fi nal da década de 1980, o arquiteto J. D. Espinas.

Trabalhar não apenas pela reintegração do cidadão(ã) ao convívio social, mas também pela reintegração da própria instituição prisional à cidade: a proposta de Espinas está voltada a “apagar a linha de demarcação, suporte do antagonismo entre a comunidade urbana e carcerária, para estabelecer um espaço intermedi- ário, não de confrontação, mas de troca”40. Este espaço, que o arquiteto deno- mina “interface”, seria ocupado pelos pólos esportivos, de formação profi ssional e de produção, de atividades culturais ou socioeducativas que, a depender do contexto de implementação e das características do estabelecimento, podem ser utilizadas conjuntamente ou em turnos, pela comunidade e pelos cidadãos(ãs) em privação de liberdade. A nova relação que Espinas estabelece entre a prisão e a cidade identifi ca como benefi ciários “da abertura da prisão ao mundo exterior” não somente “os atores do espaço carcerário”, mas a comunidade urbana que poderá também desfrutar dos equipamentos sociais, culturais e esportivos. E, so- bretudo, essa nova relação permite que o todo “se engaje conjuntamente, através de suas respectivas contribuições, ao processo de reinserção”.

Referências

Butler, Paul. Let’s get free. A hip-hop theory of justice. New York: Th e New Press, 2009.

39 Este texto não poderá repertoriar as experiências interessantes que estão sendo gestadas e desenvolvidas na sociedade civil, em instâncias governamentais, em órgãos do sistema de justiça e nas universidades. No campo das sanções não prisionais e às estratégias de mediação e conciliação, as primeiras compila- ções de experiências inovadoras têm sido registradas e difundidas pela Coordenação Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas, no âmbito do Ministério da Justiça. Ver, nesse sentido, o documento “Melhores práticas de penas e medidas alternativas” (2010).

40 Espinas, J.D. “Révolution pénitentiaire: les chemins de l’architecture”. Déviance et Sociéte, vol. XIII, no

4, 1989, p. 367-378. Além de maiores detalhes sobre a concepção arquitetônica, o texto traz também plantas baixas e desenhos em perspectiva dessa “reconquista do espaço urbano”.

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