• Nenhum resultado encontrado

A superpopulação prisional, as instituições do sistema de justiça e as cidades

A SUPERPOPULAÇÃO PRISIONAL COMO OBSTÁCULO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

2. A superpopulação prisional, as instituições do sistema de justiça e as cidades

E quais têm sido os efeitos da posição ocupada pela prisão em nossa legislação e em nossa forma de conceber a atuação do sistema de justiça? O crescimento vertiginoso da população carcerária e o regular — mas sempre insufi ciente — investimento público na expansão do sistema prisional. Com uma taxa de 436 presos por 100 mil habitantes, o Estado de São Paulo aprisiona três vezes mais que a média mundial que, em 2008, estava em 145 presos por 100 mil habitan- tes20. As elevadas taxas de encarceramento são problemáticas em si mesmas e, nessa condição, objeto de estudo em inúmeros países. Mas, no caso brasileiro, a gravidade desse quadro é substancialmente intensifi cada pelo défi cit de vagas. De acordo com os dados de dezembro de 2011, faltam 80 mil vagas apenas no Estado de São Paulo. A política de expansão que assistimos no decorrer da ges- tão de Nagashi Furukawa (1999-2006), período em que foram inauguradas “82 novas unidades prisionais — mais de uma por mês” 21 —, repete-se atualmente com o “plano de expansão” anunciado pelo governo do Estado22.

Com o aumento do número de unidades, assistimos a um movimento in- tenso de interiorização do sistema prisional. No início do século XX, como nos mostra o sociólogo Fernando Salla, a inauguração da Penitenciária do Estado, no bairro do Carandiru na capital, “respondia às exigências das comarcas do interior”23. Um século mais tarde, o Estado de São Paulo possui 74 penitenciá- rias, distribuídas em 47 Municípios, além da capital24. Isso sem contabilizar os

20 Os dados de São Paulo são extraídos do Infopen, como indicamos anteriormente. A taxa mundial, com todas as difi culdades metodológicas que implica, vem sendo elaborada por: Walmsley, R. World prison

population list. 8th Edition. King’s College London International Centre for Prison Studies, 2009. Dispo-

nível em http://www.prisonstudies.org/info/downloads/wppl-8th_41.pdf (último acesso em 05 de maio de 2012).

21 Trecho da entrevista de Furukawa publicado em MIRAGLIA, Paula; SALLA, Fernando (2008). O PCC e a Gestão dos Presídios em São Paulo. Entrevista com Nagashi Furukawa. Novos Estudos Cebrap, 80: 21-41, 2008.

22 “Expansão em ação”. Revista SAP, edição especial número 4, dezembro de 2011. Disponível em http:// www.sap.sp.gov.br/download_fi les/pdf_fi les/revista/revista-sap-dez-2011.pdf (último acesso em 05 de maio de 2012).

23 Salla, Fernando. As prisões em São Paulo 1822-1940. 2a edição. São Paulo: Annablume, 2006, p. 119.

24 Estes dados foram computados manualmente a partir das informações disponíveis no site da Secretaria de Assuntos Penitenciários do Estado de São Paulo. O site não disponibiliza relatórios com os dados consolidados do sistema carcerário, mas tão somente um mapa do Estado, indicando em cores os Muni- cípios que dispõem de instituições prisionais.

A SUPERPOPULAÇÃO PRISIONAL COMO OBSTÁCULO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 145

demais tipos de estabelecimentos prisionais existentes no Estado25. Com este movimento, vários Municípios que dispunham no máximo de cadeias públi- cas ou carceragens nas delegacias de polícia, passam a receber estabelecimentos prisionais projetados para abrigar centenas de pessoas e que, frequentemente, funcionam bem acima da capacidade.

