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4 ASPECTOS DA ATUAÇÃO DA EMPRESA FASA ENTRE 1958 E 1966 E A DINÂMICA DO PARCELAMENTO DO SOLO NO PERÍODO

4.3 A “Política de Desenvolvimento do Recife Metropolitano” (1962)

O Plano de Desenvolvimento para o Recife Metropolitano foi realizado na gestão do Prefeito Miguel Arraes (1960-1962), embora estivesse no poder, em nível estadual, seu cunhado, o governador Cid Feijó Sampaio, que apoiara sua candidatura à Prefeitura. Porém, o então governador rompeu laços com Arraes por este apresentar diferenças políticas (CARMO ANDRADE, 2009). Muito provavelmente, foram tais diferenças que tiveram reflexo na elaboração da referida Política.

Para contextualizar, em nível da administração Federal, em 1961, assumira o poder o Presidente Jânio Quadros que buscava se equilibrar entre interesses “antagônicos”: ao mesmo tempo em que aderia à Aliança para o Progresso – estratégia norte-americana, do Presidente Kennedy, que procurava instalar companhias daquele país no Brasil, com a finalidade de investimentos –, por outro lado, Jânio procurava apoiar Cuba e China (LOPEZ, 1997c), países com sistema econômico que se contrapunha, pelo menos teoricamente, ao capitalismo. As medidas de Jânio tiveram rebatimentos negativos para a questão social, como acontecera já no final do Governo JK, o que provocou reação tanto de empresários como de setores sociais pobres.

Em nível regional e estadual (Nordeste e Pernambuco, por exemplo), a questão agrária, já há algum tempo, mostrava-se como um agravamento às condições do homem do campo e isto trazia consequências tanto para o abastecimento das grandes cidades (ANDRADE, 1998) como para o crescimento do quantitativo demográfico de algumas delas como a do Recife, por meio de migrações tanto de outros “quadros urbanos”, como do campo (OSÓRIO DE ANDRADE, 1979).

A situação de atraso da Região Nordeste, em relação a outras congêneres brasileiras, motivara a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), no final dos anos 1950, cujo surgimento se deu em hora oportuna para que a superintendência coordenasse as verbas e

salvasse o Nordeste do subdesenvolvimento, que era pior do que a seca, considerou Andrade (1998).

Constata-se, portanto, que a ausência de políticas sociais, que tivessem consequências positivas para o nível regional, provocou e continuava estimulando a expansão física do Recife, cuja parcela de migrantes atingia outros territórios municipais como o de Olinda.

Foi com base nesse contexto social, político e econômico que se elaborou um trabalho intitulado “Política de Desenvolvimento do Recife Metropolitano”, realizado por dezenas de pessoas que compuseram um corpo técnico para analisar questões que se colocavam à administração municipal do Recife, no início da década de 1960.

Além da equipe de direção que contou, dentre outros, com a participação do professor Antonio Bezerra Baltar e do arquiteto Harry James Cole, outras duas equipes foram estabelecidas, uma de assessoramento e outra de pesquisas e elaboração. Esta contou com inúmeros profissionais: agrônomos, arquitetos, dentista, economistas, educador, engenheiros, estatísticos, médicos, sociólogo, geógrafos etc. Dentre os últimos profissionais citados, se encontrava o professor Pedro Geiger.

O número de profissionais envolvidos revela a dimensão de um estudo vasto que resultaria no referido documento considerado como “mais do que um trabalho específico sobre as questões particulares do Grande Recife. Trata-se, em verdade, de um amplo estudo cobrindo todo o conjunto de inter-relações entre esse aglomerado humano e a periferia na dimensão do Estado (Pernambuco) ou mesmo da região (Nordeste).” (PREFEITURA DO RECIFE, 1962).

Vale a pena enfatizar que o conteúdo do plano foi distribuído em três volumes. O primeiro englobou os capítulos 1 (problemática econômica e social do Recife) e 2 (princípios norteadores da política de desenvolvimento baseada em planejamento demográfico); o segundo, o capítulo 3 (linhas gerais de ação para o desenvolvimento); e, o último volume traz o capítulo 4 (linhas específicas de ação e desenvolvimento). Deste modo, cada capítulo se compôs por diversos itens, tratando de temas variados.

