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O destaque das propriedades fundiárias e a origem e evolução do espaço urbano de Olinda no período Colonial

2 O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL DO NÚCLEO URBANO DE OLINDA E PARTICULARIDADES DE PROPRIEDADES FUNDIÁRIAS: BREVES REFLEXÕES

2.1 O destaque das propriedades fundiárias e a origem e evolução do espaço urbano de Olinda no período Colonial

As bases da constituição da estrutura fundiária, no território municipal de Olinda, ocorreram nos primórdios da colonização portuguesa, no momento da constituição da Capitania de Pernambuco (1534) e a chegada do primeiro donatário, Duarte Coelho Pereira (1535), quando constituiu as primeiras propriedades, por doação, após a fundação da Vila de Olinda, na mesma década de 1530.

A história do núcleo urbano de Olinda inicia-se pela escolha de sua localização, correspondendo a uma prática de seletividade espacial necessária àquele momento. Para Andrade (1997), Olinda era uma cidade em acrópole, devido à necessidade de sua defesa, pois, havia sempre ameaças de ataque de indígenas e, ficava mais distante do porto, o Recife, para se proteger das investidas de piratas.

Segundo Vasconcelos (2004a), o desenvolvimento desse núcleo, bem como o de sua região, foi uma consequência positiva dos investimentos dos primeiros donatários. Ao discutir a questão de diferenciação entre vilas e cidades, Abreu (1997, p.214), apontando, aí, um “caráter jurisdicional e não hierárquico”, destacou Olinda e São Paulo como “núcleos de indiscutível importância nos primórdios da colonização”.

As doações de terras que o donatário passou a realizar, a partir da sede da capitania, era em forma de sesmarias urbanas e rurais. De acordo com Nozoe (2006), no transcorrer do período Colonial brasileiro a legislação fundiária foi expedida descontinuamente, por meio de avisos, resoluções administrativas, cartas de doação, forais, bem como textos de Ordenações, portanto, de forma fragmentada, resultando em revogação ou reafirmação, através dos tempos.

As sesmarias urbanas originaram o desenvolvimento territorial da Vila de Olinda que teve como primeiro desenho a via situada em uma colina que permitia o acesso a dois estabelecimentos religiosos – a Igreja Matriz do Salvador e a Igreja (e Hospital) da Santa Casa de Misericórdia, localizados nas extremidades da mesma. A Figura 5 localiza a primeira via de Olinda, a Rua dos Nobres, bem como algumas edificações, na primeira metade do século XVI.

Acredita-se que as “sesmarias de chãos" correspondentes ao solo doado aos habitantes dos núcleos urbanos, para edificações de casas e quintais, conforme destacou Abreu (1997), tenham relação, em Olinda, com o estabelecimento do Foral (Carta de Doação), ao indicar que “os assentos” – aqueles da primeira colina a incorporar o processo de ocupação –, bem como suas “fraldas”, seriam para “casarias e vivendas” dos “moradores e povoadores”.

Os parcelamentos ocorridos, durante a constituição do núcleo urbano, pelo menos durante o período Colonial, eram realizados à maneira lusoibérica, ou seja, ao longo da rua e por concessão da Câmara, à qual pertenciam as terras. Os lotes possuíam dimensões variadas e ocorriam em função das possibilidades do interesse de cada um, segundo o prestígio, conforme informação verbal do professor José Luiz Mota Menezes.

A Figura 6 expõe uma representação da Vila de Olinda e seu entorno. Segundo Moreira (2006, p. 60), trata-se de “detalhe do „Mapa da costa de Pernambuco com a Vila de Olinda em primeiro plano‟. Roteiro de todos os sinais que há na costa do Brasil, publicado em 1586.” Nessa figura podem ser observadas tanto as residências como as construções religiosas da Vila de Olinda, bem como o porto do Recife.

FIGURA 6: REPRESENTAÇÃO DA VILA DE OLINDA – 1586

FONTE: Moreira (2006).

Constituíram-se, no contexto da Vila de Olinda, propriedades fundiárias, relativamente pequenas, se comparadas às sesmarias rurais, pertencentes a pessoas próximas do donatário (MENEZES, 2007a) como o “Chão de Jerônimo de Albuquerque”, seu cunhado, e o “Mato de Bartolomeu Rodrigues”, cujos indivíduos se destacavam na Capitania, apontando para a determinação de uma política que era executada em detrimento dos não-abastados. Também foram estabelecidas áreas, tais como: o “Rossio”, a “Lombada do Monte”, o “Montinho” e aquela da “Feitoria do senhor governador”. Quanto ao Chão de Jerônimo de Albuquerque, este ocupava grande parte do atual bairro do Carmo, além de porção do Amparo e Varadouro. O Rossio, por sua vez, grosso modo, tinha uma metade no Carmo e outra no Varadouro. O Mato de Bartolomeu Rodrigues se inseriu totalmente em área do atual bairro do Amparo. A Figura 7 identifica essas propriedades fundiárias, no contexto da Vila de Olinda, na primeira metade do século XVI.