Os efeitos e implicações do fenômeno da superpopulação carcerária po- dem ser — e têm sido — captados e difundidos de várias formas. A estratégia de pesquisa escolhida aqui é focalizar o modo como o poder judiciário tem reagido aos aspectos desse fenômeno que têm sido levados até ele. É possível organizar a atuação do sistema de justiça brasileiro sobre essa questão em dois grandes grupos de ações e recursos: de um lado, estão aquelas que dizem respeito ao percurso de um determinado cidadão(ã) pelo sistema de justiça criminal e, de outro, estão aquelas que focalizam a própria instituição prisional. No primeiro grupo, é razoável supor que não apenas a dimensão temporal seja discutida, mas também a dimensão espacial do problema carcerário. De todo modo, mesmo sem poder averiguar o grau de receptividade do poder judiciário às condições de vida em prisão, é possível encontrar diversos exemplos de situações nas quais as características do espaço prisional são levadas ao conhecimento do poder judici- ário na concessão de habeas corpus, na defi nição da pena ou em intercorrências no decorrer de seu cumprimento26.

No entanto, o que interessa observar mais de perto neste texto é a judi- cialização do problema carcerário através de ações e recursos que focalizam as próprias instituições prisionais. Ainda que a Lei de Execução Penal estabeleça regras específi cas para a interdição dos estabelecimentos27, é possível identifi car a utilização frequente de uma outra via: a ação civil pública28. Neste tipo de

25 De acordo com o site da SAP, encontram-se em funcionamento 13 centros de progressão penitenciária, 38 de detenção provisória, 22 centros de ressocialização, 01 de regime disciplinar diferenciado e 3 hos- pitais.

26 Não temos conhecimento de pesquisas que buscaram sistematizar o impacto das condições de vida em prisão no processo decisório sobre a sanção penal, mas uma busca simples pelo termo “superpopulação” no banco de dados do Tribunal de Justiça de São Paulo permite afi rmar que essas questões integram o de- bate jurisdicional no tocante à privação de liberdade. Exemplos: habeas corpus impetrado contra o Secre- tário de Estado da Administração Penitenciária em razão do recolhimento de preso defi nitivo em Centro de Detenção Provisória, “estabelecimento inadequado para cumprimento de pena, eis que se reserva - e com superpopulação carcerária - a presos provisórios” (TJSP, HC nº 0036997-65.2012.8.26.0000); habeas corpus impetrado para permitir progressão para o regime aberto, em razão de ausência de vaga no semiaberto, em consequência da “notória superpopulação dos presídios” (TJSP, HC nº 0023775- 64.2011.8.26.0000).

27 LEP art. 66, VIII e X; art. 81-B, VI.

28 Agradeço imensamente ao pesquisador Bruno Paschoal por haver chamado minha atenção para o poten- cial desse campo empírico e à pesquisadora Luisa Ferreira pela contribuição inestimável para a prepara- ção do banco de dados.

ação, o Ministério Público — ou os demais legitimados — provocam o poder executivo para resolver os mais diversos problemas relativos à gestão das insti- tuições prisionais. Tratando-se de uma ação de natureza civil ajuizada em face da Fazenda Pública, buscam, via de regra, obrigar o Poder Executivo a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, estabelecendo, em alguns casos, multas diárias pelo não cumprimento. Essas ações oferecem, portanto, um material empíri- co privilegiado para coletar informações sobre as características dos problemas carcerários vivenciados em diferentes Municípios, bem como a forma como o Poder Judiciário se posiciona diante deles.

Esta versão preliminar da pesquisa selecionou todas as decisões tomadas no ano de 2011 pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) no tocante a ações civis públicas que versassem sobre problemas prisionais. Para delimitar esse universo de decisões, nosso estudo exploratório indicou que a temática da superpopulação ou superlotação das instituições não era capaz de cobrir as situações nas quais “o problema” é identifi cado, sobretudo, no entorno do estabelecimento prisional. Em função disso, desenhamos a busca a partir de diferentes termos para a instituição prisional — “presídio”, “cadeia”, “estabe- lecimento prisional” — combinados com dois outros conjuntos de palavras- chave. O primeiro grupo buscava capturar a existência de número de detentos acima da capacidade — “superpopulação” e “superlotação” — e o segundo bus- cava alcançar os eventuais impactos no meio ambiente “ambiente”.29 Realiza- das as exclusões por repetição ou inadequação ao objeto da pesquisa, a busca resultou em 29 decisões — 17 acessadas pela combinação com a palavra-chave “ambiente” e 12 pelo grupo de termos referente à população prisional acima da capacidade da instituição. Das 29 decisões discutidas aqui, 15 foram tomadas em sede de apelação, 10 em agravo de instrumento e 4 em embargos. As deci- sões referem-se a estabelecimentos prisionais localizados em 27 Municípios do Estado de São Paulo30.

