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Com a chegada do “capitão Carlos” na área, os posseiros começaram a apertar o cerco contra grileiros e fazendeiros, com o objetivo de exercer maior controle sobre a região e expandir a luta pela terra. Mesmo antes da chegada de Celso Cabral de Melo na área, Arildo Gajardoni, o “Strogoff” e Hilário Gonçalves Pinha, o “Itagiba”, e seus grupos armados já haviam iniciado uma série de embargos e expulsões de trabalhadores contratados por fazendeiros para realizar tarefas de derrubada de mato e plantio de café. Alguns casos são signifi cativos.

No dia 28 de dezembro de 1950, um grupo de dez posseiros, entre eles Lázaro Bueno de Camargo, o “Lazão”, seus dois fi lhos “Dito” e “Bororó”, João Pernambucano, André Rojo, conhecido como “Panchito”, Inocêncio Ferreira Belém, Miguel Gajardoni, Orozimbo Vieira de Moraes e outro posseiro conhecido por Jordão, todos liderados por “Strogoff”, ameaçaram e expulsaram José Verone, que estava ocupando a área de terras dos quatro posseiros mortos nos confl itos de 10 de outubro de 1950.

Na tarde desse mesmo dia, “Strogoff” enviou um emissário à procura de José Billar, convencendo-o a retornar sua posse, por entender que a volta dele a sua antiga posse seria um importante exemplo de resistência para os outros posseiros, já que eles a haviam abandonado depois dos confl itos de outubro e se refugiado na fl oresta.

No dia 13 de fevereiro o grupo de “Strogoff” invadiu a Fazenda Cen- tenário, de Neccar Accorsi, expulsando a família de Geraldo Felipe, que trabalhava numa empreitada de derrubada de mato. No dia seguinte, dois grupos armados cercaram o canteiro de obras do porto de Itaparica, no rio Paranapanema, e expulsaram todos os trabalhadores do lugar. Na mesma tarde os grupos entrincheiram a estrada que liga Porecatu a Centenário, conhecida como Paralelo 38, impedindo o tráfego de veículos e caminhões

da Prefeitura.37

A luta começa a se ampliar e ganhar novo alento. Nesse período, os trabalhadores assalariados das fazendas Santa Lina, Santa Maria, Santa Terezinha, Flama, Quem Sabe, Palmeira e Centenário decidem entrar em greve reivindicando melhores salários, o que demonstra, de certa maneira, que a luta na região era mais ampla do que apenas a conquista da terra. E, de certa forma, expõe o trabalho que o PCB vinha desenvolvendo no campo, que, de um lado, trabalhava com as possibilidades da luta armada e, de outro, na organização associativa e sindical. Os doze mandamentos dos posseiros de Porecatu eram um sinal disso. Articulavam as reivindica- ções pela terra, mas também por melhores salários e condições de trabalho.

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1. entrega imediata das posses a seus primitivos ocupantes e entrega, também imediata, dos títulos. Distribuição das terras griladas, das chamadas “fazendas” e das terras devolutas aos camponeses pobres;

2. indenização pelo justo valor aos posseantes;

3. anulação de qualquer processo ou perseguição contra posseiros e trabalhadores; 4. remoção da polícia e prisão dos jagunços dos municípios de Porecatu, Jaguapitã

e Arapongas;

5. punição dos assassinos e mandantes dos massacres dos posseantes, entre os quais o sr. Lunardelli;

6. eleição de uma comissão de posseantes para nova divisão das terras; 7. reconhecimento dos direitos dos trabalhadores do campo;

8. Cr$ 3.000,00 pelo trato de mil pés de café, com direito à planta – Cr$ 40,00 por saco de 110 litros de café colhido;

9. pagamento em dinheiro todas as quinzenas;

10. Cr$ 50,00 livre, por dia de 8 horas de trabalho para os volantes e colonos; 11. pagamento das férias, inclusive as atrasadas;

12. para a formação de 10 mil pés de café, pagamento de Cr$ 3.000,00 com direito de colheita até o quinto ano.38

A chegada defi nitiva do “capitão Carlos”, no fi m de fevereiro de 1951, para comandar as operações políticas e armadas do confl ito, ocorreu em um momento em que o PCB havia defi nido ampliar a luta pela terra na região. Foi então montado um acampamento militar nas imediações da posse dos Billar, conforme acordo estabelecido com o chefe do clã, José Billar, quando de seu retorno à posse. Sob uma barraca de lona eram discutidas as estratégias de resistência, as táticas de luta, a defi nição dos ataques e o plano de ampliação dos grupos.

Na tarefa de ampliar os grupos armados, os líderes do movimento insti- tuíram o mutirão, que em pouco tempo começou a dar resultados práticos. Tratava-se de reunir o maior número de trabalhadores possível em uma posse para realizar os serviços necessários, como capinar, colher café, fazer uma cerca ou até mesmo derrubar o mato. Sempre no fi m da tarde eram realizadas reuniões para discutir o movimento e conscientizar os trabalha- dores da importância da participação e engajamento na resistência armada contra os grileiros e fazendeiros, ou “tatuíras”, como diziam os jornais do

PCB, editado nesse período.39

Exemplo bastante signifi cativo desse tipo de ação é o caso do posseiro João Leite. Na noite do dia 3 de maio de 1951, puxado pela mão de seu vizinho, Eugênio, decide participar de uma reunião na casa de José Ribeiro, o “Zé-sem-medo”, que tinha posse na Fazenda Umuarama. Nesse encontro,

38 Os posseiros e seus doze mandamentos. Porecatu, 23 abr. 1951. Arquivo Público do Paraná.

Fundo DOPS, Pasta 427/188.

