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PARTE B – ESTUDO EMPÍRICO

1. Objecto de Investigação

1.2. Justificação do estudo

A escolha da relação Escola-Família e da influência das formas de envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos deve-se a duas razões principais, as pessoais e profissionais e as que decorrem das recentes propostas do Ministério da Educação quanto à participação dos pais na vida da escola, incluídas no Estatuto da Carreira Docente - Decreto-Lei nº15/2007 de 19 de Janeiro, recentemente aprovado.

Quanto às razões pessoais e profissionais, o facto de exercer a actividade docente no 1º Ciclo do Ensino Básico permite contactos bastante frequentes com as famílias, pois, tal como afirma SILVA (2003, p.193), a relação escola-família no 1º Ciclo tem algumas especificidades,

“Não só pelo regime de monodocência, pelas características de maior dependência dos educandos nesta faixa etária – que, amiúde, precisam de ser acompanhadas à escola – como pela própria base territorial em que estas escolas normalmente assentam (a aldeia ou o bairro), proporcionando, assim, um outro tipo de contactos entre escola e comunidade e dentro desta.”

Este contexto facilita o surgimento de relações informais e permite melhorar o conhecimento que o professor tem da criança, o que é fundamental para que o profissional de educação desempenhe o seu papel de forma eficiente. (Cfr. STANLEY e WYNESS, pp.58-59). Também DAVIES et al. (1989), referem que no 1º Ciclo, o relacionamento que se estabelece entre os professores e as famílias “é muito mais directo e informal” (citado por SILVA, 2003, p.193). Assim sendo parece pertinente

verificar se os professores do 1ºCiclo que pretendemos inquirir têm percepção semelhante quanto aos benefícios de formas informais de envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos.

Numa altura em que o nosso sistema nacional de ensino atingiu o seu grande objectivo de igualdade de acesso, pelo menos no aspecto de abranger praticamente a totalidade das crianças em idade escolar, mas que está longe de conseguir a igualdade no sucesso, parece-nos muito importante aprofundar todos os aspectos que de alguma forma possam ajudar as escolas a atingirem esse objectivo. Como é sabido, a responsabilidade da educação das crianças é em primeiro lugar atribuída aos pais, mas as exigências da sociedade tornaram a escolarização, não só obrigatória, como desejada e alvo de um enorme investimento económico e emocional por parte da maioria das famílias, sobretudo das culturalmente mais próximas da escola.

Mas, a presença dos pais na escola nem sempre foi aceite, foi passando de proibida a desejada e até obrigatória, sem que se tivesse a preocupação de verificar se todas as famílias se envolvem igualmente na vida escolar dos filhos, se todas se sentem acolhidas na escola e se todos os alunos tiram igual proveito do acompanhamento que a escola parte do princípio que todas as famílias fazem de igual forma.

Quanto às razões que decorrem das opções de política educativa, para além da forte aposta legislativa dos últimos anos em transformar todos os pais, incluindo os “indiferentes ou hostis” em “pais colaboradores” e levá-los progressivamente a assumirem-se como “pais parceiros” e que privilegia as relações formais entre professores e pais, surgiu recentemente o novo Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, Decreto-Lei nº15/2007 de 19 de Janeiro. Este diploma legal, no seu Capítulo VII, Subcapítulo II, dedicado às condições de acesso e progressão na carreira, propõe no artº 45º, como um dos itens a ponderar pelo Conselho Executivo no âmbito da avaliação do docente, a alínea h – “Apreciação realizada pelos pais e encarregados de educação dos alunos desde que obtida a concordância do docente e nos termos a definir no regulamento interno da escola.” Na prática está-se a propor que os pais participem na avaliação dos professores, embora com a mediação do órgão de gestão e mediante a concordância do docente. Parece-nos, também esta, ser mais uma forma de participação oferecida pelo Estado, sem que os pais ou os seus legítimos representantes a tenham reclamado. Este facto, segundo MUNN (1993), tem por base a convicção de que os pais tenderiam a adoptar posições consistentes com as políticas governamentais, podendo até funcionar como

uma espécie de polícias dos professores.” (citado por VIRGÍNIO SÁ, 2004, p.66). Por outro lado, SILVA (2003, p.247) afirma que “a regularidade dos contactos formais constitui a melhor estratégia para manter os pais afastados da escola.” Assim, alguns professores, satisfazem a necessidade dos pais em se manterem informados, investindo na relação formal, como a marcação de reuniões e contactos individuais escritos, evitando desta forma a sua presença física na escola.