As ações civis públicas sobre as quais versam as decisões do TJ/SP analisa- das nessa pesquisa dizem respeito majoritariamente a solicitações de remoção, transferência e proibição de ingresso de novos presos (14/29). Logo em seguida,

29 É importante registrar que a ferramenta de busca do site do TJ/SP é tão precária que o recurso às palavras-chave indicadas alcançou, somente para o ano de 2011, 89 decisões. Dessas, 59 foram descar- tadas: 43 por serem repetidas e 17 por discutirem temáticas alheias aos propósitos da pesquisa, como, por exemplo, acórdãos com os termos “cadeia de proteção ambiental” (TJSP, apelação nº 0003919- 02.2009.8.26.0642) e “cadeia ictiológica” (TJSP, apelação nº 0014656-96.2008.8.26.0481). Portanto, o banco de dados apresentado aqui é composto por 29 decisões.

30 Apenas dois Municípios se repetem em nosso banco. A cidade de São Paulo aparece duas vezes, com instituições prisionais distintas. E o Município de Colina que, com o mesmo estabelecimento, aparece no banco em uma decisão de apelação e outra de embargos.

A SUPERPOPULAÇÃO PRISIONAL COMO OBSTÁCULO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 147

aparecem os pedidos de interdição ou desativação do estabelecimento (8/29) que, de certa forma, também implicam na remoção dos presos que ali cumprem pena. Aparecem, também, entre os objetos das ações a solicitação de interven- ção do poder judiciário antes do início ou durante a construção de estabeleci- mentos em função da inadequação da área em que se localiza o projeto ou da ausência dos estudos e pareceres exigidos por lei (4/29). Por fi m, nosso banco contempla três situações nas quais se busca exigir do Poder Executivo a realiza- ção de obras básicas de infraestrutura relacionadas ao tratamento de esgoto da unidade prisional (3/29).

Tendo em vista que nosso corpo empírico está limitado às decisões de segundo grau, nem todos os acórdãos oferecem detalhes sobre o estado de de- terioração do espaço prisional. De todo modo, entre os que assim o fazem (16/29), é frequente a menção à “situação dramática” da superpopulação carce- rária: “44 presas alojadas em três celas, cuja capacidade é de seis detentas cada”; “118 detentos quando possuía capacidade máxima para 24”; “mais que o triplo do número de presos para o qual foi projetada”; e, ainda, construída para “24 detentos (...) chegando a abrigar 132”. No tocante ao “estado de depreciação” das instalações, os acórdãos analisados registram de diferentes formas as con- dições de higiene, salubridade e segurança dos estabelecimentos. Ilustrativa- mente, é possível mencionar “temperatura ambiente excessiva, umidade nos corredores e celas, e insufi ciência de iluminação e ventilação”; “o comprometi- mento da cobertura e da instalação elétrica, como também inexistência de parte hidráulica adequada e tubulação de esgoto” e, ainda, “inúmeras escavações (...) a ausência de condições satisfatórias de ventilação espontânea, com umidades, mofos, ferrugens, caixas de esgoto parcialmente abertas, com instalações elétri- cas ostentando o perigo de incêndios, e havendo ainda ausência de sanitários”. Nos relatos contidos em nosso material empírico, a esse quadro atribui-se consequências para “a população carcerária” e para “a coletividade”. No pri- meiro grupo, encontramos menções à “inadequação das condições para ha- bitação humana” — como por exemplo o “revezamento para dormir” — e às implicações para a saúde, com registro de falecimento de detento causado por tuberculose. Em alguns casos, a referência ao risco de vida abrange não apenas os cidadãos(ãs) em cumprimento de pena, mas também os funcionários que trabalham nas instituições prisionais. No segundo grupo, ao qual nosso mate- rial empírico refere-se como “coletividade” ou “sociedade”, encontram-se justa- mente às menções ao meio ambiente. A preocupação com o ambiente externo à instituição prisional aparece, sobretudo, nas ações civis públicas referentes ao tratamento de esgoto que, “despejado sobre o solo nu, a céu aberto, com nítida

contaminação do solo e do lençol freático”, causa “dano irreparável e grave lesão ao meio ambiente e saúde pública”, além de “odores nas áreas circunvizinhas”. Um terceiro tema aparece com frequência em nosso material empírico quando se trata de indicar as consequências ou implicações do estado do espaço prisio- nal. Trata-se da questão da segurança. Em vários acórdãos, a possibilidade de fugas e motins de presos está diretamente associada ao baixo nível de segurança no espaço prisional.

