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Além da repressão, outros dois processos contribuíram para difi cultar a formação da classe e a luta nas fazendas de café em São Paulo. Um foi a mobilidade física no restrito mercado de trabalho rural, pois os colonos estavam constantemente em movimento, em busca de melhores condições de emprego. “No fi m de cada ano agrícola”, escreveu o fazendeiro Ramos, “há, em quase todas as fazendas, um acentuado movimento no pessoal de trabalho que assim livremente se desloca e se engaja ou desengaja sem o menor obstáculo.” Outro desenvolvimento foi o processo gradual de in- corporação política. Em 1920, a comunidade étnica italiana já havia dado à luz jornais escritos em italiano, organizações cívicas e de estratifi cação social. A comunidade formava um novo grupo de eleitores.

O sociólogo Maurício Font uniu essas duas tendências para argumentar que os imigrantes colonos, socialmente móveis, sua descendência aspirante nascida no Brasil e uma economia alternativa que se desenvolveu a partir de suas atividades vieram a ser as principais forças por trás da morte da oligarquia cafeeira tradicional de São Paulo. Da perspectiva dos colonos, a prova para esse argumento se mantém incompleta, mesmo que seja seduto- ra. Os imigrantes a que Font dá mais atenção, que tinham ou conquistaram sua independência econômica, formaram suas próprias fazendas ou tinham se mudado para áreas urbanas, onde seguiam vocações não-agrícolas. En- tretanto, a história política da época tem relevância para nosso estudo do campesinato.

A pedra angular da predominância dos fazendeiros durante a Velha República era o controle das eleições locais, um controle baseado na mani- pulação dos eleitores nas eleições do município. Enquanto o chefe do grupo local de fazendeiros e negociantes – o coronel – pudesse produzir vitórias para os políticos estaduais e nacionais, podia contar com o Estado e com as autoridades nacionais tanto para deixá-lo em paz quanto para ajudá-lo a administrar as questões locais como ele e seus pares desejassem. O sucesso era assegurado pelo cadastramento eleitoral que admitia somente os homens adultos cuja lealdade pudesse ser contada, inclusive dos trabalhadores rurais fi éis selecionados por fazendeiros e administradores. Na década de 1920, a instituição liderada pelos coronéis era o Partido Republicano Paulista (PRP). Da segunda metade da década de 1910 em diante, entretanto, as pressões socioeconômicas começaram a golpear o sistema, criando facções, deslo- cando a solidariedade dos chefes do PRP e fraturando a até então monolítica oligarquia dos fazendeiros.

A guerra em si causou um declínio na demanda de café, enfraquecendo o poder econômico dos chefes do café. O declínio também compeliu alguns colonos a se mudarem das fazendas deterioradas, tanto para os mercados de

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trabalho urbanos como para terras ainda não ocupadas, ou terras já usadas com o cultivo do café que estavam sendo vendidas para gerar capital. Nos municípios do estado de São Paulo, a manufatura começou gradualmente a se expandir; no campo, pequenos proprietários plantavam alimentos, algodão, cana-de-açúcar e até mesmo café, trazendo diversidade social e de plantio à economia agrária. Na região da Alta Mogiana, onde os pés de café estavam no fi m de seu ciclo de vida, a transição foi especialmente notável. Enquanto a região era responsável por 44% da produção de café de São Paulo em 1920, seu percentual diminuiu para 16% em 1934, com a perda da atividade econômica substituída por diversas atividades, desde lavoura de amendoim até fabricação de tecidos e cerveja.

Para Font, a diversifi cação da economia gradualmente migrou para o centro do poder político, distanciando-se da elite cafeeira tradicional, ameaçando a viabilidade do coronelismo em São Paulo. Dos municípios do interior, como Barretos e Ribeirão Preto, até a capital do estado, o PRP encontrou apoio em um eleitorado cujos interesses e necessidades eram cada vez mais complexos. O partido respondeu com o afastamento gradual do apoio consistente às políticas pró-café, como subsidiar a imigração e manter o preço do café.

Em 1919, as diferenças entre os fazendeiros haviam-se aprofundado o sufi ciente para inspirar alguns a formarem novas organizações coletivas. Ao passo que a Sociedade Paulista de Agricultura (SPA) havia servido como um advogado efi ciente para os fazendeiros desde 1902, com muitos de seus membros servindo o governo, alguns dos “mais prestigiosos e ricos fazendeiros paulistas” vieram a acreditar que ela não mais representava seus interesses e, em 1919, fundaram a Sociedade Rural Brasileira (SRB). Em 1921, a SRB era “a campeã dos interesses dos grandes proprietários de terra” tanto no estado quanto no país; em 1930 a SRB tornou-se a única organização de lobistas dos fazendeiros. Para desafi ar o PRP localmente, os fazendeiros em oposição organizaram partidos políticos em seus muni- cípios. Esses grupos díspares e opositores fi nalmente uniram-se no Partido Democrático (PD), o primeiro a desafi ar o Partido Republicano. Formado em 1926, o PD foi criado primeiro para se opor às aspirações presidenciais do senador Washington Luís Pereira de Souza, um político oriundo das elites de São Paulo, que desenvolveu sua carreira política no PRP.