39 Voz Operária. Várias edições dos meses de out., nov. e dez. de 1950 e de jan., fev., mar., abr.

Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de confl itos ao longo da história

onde participaram mais ou menos vinte posseiros, “Strogoff” e o “capitão Carlos” convenceram João Leite a participar de um mutirão na posse de José Billar. Era por meio desse trabalho que o PCB procurava conscientizar os novos membros do movimento da necessidade da luta. Seis dias depois, em 9 de maio, João Leite recebia de “Strogoff” uma carabina e um embornal de munição e se integrava ao grupo armado baseado na posse dos irmãos “Quiabo”, sob a liderança de “Itagiba”. Nesse mesmo dia ele participou de um embargo na Fazenda Palmeira, do grileiro Antônio Ângelo, impedindo que trinta trabalhadores continuassem a derrubada de mata virgem.

Outro exemplo é o caso do posseiro Miguel Roque Alves. No dia 10 de maio de 1951, convencido pelo seu vizinho Manoel Ferreira da Silva, que apenas há cinco dias havia aderido ao movimento, decidiu participar dos mutirões e integrar um dos grupos armados. Miguel levou com ele o irmão Lucindo Roque de Carvalho e o vizinho João Roberto. À tarde, ambos já estavam participando de ações de embargo contra trabalhadores contratados por grileiros.

O mês de maio foi especialmente intenso para os grupos armados. No dia 23 eles se uniram para uma ação conjunta na Fazenda Palmeira. Ali pren- deram o empreiteiro Otávio Cuocolo e mais dezoito trabalhadores, levados para o interior da fl oresta, onde permaneceram até o anoitecer, quando foram soltos. O feitor dos trabalhadores, Sérgio Rodrigues, ao ensaiar uma resistência, quase foi morto. Durante o tempo que mantiveram os dezoito trabalhadores sob custódia, “Strogoff” e “Itagiba” tentaram conscientizá-los da luta que estavam empreendendo. Discurso em vão, não conseguiram arregimentar nenhum trabalhador. No dia 26, novamente em conjunto, os grupos armados invadiram a Fazenda Centenário, impedindo que outros

trinta trabalhadores continuassem a derrubada da mata.40

Com mobilidade operacional efi ciente, os grupos não paravam de exercer a “limpeza” da área, expulsando administradores, jagunços e trabalhadores contratados por grileiros. José Carlos Nogueira da Costa, fi lho do adminis- trador da Fazenda Tabapuã na época dos confl itos, lembra que os posseiros se valiam de um método infalível para amedrontar as famílias, sobretudo as mulheres dos trabalhadores contratados.

À noite, escondidos no mato, ocupavam-se em furar os baldes dos poços d’água com certeiros tiros de carabina. Era um suplício. Os disparos provocavam um barulho infernal, disseminando o medo e obrigavam as mulheres a incômodas e enervantes tarefas de tapar os furos feitos à bala.41

40 A reconstrução desses episódios foi possível a partir das seguintes fontes: Arquivo Público

do Paraná. Fundo DOPS, Pasta 427/188. Folha de Londrina, 14-28 jul. 1985, e Voz Operária, mar-jun. 1951.

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José Carlos Nogueira da Costa comenta um desses ataques de posseiros e o que isso representou para a sua família. Diz ele:

Foi um inferno. Não passava das dez e meia da noite do dia 28 de maio de 1951, quando as carabinas começaram a cuspir balas de dentro da mata escura. Alguém teve o cuidado de contar depois: foram mais de trezentos tiros que vararam, sem difi culdades, as frágeis paredes de madeira da pequena casa.42

José Carlos morava em uma pequena casa de madeira com seu pai, Joaquim Costa, administrador da fazenda, sua mãe Idalina, as irmãs Nair, Nadir e Luzia, além de duas primas, Lola e Nelci. Todos se preparavam para dormir (com exceção de seu pai, que estava viajando) quando foram surpreendidos pelos tiros dos posseiros, recorda-se José Carlos.

Ao bater na madeira, as balas provocavam estalos estranhos, bem esquisitos. Todos deitaram-se no assoalho, mas as mulheres não suportaram fi car em silêncio por muito tempo. O barulho constante e cada vez mais próximo das balas varando a madeira, levou-as ao desespero – e aos gritos. O estampido das armas, porém, mais alto. Os posseiros descarregaram suas carabinas várias vezes, até serem surpreen- didos pela ação de quatro policiais e de um jagunço que dormiam num barracão ao lado da casa e que passaram a revidar os tiros. As carabinas dos posseiros mudaram o alvo e agora sim o combate duraria pelo menos trinta minutos.43

Os policiais e o jagunço a que se refere José Carlos estavam fazendo a segurança da fazenda, já que seu pai, o administrador, encontrava-se em viagem para o estado de São Paulo, na casa dos proprietários. O próprio José Carlos relembra a importância da permanência de policiais e jagunços na guarda da propriedade, enfatizando que se não fosse a reação deles, “os posseiros teriam matado minha família”. Nesse embate não houve mortos ou feridos.

Mas o ataque teve um papel decisivo na trajetória da família do admi- nistrador. Dois dias depois, deixaram a propriedade e se transferiram para uma casa em Porecatu. Depois que a família Costa abandonou a Fazenda Tabapuã, os posseiros incendiaram a sede da propriedade, estabelecendo o domínio da área.

Esses fatos demonstram as difi culdades que os posseiros tiveram para limpar essas áreas, como foi demonstrado anteriormente pelas palavras de Hilário Gonçalves Pinha. Mas nada foi mais difícil de ser enfrentado do que as tropas militares e os agentes do DOPS que acorreram à região, sobretudo a partir do mês de maio de 1951.

42 Ibidem.

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A PRISÃO DO “CAPITÃO CARLOS” E O FIM DA

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