Tal privilégio também foi importante na distribuição de sesmarias rurais. Isto revela a opção acatada pelos portugueses, quando estiveram diante de alternativas entre distribuir as terras, envolvendo, também, os colonos pobres, ou doando grandes porções apenas àqueles influentes e ricos que as explorariam com a mão de obra escrava (ANDRADE, 1988). A Figura 8 mostra, no território municipal, porções de sesmarias rurais, na primeira metade do século XVI.

Mas, não foi apenas a pessoas ricas e influentes que lotes de terra foram doados. Também no século XVI, houve doação a instituições religiosas, cujas propriedades se localizaram mais próximas ao mar. Nem todas as áreas, presentes no atual território municipal de Olinda, foram alvo de implantação de sesmarias. “As terras de praia, de margem, de beira-mar, de mangue e de maré, posteriormente denominadas de „terras de marinha‟, não interessavam no início da colonização” (SOUZA, 2002, p.123), devido à questão da agricultura e dos esforços que deveriam ser empregados em sua utilização, no caso de construções residenciais ou comerciais.

Em se tratando do comércio, de acordo com Lubambo (1956), este representou a prova inicial do “desenvolvimento urbano” de Olinda: senhores de engenho eram donos de lojas e mercadores eram possuidores de engenhos. Ao parafrasear o historiador Evaldo Cabral de Mello, Vasconcelos (1997, p.261) expôs que “um senhor de engenho era também grande proprietário de terrenos e casas em Olinda.”

Acerca da “alienação da propriedade territorial”, Abreu (1997, p.220) afirmou que “foi através do sistema sesmarial que se teve acesso legal à terra no Brasil Colônia. Cumpridas as exigências, ficavam os proprietários de terras livres para fazer delas o que bem quisessem.” Possivelmente, estas colocações também façam menção àquelas sesmarias urbanas que, de acordo com Souza (2002, p.122), confeririam, “até o início do século XIX a titularidade sobre as terras das cidades brasileiras” e seguiriam os mesmos critérios das rurais.

Mas, sesmarias rurais se prestavam ao estabelecimento de engenhos e, o primeiro a ser implantado, na Capitania de Pernambuco, foi o denominado de “Nossa Senhora da Ajuda”, pertencente a Jerônimo de Albuquerque, de 1542. Da doação de terras a Diogo Gonçalves, auditor da Capitania, casado com Isabel Fróis, foi fundado, dentre outros, o Engenho Beberibe.

Em menos de quatro décadas, após a implantação do Engenho Nossa Senhora da Ajuda, houve o primeiro desmembramento de suas terras quando Jerônimo de Albuquerque doou parte delas a sua filha, Joana, ao se casar com Álvaro Fragoso, implicando na origem do Engenho Fragoso e respectiva propriedade homônima (ROSAS; BRAINER, 1983).

Se as propriedades localizadas no contexto rural se fragmentavam, também isto ocorria com aquelas situadas no contexto urbano que, devido ao crescimento populacional, o núcleo foi se espraiando e ocupando outras porções da colina, atingindo áreas adjacentes.

No que diz respeito à monumentalidade das construções, Lubambo lembrou que enquanto vilas brasileiras possuíam casas de sapé, em Olinda eram fabricadas e exportadas telhas de barro cozido, apresentando “sólidas casas de pedra e cal”. De acordo com Manguinho (1956), por volta de 1575, a Vila de Olinda possuía setecentas casas de pedra e cal, além de edifícios públicos, bem como igrejas e conventos. Quanto ao aspecto, “as habitações não eram nobres só por fora; era-o, talvez mesmo com mais requintes, por dentro.” (LUBAMBO 1956, p.122). Certamente, até aí, a povoação do Recife não poderia ser equiparada à dinâmica vivenciada em Olinda. Porém, de acordo com Menezes (2007b) houve certo crescimento do Recife, antes mesmo da invasão holandesa – período entre 1609 a 1630 – malgrado os impedimentos da Câmara de Olinda e de El-Rei, apontando que, provavelmente, isto ocorrera devido a se tratar de um porto e do consequente comércio que daí resultou. A Figura 9 revela um momento do evento da invasão holandesa a Pernambuco, em 1630.

FIGURA 9: “ESQUADRÃO NAVAL HOLANDÊS COMANDADO POR HENDRICK CORNELISZOON LONCK, NA INVASÃO DE PERNAMBUCO EM 1630”

FONTE: Esquadrão (2010).

