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A PRISÃO DO “CAPITÃO CARLOS” E O FIM DA REVOLTA ARMADA

Com o desenvolvimento e a ampliação da luta armada, o Estado mobilizou um grande efetivo de homens para combater a resistência. O Exército, a Força Pública e o DOPS agiram fortemente, a fi m de prender os posseiros e desmobilizar os grupos armados. No entanto, o movimento começou a ser desestruturado na cidade de Londrina. No dia 17 de junho de 1951, a polícia e os agentes do DOPS localizaram uma reunião da direção do PCB, que discutia exatamente a revolta de Porecatu e, numa ação bem-sucedida, acabaram prendendo todos os dirigentes do PCB da cidade e alguns mem- bros do comando da revolta.

A prisão dos dirigentes do PCB em Londrina foi encarada pelo DOPS como o primeiro passo para desmontar a revolta armada dos posseiros de Porecatu. Com a abertura do inquérito e o recolhimento daqueles militan- tes atrás das grades – escreveu o delegado do DOPS, Eduardo Louzadas da Rocha – “foi possível dedicar especial carinho à outra parte do problema, que era o que se poderia dizer o aspecto de execução, constituído pelos

bandos armados de Porecatu”.44

Na ação policial do dia 17 de junho, realizada na cidade de Londrina, foram presas mais duas pessoas, que até aquele momento eram desconhe- cidas pelos agentes do DOPS. Tratava-se de Alberto Manoel, “elemento perigoso”, e de Pedro Ferreira da Silva, posteriormente identifi cado como Celso Cabral de Melo, “um dos principais elementos da ação criminosa”. Os dois desconhecidos do DOPS foram enquadrados em um Inquérito Policial específi co, já que ambos, por estarem mais ligados à ação local na fl oresta, “foram reservados para o inquérito em torno dos fatos que propriamente

constituíram atividades a serem julgadas na Comarca de Porecatu”.45

As prisões de Londrina tiveram um natural refl exo nas atividades da revolta armada em andamento na região de Porecatu, principalmente no moral dos componentes dos grupos armados, não tanto, obviamente, pela prisão dos dirigentes do PCB de Londrina, já que não tinham uma aproxi- mação mais direta com os posseiros, mas sobretudo pela prisão inesperada de Celso Cabral de Melo, ex-dirigente nacional do PCB e especialmente enviado pelo Partido para aquela região. Celso Cabral era o homem do Partido encarregado de dar direção política e organizar os grupos armados. A sua prisão, de certa forma, acarretou alguma desorientação nesse sentido. Não que os posseiros não tivessem outras lideranças. Elas existiam e tinham um poder fundamental no processo de luta, já que eram forjadas entre os

44 Arquivo Público do Paraná. Fundo DOPS. O caso de Porecatu. Relatório apresentado ao

coronel Albino Silva, Pasta 427/188.

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próprios posseiros, como são os casos de “Itagiba” (Hilário Gonçalves Pinha) e “Strogoff” (Arildo Gajardoni), que na hierarquia da revolta vinham abaixo apenas do “capitão Carlos”. No entanto, nem “Itagiba” nem “Strogoff” ti- nham a mesma autonomia de “Carlos”, além de ele ser o homem de ligação entre os posseiros armados e a direção do Partido Comunista.

Mas o que provocou maior estrago nas atividades dos posseiros com certeza foi a atitude do “capitão Carlos” depois de sua prisão. Em seus depoimentos à polícia, ele “abriu a boca”, informando todas as ações pro- gramadas, a quantidade de armas, o pessoal rebelado dentro das matas, facilitando a ação da polícia no desbaratamento da revolta armada.

As prisões dos dirigentes do Comitê do PCB em Londrina e de Celso Cabral de Melo, aliadas à ampliação do número de soldados do Exército e da Polícia Militar do estado, provocaram um refl uxo quase que imediato no movimento. Muitos dos posseiros que integravam os grupos armados aca- baram abandonando o movimento e, alguns deles, tornaram-se informantes dos agentes do DOPS que avaliava que os posseiros, por serem “roceiros simples, analfabetos e desorientados”, integravam os grupos armados apenas porque o PCB os haviam recrutado por meio das “mais falaciosas promessas”. E nesse sentido deveriam realizar um trabalho contrário de “catequese”, visando a reduzir os grupos armados apenas às “proporções restritas, representada pelo pequeno número dos que se entregavam, por