A leitura do documento provoca, inicialmente, uma curiosidade por conter uma abordagem que vai de encontro a interesses da classe dominante, pois estava, sua confecção, atrelada a uma instituição pública. Mas, quando o leitor se detém no contexto da época e da ideologia do corpo que o produziu, prontamente passa a entender suas razões.

Logo no início do primeiro item do capítulo 1, do volume 1, o documento declara que “o cortejo de misérias sociais que enluta Recife tem sua origem última na base econômica pouco produtiva e praticamente estagnada do complexo regional em que está situado.” (PREFEITURA DO RECIFE, 1962, v.1, p.3). Ainda no capítulo, foram tecidas críticas ao modelo de economia,

denunciando que os males do Recife eram consequência da estrutura agrária, marcada pela concentração da terra, nas mãos dos latifundiários, apropriada indevidamente, o que trazia um entrave ao desenvolvimento.

O atraso e a miséria – expõe o documento –, contrastava “com a abundância de recursos humanos e materiais que não foram convertidos em base de um rápido progresso econômico e social pela manifesta oposição da ordem latifundiária-capitalista-monopolista reinante quase absoluta” (p.47). Após esse primeiro capítulo que enfatizou acerca da “problemática econômica e social do Recife como polo de região subdesenvolvida”, parte-se para a observação dos “princípios norteadores da política de desenvolvimento baseada em planejamento demográfico”, como uma proposta para o segundo capítulo. Neste, são observadas as funções metropolitanas da capital pernambucana no desenvolvimento regional, faz-se uma crítica aos modelos de desenvolvimento, bem como são enfocados os princípios norteadores da política de desenvolvimento, seus objetivos e diretrizes, tratando, ainda, da metodologia do planejamento, da intervenção estatal e dos instrumentos de ação.

Para finalizar o volume 1, são consideradas duas premissas imprescindíveis: aquela de governos da confiança do povo e a participação deste na política e ação do desenvolvimento, levando a ponderar que “a tomada de consciência das categorias mais representativas da população é a força dinâmica por excelência para fazer desaparecer os males do subdesenvolvimento.” (p.124). No volume 2, são consideradas linhas gerais de ação para o desenvolvimento, discutindo, deste modo, uma política agrária progressista, reforma radical da agroindústria canavieira, política de industrialização, serviços infraestruturais, bem como política de abastecimento alimentar.

No volume 3, são abordadas as linhas específicas de ação para o desenvolvimento trazendo, inicialmente, questões sobre o planejamento físico. Este, “integrado na perspectiva mais ampla da programação global, completa e dá sentido material e concreto ao planejamento econômico e político-administrativo que se faz aos níveis de país, de região e de cidade ou de estabelecimento rural.” (PREFEITURA DO RECIFE, 1962, v.3, p.1).

O documento considerou que o crescimento do Recife se deu de forma rápida e violenta, a partir da segunda metade da década de 1940, tendo uma característica de descontrole e caos, por grupos humanos provenientes do interior. Foi esta a razão que levou Vasconcelos (2002) a declarar que Recife e Fortaleza contaram com um maior quantitativo de migrantes regionais, em relação a Salvador, o que as fez ser mais “nordestinas” do que a capital soteropolitana.

Quanto ao uso da terra, acatava-se que seu controle era um dos aspectos mais importantes no conceito de planejamento, naquele momento. No tocante às atividades industriais, afirma-se que as alterações das zonas de então favoreceriam a expansão das zonas residencial e comercial da cidade.

Já se cogitava, dentre as formas de atacar a questão habitacional, a criação de uma companhia de urbanização e habitação popular que atendesse às necessidades das áreas subnormais do Recife.

Discute-se, dentre outras coisas, o saneamento básico, o sistema viário e a pavimentação. Inclusive são destacadas as vias perimetrais e uma ligação Fundão-Peixinhos. Também foi discutida a questão dos transportes coletivos urbanos, destacando-se, ainda, o serviço telefônico, educação e cultura.

Em 1962, Miguel Arraes foi eleito governador de Pernambuco, mas foi deposto em 1º de abril de 1964, quando do golpe militar, em nível nacional. Deste modo, este plano, em nível municipal, mas que, consequentemente, afetaria a dinâmica de outros municípios da futura RMR – pois legaria pontos positivos, quanto à questão social, em nível metropolitano –, foi inviabilizado pelo choque de interesses que causaria.