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Segundo Pereira e Wagner,16 a origem da Comunidade dos Monges Barbudos

encontra-se inserida à dos demais grupos messiânicos que se formaram no

Brasil.17 Considera-se movimento messiânico aquele comandado por um

líder espiritual, um “messias” que, a partir de suas pregações religiosas, passa a arregimentar grande número de fi éis, numa nova forma de organi- zação popular que foge às regras tradicionais e, por isso, é vista como uma ameaça à ordem constituída.

16 A obra de Pereira e Wagner (1981), publicada nos últimos momentos do regime militar,

retirou do olvido a história do massacre de pacífi cos caboclos e colonos, sacrifi cados para esconjurar fantasmas das elites nacionais e sulinas. Apud MAESTRI, Mário. Os monges barbudos esperam desculpas. Revista crítica de opinião, artes e idéias (www.zonanon.org), agosto de 2000.

17 Pereira de Queiroz (1965) buscou o pensamento clássico de Max Weber para explicar o

conceito de messianismo: “Max Weber, quando tratou dos movimentos messiânicos, partiu da situação da antiga Israel, que lhe forneceu os dados para uma primeira interpretação sociológica do fenômeno. Mostrou que, quanto mais privado o povo judeu da autonomia política, mais fortemente se desenvolveram as esperanças da vinda de um reino messiânico para converter a posição de dependência política em posição de dominador do mundo, pois fora ‘chamado e escolhido por Deus não para uma posição de pária e sim para uma posição de prestígio’” p.127. A temática “messianismo” também seguiu uma leitura de Pereira de Queiroz (1965) e Queiroz (1977).

Monges Barbudos

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Esses movimentos também podem ser classifi cados como de resistên-

cia.18 Eles tiveram importância em diversas regiões do país, como no interior

da Bahia, liderado pelo Conselheiro; em Juazeiro do Ceará, liderado pelo Padre Cícero; no interior de Santa Catarina e Paraná, liderado pelo beato João Maria e, novamente no Ceará, sob o comando do beato José Lourenço. Estes só foram possíveis devido a algumas condições objetivas, como a concentração fundiária, a miséria dos camponeses e a prática do coronelis- mo e, ainda, a condições subjetivas, como a forte religiosidade popular e a ignorância. Os grandes grupos sociais que acreditaram nos “messias” e os seguiram procuravam satisfazer suas necessidades espirituais e, ao mesmo tempo, materiais. Dessa forma, o messianismo tem ligações aproximadas

com o sebastianismo,19 que é um movimento religioso, constituído em torno

de uma fi gura nacional, no sentido de um mito. Certamente, a comunidade dos Monges Barbudos trazia consigo algumas dessas características.

O fanatismo religioso e o misticismo dos líderes e seguidores da seita delimitavam as regras rígidas e claras do que fazia bem ou mal para sua vida. A origem do misticismo da Comunidade dos Monges Barbudos deu-se em decorrência do entrelaçamento da religiosidade popular, desde a mística indígena, até o catolicismo do imigrante. Já o fanatismo religioso dá-se, na maioria das vezes, pelo esquecimento, por parte do Estado, de tudo o que se refere à assistência social (educação, saúde, desenvolvimento político e econômico), fazendo que o povo, por seus próprios meios, procure resolver os seus problemas de maneira alternativa.

Rui Facó (1965) confi rma essa problemática:

Acreditamos, ao contrário, que os fenômenos de misticismo e messianismo, que se convencionou chamar de fanatismo, disseminados pelos sertões em nosso passado ainda recente, têm um fundo perfeitamente material e servem apenas de cobertura a este fundo. É a sua exteriorização. Em populações submetidas à mais ignominiosa

18 A obra de Bobbio (2000), p.253, Teoria geral da política: a fi losofi a política e as lições dos

clássicos, no subtítulo “A resistência à opressão hoje” trata da importância e atualidade do conceito resistência. Diz Bobbio: “Sem dúvida o velho problema da resistência à opressão voltou a ser atual com a geral e imprevista explosão do movimento de ‘contestação’”.

19 No sentido simbólico, D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D.

Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico (como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica), mas em que não é absurdo confi ar. D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos da noite onde viveu a nacionalidade. O cavalo branco tem mais difícil interpretação. Pode ser Sagitário, signo do zodíaco, e conviria, em tal caso, perceber o que a referência indica, perguntando, por exemplo, se há referência à Espanha (de quem, segundo os astrólogos, Sagitário é signo regente), ou se há referência a qualquer trânsito de planeta no signo de Sagitário. Apud Fernando Pessoa. Sebastianismo e V Império, Excertos de Fernando Pessoa. Dis- ponível em <http://www.browser.pt/Astrologia/portugal/vimprio.htm>, acesso em março de 2000. A temática “sebastianismo” segue a fundamentação teórica de Delumeau (1996).

Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de confl itos ao longo da história

exploração e mergulhados no mais completo atraso, sob todos os aspectos, a razão estava obscurecida e transbordavam aos sentimentos em estado de superexcitação. ... Ao elaborarem variantes do cristianismo, as populações oprimidas do sertão separavam-se ideologicamente das classes e grupos que as dominavam, procurando suas próprias vias de libertação. As classes dominantes por sua vez tentando justifi - car seu esmagamento pelas armas – e o fi zeram sempre – apresentavam-nos como fanáticos, isto é, insubmissos religiosos extremados e agressivos.20

No caso em análise, não fora diferente. As forças das classes dominantes, representadas por polícia, bodegueiros, latifundiários e colonos, fortemente armados, não demoraram a atuar sobre os ditos “fanáticos”, sendo a der- rota inevitável, numa luta impregnada de homicídios, suicídios e estupros.

A ORIGEM DA COMUNIDADE DOS

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