convicção comunista, às atividades subversivas que o grupo desenvolvia”.46

No fi m de julho de 1951 já não havia posseiros com armas na mão. Muitos foram presos, outros fi zeram acordos com os grileiros e outros, ainda, saíram da região, para se dedicar à militância clandestina no PCB.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O movimento dos camponeses de Porecatu permite-nos repensar a atuação da esquerda no campo, sobretudo a atuação do PCB. Vimos que a atuação desse partido, no início da década de 1950, foi motivada pela nova linha política formulada pelos manifestos de janeiro de 1948 e agosto de 1950. É verdade que essa linha política teve, internamente, várias resistências. A militância, e algumas lideranças, principalmente a sindical, faziam dupla atuação. Ora acatando, ora não, a linha política do Partido. No caso aqui estudado não foi o partido quem determinou, por exemplo, a recorrência à luta armada, embora os documentos apontassem para isso. Quando o Partido chegou à região, a intenção pela luta armada já era uma realidade manifesta. Mas, sem dúvida, essa nova linha política possibilitou uma atua- ção mais presente do Partido. Assim sendo, o PCB rapidamente se acoplou

Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de confl itos ao longo da história

ao movimento dos posseiros de Porecatu, à sua auto-organização. O que, aliás, naquele momento, foi visto com “bons olhos” pelos posseiros, como ressaltou em seus depoimentos Hilário Gonçalves Pinha.

E por que não houve resistência à ajuda do PCB? Pode-se inferir que a história desse Partido, sobretudo a experiência acumulada em algumas lutas, urbanas, é verdade, tenha contribuído para isso. O PCB podia fornecer tudo o que os camponeses necessitavam para manter o movimento: armas, alimentos, remédios, roupas, dinheiro. Mas, principalmente, “quadros” profi ssionais. A participação do controverso “capitão Carlos”, de “Macha- do”, de “Ortiz”, de Irineu Luiz de Moraes e de alguns dirigentes do Comitê Central foi excepcional. Portanto, a ajuda era efi caz.

E o próprio PCB encarava aquele movimento como algo prioritário. Estava ali a possibilidade de colocar em prática as idéias e as estratégias elaboradas pelos manifestos, de mostrar a efi cácia de sua linha política. Não é sem sentido que o principal jornal do partido à época – o Voz Operária – manteve no local do confl ito uma equipe de repórteres, desde novembro de 1950 até praticamente o fi m do confl ito, em agosto de 1951, como também não é sem sentido a presença de altos quadros da estrutura do PCB.

Portanto, havia um elo comum entre os posseiros e o PCB, que permitia essa união. Os posseiros precisavam de infra-estrutura para manter a luta, o PCB, de um palco para colocar em prática suas estratégias políticas. Essa combinação permitiu uma aproximação entre eles. Mas foi uma apro- ximação momentânea, conjuntural, pragmática. É bem provável que os posseiros não tivessem consciência do que signifi cava aquela aproximação – embora resolvesse parte de seus problemas –, como é bem provável tam- bém que o PCB soubesse que aquela aproximação poderia se desfazer tão rapidamente como se fez. Essa articulação – PCB/posseiros – mostra uma complexidade sem igual. E como em todo caso complexo as difi culdades para entender alguns acontecimentos é maior do que se imagina. O que nos deixa tranqüilo é que essas lacunas poderão servir de entusiasmo para outros pesquisadores. Algumas dessas difi culdades encontradas podem ser vistas pela conturbada presença de Celso Cabral de Melo, o “capitão Carlos”, no confl ito. Homem de confi ança de Prestes, foi à região para ser o comandante da revolta. Quando caiu nas garras da repressão, denunciou todo o esquema do movimento – Q.G.s, táticas, armamentos existentes, bem como a quantidade de camponeses armados e a maioria de nome deles, o que facilitou sobremaneira o trabalho dos agentes do DOPS, da Polícia Militar e, mais tarde, na fase da condenação, da justiça, na desarticulação do movimento.

Como numa cena de mágica, ele “desapareceu” da cadeia pública de Porecatu em 25 de agosto de 1951. A seu desaparecimento seguiu um grande silêncio, quer no seio da polícia e da justiça, quer no PCB. Poderiam- se aventar algumas hipóteses para a fuga, mas o que mais incomodou os

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posseiros e dirigentes locais do PCB que se manifestaram sobre esse fato foi a desconfi ança de que sua fuga foi facilitada por causa de seu depoimento às autoridades policiais e ao DOPS, delatando o movimento dos posseiros. Tanto que Manoel Jacinto, vereador do PCB em Londrina e dirigente local do Partido, em depoimento realizado em 1983 sobre o assunto, afi rmou que o “capitão Carlos” foi o “cabo Anselmo da revolta de Porecatu”. Há referências de que a direção estadual do PCB solicitou ao Comitê Central a execução de Celso Cabral de Melo, por traição.