Enfi m, no tocante à receptividade do Poder Judiciário a esse conjunto tão diverso de problemas, é possível dizer inicialmente que os juízes de primeira instância decidem com mais frequência em favor do pedido do Ministério Pú- blico do que os desembargadores do Tribunal de Justiça. De acordo com nosso banco de dados, os juízes de primeiro grau foram favoráveis à intervenção judi- cial no problema discutido nas ações civis públicas, em grande parte dos casos (20/29). Já no âmbito do Tribunal de Justiça, este número cai para um pouco mais da metade (12/29). É importante registrar que, entre os demais casos, há duas situações nas quais a negativa de intervenção por parte do TJ/SP deve-se a fatores externos ao caso debatido: em um deles o presídio já havia sido desa- tivado quando ocorreu o julgamento e, em outro, a ação civil pública já havia sido julgada31.

As razões para a negativa de intervenção do Poder Judiciário sobre o pro- blema prisional narrado pelo Ministério Público variam substancialmente. O argumento que salta aos olhos na análise preliminar do material realizada até o momento diz respeito à separação de poderes. Esta discussão aparece explicita- mente em boa parte do material (16/29).

Focalizando o grupo de decisões, nas quais a divisão de tarefas entre o Po- der Judiciário e o administrador público é tematizada, observa-se que a maioria reconhece, no argumento da separação de poderes, um obstáculo à intervenção do judiciário no problema debatido nos autos (10/16). A divisão de tarefas como obstáculo à atuação — ou como salvaguarda para a não atuação — assu- me diversas formas. Em alguns casos, a questão se coloca em termos de “com- petência” e se atribui ao juiz de execução penal a intervenção sobre o problema com base nos dispositivos da LEP sobre a interdição de presídios. Em outros, a questão remete diretamente à impossibilidade do Poder Judiciário “imiscuir-se” na esfera de competências do Poder Executivo. De acordo com essas decisões, os problemas narrados nas ações civis públicas dependem de dotações orça-

31 Trata-se, neste caso, de um agravo contra a concessão de liminar pelo juiz de primeira instância. No momento do julgamento do recurso, a ação civil pública já havia sido julgada, fazendo com que o objeto do recurso fosse prejudicado.

A SUPERPOPULAÇÃO PRISIONAL COMO OBSTÁCULO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 149

mentárias e “prioridades estabelecidas pelos governantes” em relação às quais a intervenção do Judiciário revela-se “inviável” ou “inadequada”.

Por outro lado, quando a tematização da separação de poderes não é mo- bilizada para obstar a atuação do Poder Judiciário sobre o problema, há outro componente fundamental agregado ao debate: a segurança. Nesses casos, o re- conhecimento da necessidade — e até mesmo da obrigatoriedade — do Poder Judiciário intervir na esfera da administração prisional é decorrência “do dever constitucional de garantir a segurança”. Nesses acórdãos, há menção, por exem- plo, à segurança “de todos, inclusive da população [local] e de cidades vizinhas” ou, de modo ainda mais direto, à garantia da segurança pública. O dever de assegurar a “integridade física” dos próprios cidadãos(ãs) em privação de liber- dade aparece em um único acórdão como justifi cativa sufi ciente para afastar a competência exclusiva do Poder Executivo para atuar sobre a questão prisional.

