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CAPÍTULO II – A participação dos pais na escola portuguesa

1. A participação parental em Portugal

1.3. A participação parental depois da revolução de Abril

Depois de quase meio século de ditadura, no dia 25 de Abril de 1974, Portugal passou a viver em liberdade. Por essa altura deu-se uma explosão de participação popular em todos os níveis da vida política e social portuguesa, seria expectável que, também ao nível das escolas, essa vaga participativa produzisse alterações ao excessivo controlo que o Estado sempre exerceu sobre o sistema educativo.

1.3.1. O período revolucionário e a intervenção dos pais na escola

Por estranho que pareça, esta maré participativa não atingiu os pais dos alunos. As escolas passaram por uma fase de grande confusão, com demissão de reitores, saneamento de professores e criação de comissões de gestão que, tal como afirma VIRGÍNIO SÁ (2004, p. 63), “apesar da diversidade da sua composição, excluíram sistematicamente os pais.” Estas comissões eram constituídas por professores, alunos e funcionários, mas os pais estavam ausentes. Até porque, se os pais não reclamaram o direito de participação na gestão das escolas, o Ministério da Educação e Cultura também não viu essa necessidade, uma vez que na legislação publicada no ano da revolução, apenas fez referências vagas aos pais, nomeadamente no preâmbulo do Dec- Lei 735-A/74. Este diploma que, segundo SILVA (2003, p.136) “constitui a primeira tentativa de criar no ensino pós-primário (não superior), uma «gestão democrática» regulamentada através de órgãos eleitos nas escolas, nomeadamente os Conselhos Directivos”, veio substituir as comissões de gestão, que no período revolucionário passaram a gerir as escolas, por órgãos mais democráticos: o conselho directivo, o conselho pedagógico e o conselho administrativo, procurando assim, reassumir o controlo sobre as escolas.

No que se refere às famílias, o decreto sugeria aos conselhos directivos que fomentassem os contactos com os pais e que apoiassem a criação de associações de pais, mas sem especificar a frequência, objectivos ou em que moldes esses contactos se realizariam. Parece-nos fazer muito sentido a afirmação de VIRGÍNIO SÁ (ibid, p.64), quando afirma que “Há como que uma naturalização da exclusão dos pais das estruturas do governo das escolas.”

1.3.2. O Conselho Escolar do 1º Ciclo e a possibilidade de incluir pais com funções consultivas

A excepção parece estar no Despacho nº68/74 de 28 de Novembro, que se destina a regulamentar a eleição do Director da escola e faz referência à possibilidade do Conselho Escolar tomar a decisão de passar a reunir com representantes dos encarregados de educação, dos auxiliares e de outras instituições, tal como as autarquias locais. Estes representantes teriam apenas funções consultivas, mas segundo nos diz SILVA (2003, p.134) “a esmagadora maioria das escolas primárias terá «ignorado» aquela «brecha» permitida pela lei.” Ou seja, aquela que parece ter sido a primeira referência à participação de representantes dos pais num órgão de gestão das escolas, embora com funções consultivas, acabou por não ter qualquer consequência prática.

1.3.3. Intervenção informal dos pais no período revolucionário

Embora formalmente os representantes dos pais não tivessem direito a participar na vida das escolas, o movimento associativo de pais não morreu, até porque o caos instalado nas escolas durante o período revolucionário a isso os obrigou. Isso mesmo afirma SILVA (2003, p. 139) “O móbil imediato que levou muitos pais a intervir nessa altura é o do funcionamento atípico das escolas, se não mesmo, nalguns casos, o do seu não funcionamento.” Foi a preocupação com a qualidade do ensino a que os seus filhos estavam a ser sujeitos, que levou muitos pais a apoiarem-se nos elementos da Escola de Pais, que já contavam com alguma experiência organizativa, e a estarem na origem de algumas das associações de pais que entretanto surgiram.

Não deixa de parecer estranho que se tenha atravessado todo o período revolucionário sem que os pais tenham mostrado, em relação à participação na escola, a mesma capacidade de iniciativa e organização que se verificou em outras áreas da sociedade. VIRGÍNIO SÁ (2004, p.67 ss) avança com duas hipóteses explicativas, por um lado a ausência de tradição participativa dos pais na escola portuguesa e por outro, o carácter conservador e de classe média dos pais que estiveram na origem das associações de pais. Quanto à primeira hipótese, o autor refere que também nas outras áreas da sociedade não havia antecedentes participativos, o que não impediu que eles surgissem em força no período revolucionário. No que se refere à segunda explicação, se os pais de classe média não assumiram uma posição de destaque, o que impediu os pais de meios populares de o fazer? VIRGÍNIO SÁ salienta que nem todos os pais de classe média seriam conservadores e que muitos dos populares que criaram comissões

de moradores, de trabalhadores e de movimentos de ocupação de terras, também seriam pais e nem por isso tiveram o mesmo poder de iniciativa em relação à escola. O autor explica esta duplicidade de actuação com a possibilidade real de um mesmo actor poder tomar atitudes antagónicas no desempenho dos diferentes papéis sociais que assume, procurando “responder a determinadas expectativas sociais em relação ao desempenho daqueles diferentes papéis”. (ibid, p.69) Ou seja, o indivíduo não se preocupa se está a ter uma actuação coerente nos diferentes papéis sociais que desempenha, mas sim, se em cada um deles é capaz de ser fiel à forma como é socialmente aceite que ele actue. Desta forma, mesmo os mais progressistas foram cultural e legalmente obrigados a adoptar atitudes conservadoras enquanto pais de alunos, uma vez que esse era o papel socialmente reservado aos “pais responsáveis”.