Outro silêncio que ainda está para ser investigado é o do Partido Comu- nista. O movimento de Porecatu sempre foi ignorado por este. Pouquíssi- mos são os documentos que tratam do assunto, assim mesmo em citações rápidas. Não foi localizado nenhum relatório crítico sobre o movimento. Nem mesmo os militantes falaram sobre o tema. As exceções são João Saldanha e Manoel Jacinto. E mais recentemente, como foi elucidado nesse texto, Hilário Gonçalves Pinha. Mas dos altos dirigentes o silêncio é total. Não localizamos nenhum texto ou documento escrito por Prestes sobre a revolta. Apolônio de Carvalho, outro que teve participação no movimento, em suas memórias, sequer faz alguma referência. Pensamos que o indicativo desse silêncio foram os acontecimentos que se seguiram ao XX Congresso do PCUS e a publicação da Declaração de Março de 1958, documento que demonstra a nova política adotada pelo PCB a partir dessa ocasião, o qual sintetiza uma proposta de ruptura com o seu passado, isto é, o caminho da luta revolucionária armada é abandonada pelo caminho pacífi co da revolução brasileira. Está aí um campo ainda a ser desbravado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, A. Vale a pena sonhar. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. CEZAR, A. P. Anita. memórias. Londrina: Vale Verde, 1991

FELISMINO, P. T. A guerra de Porecatu: a história do movimento armado pela posse da terra que sacudiu o Norte do Paraná nas décadas de 40 e 50. Folha de Londrina,

14-28 jul.

PELEGRINI, D. Terra vermelha. São Paulo: Moderna, 1998.

VINHAS, M. O partidão. A luta por um partido de massas (1922-1974). São Paulo: Hucitec, 1982.

WELCH, C.; GERALDO, S. Lutas camponesas no interior paulista: memórias de Irineu Luís de Moraes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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ORGANIZAÇÃO

E

LUTA

CAMPONESA

NO SUDOESTE

DO PARANÁ

Lindomar Wessler Boneti

INTRODUÇÃO

E

ste capítulo tem como objetivo analisar a organização social

e produtiva camponesa do Sudoeste do Paraná, particularmente no período que se desenvolveu o processo de ocupação daquela região, no início do século XX até a década de 1960. O foco central da análise diz respeito a algumas particularidades inerentes à organização social e produtiva campo- nesa da região, fazendo que esta assumisse um perfi l peculiar, e o processo de luta de resistência camponesa que se desencadeou nesse contexto.

A primeira peculiaridade da produção camponesa do Sudoeste do Paraná diz respeito a dois momentos históricos da ocupação camponesa, o período cuja produção e convívio social foi caracterizado pelos caboclos, e, no se- gundo momento, aquele caracterizado pela presença dos colonos migrantes do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, com perfi s bem diferenciados. O da produção cabocla começa no início do século XX e se mantém mais ou menos até a década de 1940 e o da produção do migrante se inicia entre as décadas de 1930 e 1940 e se mantém mais ou menos até a década de 1960. Apesar de se constatar, em ambos os momentos históricos, a venda do excedente para o mercado externo e grande diferença do caráter do pro- cesso produtivo entre um e outro momento, o perfi l geral da organização produtiva e social se mantém compatível com o da produção camponesa, conforme Chayanov (1974, p.47) e Schanin (1980, p.50).

No caso da produção camponesa dos migrantes, esta se estruturou graças à ajuda do pequeno comerciante de vila, o que engrandece ainda mais a peculiaridade da produção camponesa daquela região. Ou seja, a princípio parece estranho o comerciante de vila se constituir um importante elemento

Organização e luta camponesa no Sudoeste do Paraná

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da estrutura produtiva camponesa, mas, conforme a análise que se fará no capítulo, a presença do comerciante de vila foi indispensável na estruturação de um sistema social e produtivo tipicamente camponês naquela região.

O segundo aspecto a analisar diz respeito ao momento histórico da chegada do migrante colono na região, justamente o da entrada das relações capitalistas no campo, com o aparecimento da valorização venal da pro- priedade da terra, quando um elemento novo se intromete no contexto da já estruturada organização produtiva camponesa, o capital especulativo da ter ra. É nesse contexto que aparece a luta camponesa, a reação ao peri- go da expropriação da propriedade da terra. Tal especulação da proprieda- de da terra fora exercida por grupos externos, as companhias de terra, com interesses especulativos sobre a propriedade da terra e das riquezas sobre esta, em especial a do pinheiro araucária, criando confl itos com posseiros já assentados na região. A evolução de tais confl itos desencadeou a eclosão de um movimento de âmbito regional conhecido como Levante Armado dos Colonos do Sudoeste do Paraná em 1957. Esse movimento, dadas as circunstâncias a partir das quais eclodiu, é considerado uma manifestação de resistência camponesa.

CARACTERIZAÇÃO DOS GRUPOS SOCIAIS

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