Como a mudança, identifi cada por Font, havia fraturado o poder oligár- quico e estimulado o confl ito político, os trabalhadores rurais tornaram-se objeto de manobra política pela primeira vez. Washington Luís provou ser uma fi gura que servia de pivô. Font descreve-o como o típico “novo coronel” do período. Como os coronéis tradicionais, os novos tinham autoridade considerável, mas deles diferiam por terem poucas ligações diretas com a agricultura. O próprio Washington Luís era advogado, cuja única carreira tinha sido a política. Ele tentou equilibrar os interesses dos fazendeiros do

Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de confl itos ao longo da história

café com os daqueles ligados à crescente diversidade de atividades econô- micas. O Patronato Agrícola, criado durante a gestão dele como secretário de Justiça (1906-1912), foi uma dessas medidas. Freqüentemente notado por suas políticas repressivas, Washington Luís foi também um dos primeiros políticos importantes a concorrer pelos votos dos imigrantes, promovendo sua incorporação política.

Aparentemente, Washington Luís apoiava a visão modernista de que a urna era um meio efi ciente para suprimir políticas radicais. Contra os pro- testos de alguns fazendeiros de café, o secretário de Justiça regulamentou que todos os imigrantes que casassem com brasileiros, tendo fi lhos nas- cidos no Brasil, ou que fossem donos de terra, deveriam ser considerados brasileiros e, portanto, possuidores dos direitos dos cidadãos natos. O rei do café de Ribeirão Preto, Francisco Schmidt, leal ao PRP, usou dessa lei para registrar o voto de 437 colonos nascidos no exterior que trabalhavam em sua propriedade – ação que foi desafi ada, sem sucesso, pelo grupo da frente antiimigrante da SRB, a Liga Nacionalista, em 1920.

Também como governador do estado de São Paulo de 1920 a 1924, Wash ington Luís ajudou na quebra das fazendas inefi cientes, no crescimento de fazendas menores e na diversifi cação do cultivo. Ele também ampliou a efi cácia do Patronato Agrícola, com o aumento do pessoal, profi ssiona- lizando o Judiciário (utilizando sua autoridade de fato para indicar juízes locais fora do alcance dos coronéis), instituiu um sistema de tribunais de trabalho rural e tomou posse de todas as terras sem dono (alienando, mais uma vez, os fazendeiros, que reclamavam muitas dessas terras). Eleito pre- sidente da República em 1926, Washington Luís continuou a agir de modo que exacerbasse a fragmentação da oligarquia cafeeira paulista.

A “elite cafeeira” não é facilmente defi nida. Font refere-se ao grupo cada vez mais alienado de fazendeiros de café que se organizou em torno do PRP como o “Café Grande”. Muitos indivíduos mencionados eram donos de fazendas com enormes cafezais, que possuíam de meio milhão até mais de 10 milhões de pés de café em produção. Usando o tamanho como critério principal, Font contrasta esse grupo com os imigrantes que formaram pequenas e médias fazendas, com algo em torno de 5 a 100 mil pés. Para Font, o grupo do Café Grande era veementemente nacionalista, e ocasionalmente antiimigrante.

No entanto, o grupo cafeicultor de oposição não é bem entendido como “tradicional” também, pois entre eles havia alguns da elite mais empreende- dora e inovadora de São Paulo, incluindo Antônio Prado e Júlio de Mesquita Filho. Ambos eram fazendeiros, mas Prado também possuía fábricas, e Mesquita havia sido educado na Europa e era o editor do infl uente jornal diário O Estado de S. Paulo. No fi m, a principal diferença entre os cafeicul- tores na oposição e os que compreendiam o partido do governo (situação) era o compromisso anterior com o futuro da agricultura e a tardia ligação

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com a industrialização. Para o Café Grande, a agricultura era vista como a “vocação natural” do Brasil, ao passo que a indústria era uma busca arti- fi cial. Para a oposição, a cafeicultura só serviu enquanto contribuiu para o desenvolvimento capitalista do país, no setor agrícola e no setor industrial.

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