Este breve percurso sobre as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo no ano de 2011 buscou oferecer um primeiro mapa das questões debatidas em ações civis públicas versando sobre as condições de vida nos presídios paulistas e seus efeitos para as cidades que as abrigam. A partir desse material empírico, é possível formular algumas hipóteses sobre as características da judicialização do problema carcerário no Estado de São Paulo. Em primeiro lugar, chama atenção a absoluta ausência de menção aos obstáculos que o estado das prisões colocam à realização das fi nalidades da pena estabelecidas em nossa legislação, muito especialmente a ressocialização prevista no artigo 1o da LEP. A precarie- dade das instalações e a permanência de um número de pessoas muito superior à capacidade do estabelecimento mostram-se tão graves que o debate jurisdicio- nal concentra-se na proteção da vida e da segurança, tangencia o direito à saúde, e sequer toca no direito ao trabalho, ao estudo, à moradia digna e a todos os demais direitos que preservam integralmente todos os cidadãos(ãs) em cumpri- mento de pena privativa de liberdade.

É interessante notar que esta ênfase na dimensão da segurança está for- temente presente em outros estudos que se debruçaram sobre as instituições prisionais no Brasil a partir de um campo empírico totalmente diferente do discutido aqui. Na pesquisa sobre os projetos arquitetônicos das prisões bra- sileiras, a arquiteta Suzann Cordeiro explicita de que modo o ideal de segu-

rança tem marcado nossa arquitetura penal e eliminado os espaços atentos à

reintegração ou à manutenção dos vínculos sociais do cidadão(ã) em privação de liberdade. A pesquisa está baseada no estudo sistemático de plantas e proje- tos, visitas a instituições prisionais em vários estados da federação e entrevistas com arquitetos e técnicos do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN

— Ministério da Justiça)32. A partir dos dados colhidos, a autora revela que a ideia de segurança que desempenha papel central nos critérios de aprovação dos projetos arquitetônicos restringe-se à edifi cação de “obstáculos para ações de fuga, entrada e saída de armas e drogas” (p. 102). A priorização dessa forma de segurança, de acordo com a autora, impacta fortemente o custo do projeto deixando em segundo plano “a funcionalidade e o respeito ao espaço pessoal, elemento importante para o conforto e a salubridade” desse espaço (p. 104)33. Nesse sentido, destaca-se a formulação de alguns arquitetos entrevistados na pesquisa que consideram “o projeto de estabelecimentos prisionais como mero desenho técnico, pois o mesmo destina-se a prover as necessidades de quem não

é o usuário do espaço” (p. 100 — grifos nossos). Enfi m, a ênfase na preservação

da segurança externa e interna retira do campo de preocupações do projetista o “usuário direto” do espaço prisional.

Isso nos indica que a semântica da segurança no estabelecimento prisional ocupa um lugar privilegiado, não apenas na fundamentação das intervenções do poder judiciário sobre as condições de vida nas prisões, mas também nos processos decisórios de gestão dos estabelecimentos prisionais. Como nos mos- tra Suzann Cordeiro, “a premissa de isolamento do espaço prisional representa até hoje um importante fator de defi nição de qualquer proposta de elaboração dos estabelecimentos penais.” De acordo com a autora, as estratégias de isola- mento dizem respeito à “localização dos componentes arquitetônicos” que en- fatizam a separação física do estabelecimento prisional “em relação ao entorno, tais como muros, alambrados e afastamentos mínimos dos limites do terreno”34.

A indiferença quanto à inclusão das instituições prisionais na dinâmica e na organização das cidades está presente também nas próprias normas sobre ar- quitetura penal em vigor no país. Sobre essa interação, a resolução do CNPCP repete as versões anteriores — de 1994 e 2005 — e, de certa forma, a própria Lei de Execuções Penais (1984) ao indicar que “os complexos ou estabelecimen- tos penais não devem, de modo geral, ser situados em zona central da cidade ou bairro eminentemente residencial”35. Esta norma poderia não favorecer o isola-

32 Cordeiro, Suzann. Até quando faremos relicários. A função social do espaço penitenciário. 2a ed. revista e

ampliada. Maceió: EDUFAL, 2010.

33 Vale lembrar que recomendações relativas ao conforto bioclimático e ao impacto ambiental só foram in- corporadas às “Diretrizes básicas para a arquitetura penal”, em sua terceira versão, editada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária no fi nal de 2011. Resolução 09 de 18.11.11 do CNPCP, anexo 1.