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CAPÍTULO III A comunicação Escola-Família

1. Comunicar, em que consiste?

1.1. Os limites comunicacionais do professor

O professor deverá ser um profissional da comunicação, não apenas dentro da sala de aula, com os seus alunos, mas também com todos os outros intervenientes no processo educativo, como os seus pares, os auxiliares de acção educativa, e, sobretudo, com os pais dos seus alunos. A história tem mostrado o quanto esta comunicação tem sido difícil, sobretudo porque a origem social, cultural e étnica dos pais é cada vez mais diversificada, nomeadamente após a massificação do ensino.

Cabe aqui questionarmo-nos se o professor terá a capacidade de realizar uma comunicação eficaz com todos estes actores, da qual dependerá a qualidade dos resultados obtidos pelos seus alunos. Se pensarmos na comunicação com as famílias dos alunos e tivermos em conta as origens socioculturais das mesmas, podemos saber que o sucesso dessa comunicação é fundamental mas temos a consciência de que é uma tarefa difícil encontrar pontes, nomeadamente culturais, que permitam ao professor comunicar de forma satisfatória com os pais de todos os seus alunos. Isso seria o ideal, mas realmente os estudos provam que existem factores que condicionam essa relação que se pretende sempre positiva.

Por exemplo no que se refere à classe social dos alunos, os professores têm tendência para programarem as suas aulas e adoptarem comportamentos que satisfaçam o aluno médio, que não existe, e que comunga da sua cultura, pertence à sua classe social e dá ao professor um feedback positivo daquilo que ele lhe transmite. Se pelo contrário os alunos se afastam desse padrão, os professores tendem a ver nos próprios alunos obstáculos à aprendizagem, a considerá-los incapacitados e a ter acerca deles expectativas negativas. (cfr, C.A.GOMES, 1986, pp.166-169)

Se transportarmos este tipo de limitações para a relação com as famílias verificamos que, tal como afirma SILVA (2005, p.150) “Se a posição social das famílias influencia as expectativas que os professores criam acerca dos seus alunos, sabemos hoje que também intervém no modo de envolvimento dos encarregados de educação” Os professores têm mais facilidade em comunicar com pais de classe média, mas, por outro lado são “aqueles que os professores mais temem” (ibid, p.151), isto porque são os que, por dominarem melhor as regras do jogo, intervêm mais na vida escolar dos filhos e criticam mais a escola e os professores.

1.1.1. O professor - uma ponte entre culturas

Se olharmos a relação escola família como a relação entre pessoas de diferentes níveis sociais, culturais e étnicos, por um lado e entre a cultura escolar e as culturas locais, por outro, podemos deparar-nos com uma escola enquanto espaço de encontro de culturas. Tal como afirmam SILVA e STOER (2005, p.20), “A relação escola-família constitui uma relação entre culturas. Uma relação entre a cultura socialmente dominante que a escola privilegia, veicula e legitima e a cultura ou culturas locais.” 3

É claro que, se a escola conseguisse vencer este grande desafio de obter o convívio salutar entre todas estas vertentes culturais, teríamos ganho uma batalha importante no combate contra a exclusão social e a clivagem cultural. O problema surge quando tomamos consciência de que a escola não tem a capacidade de valorizar todas as culturas que acolhe e defende-se impondo a cultura dominante a todos os que de alguma forma se relacionam com ela, nomeadamente as famílias dos alunos. A escola tem assim “um papel homogeneizador num contexto caracterizado pela heterogeneidade” (ibidem). A escola tem facilidade em penetrar na cultura familiar, de a influenciar e de, aos poucos, ir impondo a sua cultura como “a cultura” e passando a mensagem de que os que não pertencem a essa cultura possuem algum tipo de défice cultural. Por outro lado, também a escola vai sofrendo influências do meio cultural onde está implantada, “Embora esta relação de interpenetração seja estruturalmente assimétrica (condicionada por factores como a classe social, o género e a etnia).” (ibidem), ou seja, o desejado intercâmbio cultural acontece mais no sentido da cultura dominante para as culturas minoritárias.

A consciência destes factos leva a que vários autores chamem a atenção para o facto da relação Escola-Família poder “converter-se num meio de reprodução social e cultural.” Levando mesmo SILVA (2003, p.347) a classificá-la como “uma relação armadilhada”. O mesmo autor refere também que as diferenças culturais entre a escola e as comunidades que acolhe não se resumem a diferenças exógenas, ou seja às associadas aos grupos de imigrantes recentemente chegados ao nosso país, mas são também significativas em relação às diferentes culturas existentes no grupo dos lusos, designadas pelo autor por diferenças culturais endógenas (Cfr. ibid, p.362). Neste grupo incluem-se os que, apesar de lusos, se encontram em situação de insucesso escolar, e

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Chamamos a atenção para o facto de VIRGÌNIO SÀ (2004, p.20) contestar esta posição argumentando que “as famílias da classe média, apesar de culturalmente mais próximas da escola, são aquelas que tendem a desenvolver uma relação mais tensa com aquela organização, sendo também aquelas que os professores mais temem”

que tem “consequências em termos de direitos sociais e humanos básicos, de concepções de democracia e de cidadania.” (ibidem) Segundo o mesmo autor, corre-se o risco de, em nome de uma maior democratização da sociedade, se canalizarem os recursos mais para este grupo, deixando de lado as minorias étnicas, também em insucesso, não lhes reconhecendo uma cidadania de pleno direito.

Perante esta realidade multicultural, o professor é levado a assumir novos papéis, nomeadamente o de “comunicador capaz de atravessar fronteiras (sociais e culturais), seja através do contacto diário com os seus alunos (crianças e/ou jovens) ou de um contacto regular com as famílias e outros membros da comunidade (adultos).” (ibid, p.373) Ou seja, o professor não pode mais partir do princípio que todos dominam a cultura veiculada pela escola, mas tem que ser preparado para fazer a ponte entre a diferentes culturas que convivem no espaço escolar e comunitário. No fundo, de acordo com esta perspectiva, não são apenas os pais que têm que se adaptar à cultura escolar, sofrendo a chamada docentização dos pais, mas seriam também os docentes a adaptarem-se às culturas dos pais podendo ocorrer o fenómeno inverso de parentização dos professores. Esta troca entre culturas pode vir a transformar-se em mais um dispositivo pedagógico ao serviço do grande objectivo da escola, levar todos os alunos a obter sucesso educativo.