1.3.4. Aposta do Estado na presença dos pais na escola

Desta forma, com a aparente apatia dos movimentos associativos de pais, foi apenas em 1976 que surgiu da parte da tutela um sinal, embora tímido, de abertura à presença dos pais em órgãos da escola. Trata-se da publicação em Outubro do Decreto- Lei nº 769-A/76, considerado por SILVA (ibid, p.140) como “um sinal claro da tentativa do Estado de (re)ganhar «espaço» (leia-se, controlo) e que não mais irá abandonar”. É que, com este diploma, a referência às associações de pais desaparece, mas cria-se o direito de um representante da associação de pais, por esta indicado, estar presente nos conselhos de turma de natureza disciplinar, embora sem direito a voto. Este direito não significou presença efectiva dos representantes dos pais num órgão de todas a escolas, uma vez que existiam nesta altura poucas associações de pais no país, o que, só por si destruiu a boa intenção do legislador. Mas, para além da escola ter perdido o poder de direcção que tinha conquistado e dos pais se verem, na prática, afastados dos órgãos da escola, também os alunos deixaram de ter influência real na escola, o que leva VIRGÍNIO SÁ (2004, p.74) a afirmar que “A escola parece ter-se transformado assim num ‘feudo’ dos professores e, apesar dos sucessivos diplomas legais que lhe pretenderam alterar as feições, apresenta ainda hoje traços que aparentemente lhe denunciam o mesmo rosto.”

1.3.5. Primeira Lei das Associações de Pais

Da parte do Ministério da Educação surgiu mais um sinal de interesse em patrocinar o movimento associativo de pais, com a publicação da primeira Lei das

Associações de Pais (Lei nº 7/77, de 1 de Fevereiro). Apesar desta lei se destinar apenas ao ensino preparatório e secundário e de se ter esperado dois anos pela sua regulamentação, não deixou de constituir um sinal por parte da tutela das suas intenções quanto à aposta que pretendia fazer na presença dos pais na escola. No entanto, apesar de se ter constituído nesse mesmo dia o Secretariado Nacional das Associações de Pais e destes terem atribuído uma grande importância àquela Lei, a verdade é que VIRGÍNIO SÁ (ibidem), depois de cuidada análise, conclui que “ este normativo não vai ter nenhuma influência na legislação escolar que se lhe segue”.

Entretanto, em termos de participação parental efectiva, nada se alterou até meados da década de 80, pois apenas se admitia a presença de um representante da associação de pais no Conselho Pedagógico, mas sujeita a tantos condicionalismos que acabava por não se concretizar, e também a sua presença nos conselhos de turma de natureza disciplinar e sem direito a voto. Aliás, VIRGÍNIO SÁ (ibid, p.75-76) acaba por concluir que a presença do representante dos pais no Conselho de Turma, “mais do que uma forma de lhes reconhecer um direito, talvez possa ser interpretada como mais uma forma de os (co)responsabilizar pelos comportamentos dos alunos no interior da escola”, isto apesar de, como reforça o autor, os pais estarem excluídos de participar nas tomadas de decisão que regulavam o funcionamento da escola.

Entretanto, surge o Dec.-Lei 211-B/86, de 31 de Julho, que vem introduzir o novo regulamento dos Conselhos Pedagógicos e dos Órgãos de Apoio das escolas de ensino pós-primário não superior e que no âmbito de uma maior interacção da escola com a comunidade, cria o Conselho Consultivo. Parece-nos importante referir que, apesar do referido diploma atribuir “funções de ligação escola-família-comunidade ao Conselho Pedagógico, ao Conselho de Turma, ao Conselho de Directores de Turma, ao Director de Turma e ao Conselho Consultivo, recém-criado. Só inclui um representante da AP neste último.” (SILVA, 2003, p.144) Este facto poderá ser um indicador da importância periférica que legalmente estava reservada aos pais, quanto à sua participação na vida da escola.

1.3.6. Movimento associativo de pais reconhecido pelo poder político

Apesar disso, o movimento associativo de pais foi percorrendo o seu caminho e, depois de em Dezembro de 1985 ter realizado uma Assembleia Geral Extraordinária do Secretariado Nacional das Associações de Pais, que aprovou a sua nova designação para Confederação Nacional das Associações de Pais – CNAP, cujos estatutos são aprovados

em Abril de 1986, adopta a sigla CONFAP e regista na imprensa a – A Voz dos Pais, como sua publicação oficial. Segundo parece as alterações não se ficaram pela sigla, pois a CONFAP passou a adoptar um discurso menos agressivo em relação aos professores e às políticas educativas, o que coincidiu com o período em que é dada àquela confederação maior visibilidade social e que se traduz na “ «consagração definitiva» da CONFAP por parte do poder político, o qual a convida a integrar cada vez mais organismos públicos, do âmbito da educação escolar ou não, e com ela celebra contratos-programa de formação.” (ibid, p.145)

1.4. Da Lei de Bases do Sistema Educativo ao “Novo modelo de