Ainda dentro desta linha de pensamento encontramos a opinião defendida por BEATTIE (1985) que associa o facto do Estado decretar a participação dos pais nos órgãos das escolas “a uma crise de legitimação do Estado” (citado por SILVA e STOER, 2005, p.14), que surgiu na maioria dos países da Europa após a segunda guerra mundial, mas que em Portugal apenas se começou a sentir depois do 25 de Abril. Os mesmos autores referem que Portugal possui um Estado centralista, que pelo facto de ser um país semiperiférico possui “um défice permanente de legitimação, mascarado por uma aparente omnipresença.” (ibidem) Ou seja, há no nosso país um excesso de produção legislativa, nomeadamente no que se refere à participação dos pais na vida da escola. Mas, ainda de acordo com os mesmos autores, apesar de legalmente Portugal se aproximar dos outros países quanto ao direito dos pais participarem nas decisões da escola, em termos práticos existe uma considerável distância entre o que está legislado e o que é aplicado no dia a dia das relações entre as famílias e a escola. Este desfasamento leva BEATTIE a chamar operação cosmética ao facto do Estado não desejar “uma participação digna desse nome – que poderia ampliar a sua fragilização -, mas antes camuflar a sua debilidade através de uma retórica aparentemente visando o efeito contrário.” (citado por SILVA e STOER, 2005, p.15)

Estes factos levam ainda os referidos autores a darem força às percepções que alguns docentes têm de que o Ministério da Educação ao investir no poder dos pais dentro da escola não pretende mais do que, através das famílias, aumentar o controlo sobre os docentes e as escolas. Assim a tutela substitui o “seu controlo directo das escolas e dos professores por um controlo indirecto exercido através dos pais, segundo uma fórmula de controlo mais subtil mas, por isso mesmo, mais eficaz.” (ibid, p.16)

Neste contexto parece-nos útil verificar se os professores do 1º Ciclo vêem vantagens na proximidade que mais facilmente podem ter com as famílias dos seus alunos, o que é fundamental para que apostem nas relações informais com os pais, uma vez que é aos professores que cabe a iniciativa da relação, pois tal como afirma SILVA (2003, p.376),

“as escolas e, em particular, os professores, estão numa situação privilegiada para assumirem um papel de iniciativa. Pela sua tripla pertença à cultura socialmente dominante, à cultura organizacional escolar e à cultura profissional docente, eles conhecem melhor do que ninguém, «por dentro», o meio escolar ao mesmo tempo que detêm (ou deveriam deter) uma competência comunicacional intercultural.”

Por outro lado, as actuais orientações do Ministério da Educação vão, não só, no sentido de valorizar e fomentar a participação formal e decretada dos pais na gestão da escola, como também podem favorecer um desinteresse no envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos, nomeadamente no que se refere ao acompanhamento da realização dos trabalhos de casa, acrescentando mais essa tarefa à escola e diminuindo as possibilidades de interacção pais-filhos a propósito do trabalho escolar. Estamos a referir-nos à recentemente criada “Escola a tempo inteiro” que prevê que os alunos façam os trabalhos de casa na escola com o acompanhamento do professor.

Este afastamento da família das actividades de aprendizagem em casa poderá diminuir também as oportunidades de comunicação informal entre professores e pais, reduzindo cada vez mais os contactos entre escola e famílias aos momentos de formalidade em que não há oportunidades de verdadeira comunicação, tão importantes para o sucesso educativo, nomeadamente das crianças mais novas.

É ainda de referir que a participação dos pais na escola baseada em associações de pais e representantes dos pais da turma, reduz as possibilidades de serem ouvidos os pais cujo nível cultural é mais afastado do da escola, uma vez que esses representantes são na sua maioria da classe média e muitas vezes professores.

Assim parece-nos importante verificar se os professores do 1º Ciclo valorizam a relação informal e individual com cada família, envolvendo-a na vida escolar do seu filho ou se privilegiam a participação formal e colectiva dos pais, nas reuniões e outras actividades organizadas pela escola.

Com o estudo que agora apresentamos, julgamos poder contribuir para o conhecimento das percepções dos professores inquiridos sobre a importância e especificidade das relações informais entre professores e famílias no 1º Ciclo e saber a sua opinião acerca da utilidade da participação dos pais na avaliação dos professores. O facto do estudo abranger todos os professores, do referido ciclo do ensino oficial, a leccionar no Concelho de Rio Maior, poderá ainda contribuir para a definição das políticas locais de envolvimento das famílias na vida escolar dos seus filhos e na vida da escola, nomeadamente no âmbito do Conselho Municipal de Educação.