No período holandês (1630-1654), o Engenho N. Sª. da Ajuda já era conhecido como Engenho Velho (ou Forno da Cal), pois, de “fogo morto”, pertencendo, possivelmente com o do Fragoso, à família de Jerônimo Albuquerque. No mesmo período, aparecia como proprietário das terras de Beberibe, Leonardo Fróis, um descendente do casal que fundara o engenho homônimo.

Mas, se houve um motivo, anterior à invasão holandesa, para a estagnação da atividade do primeiro engenho de Pernambuco, com ela, a primeira capital passará por processo semelhante, no que diz respeito, pelo menos, ao ritmo de seu desenvolvimento territorial. A Figura 10 apresenta tal desenvolvimento que o núcleo urbano de Olinda passara, até a chegada dos holandeses.

O período da invasão holandesa acarretará o dinamismo do núcleo do Recife que incorporará processos, permitindo sua expansão. Vale lembrar que o incêndio à Vila de Olinda, em 1631, resultou na transferência de população para o Recife. Ainda sob este domínio, a Figura 11 manifesta a configuração territorial estabelecida no entorno da Vila de Olinda.

Após a expulsão dos holandeses, verifica-se que os religiosos de São Filipe Néri (os Oratorianos) fundaram sua congregação, por volta da década de 1660, instalando-se na propriedade do Forno da Cal que, além de outros bens, receberão, diversas porções de terras, ao longo dos anos.

Enquanto isto, as construções, em torno da Vila de Olinda, vão se expandindo em determinado ritmo que, pelo menos, permite a ocupação de áreas mais próximas à praia e ao rio Beberibe. Estas áreas, no período holandês, apresentavam atividade agrícola e pecuária, povoações de pescadores, entre outras (MENEZES, 1997).

Segundo Andrade (1979), no final da década de 1660, o Governo da Metrópole ordenara que as autoridades voltassem a residir em Olinda, apesar da deficiência vivenciada, no tocante às moradias (quantitativo e qualidade) presentes na então capital. Mesmo denunciando-se “decadente”, após o domínio holandês, Olinda foi elevada à categoria de cidade, em 1676.

No final do século XVII e início do XVIII, a fazenda de Beberibe e o Forno da Cal se encontravam nas mãos do capitão-mor José de Sá e Albuquerque, um dos descendentes de Jerônimo de Albuquerque.

Em 1709, o Recife obtém o título de Vila, desligando-se de Olinda, o que acarretará rivalidades entre os habitantes dos dois núcleos, resultando na Guerra dos Mascates (1710). Com a vitória dos interesses recifenses, o Recife vai consolidando “[...] a sua supremacia sobre a Capitania e depois sobre a Província, enquanto Olinda passou a ter um crescimento mais lento e alguns períodos de estagnação.” (ANDRADE, 1979, p.83).

No que diz respeito às propriedades fundiárias do Forno da Cal e Fragoso, em meados do século XVIII, esta ainda mantinha tal denominação; o Forno da Cal, por sua vez, pertencia aos Jesuítas que, com o processo de expulsão, a partir de 1759, tiveram todos os seus bens confiscados. Com este procedimento, a propriedade Forno da Cal foi vendida em hasta pública. Também, as terras do Rio Doce, se inseriram nesse mesmo processo, em 1765 (ROSAS; BRAINER, 1983).

No ano de 1800, após um período de abandono do Colégio dos Jesuítas (desde 1550), implanta-se o Seminário Diocesano de Olinda e, em suas proximidades, o Jardim Botânico, por volta de 1810.

O viajante inglês, Henry Koster, ao percorrer as ruas da cidade olindense, em 1812, se queixava da situação das vias de Olinda, denunciando que se encontravam “pessimamente calçadas” (KOSTER, 2003).

Observa-se que, com o evento da transferência da Corte portuguesa para o Brasil (1808) e, devido a desdobramentos de algumas questões, decorrerá a Insurreição de 06 de março de 1817, em Pernambuco, contando com a participação de proprietários fundiários que pretendiam derrotar o regime monopolista, mas assegurando a concentração da terra, garantindo os moldes das estruturas sociais de então (CAVALCANTE, 2010). Deste modo, grandes extensões de terras não eram utilizadas e continuavam pertencendo a poucos indivíduos, favorecendo a presença de camponeses sem terra (LOPEZ, 1997a).

Em nível de Pernambuco, em 01/07/1817, assume o governo o general Luís do Rego Barreto que, em seus diversos planos, intentava implantar uma estrada entre Recife e Olinda, estabelecendo- a sobre o istmo, embora, já iniciara a construção de outra via que melhoraria, também, o acesso aos dois núcleos. Mas, se o acesso de Olinda a Recife era precário, a própria cidade olindense demonstrava suas deficiências, no início da década de 1820, quando, em 1821, em uma viagem ao Brasil, Maria Graham narrou, dentre seus escritos, que a cidade de Olinda se encontrava num melancólico estado de ruína (GRAHAM, 1990).

Se o espaço urbano se encontrava nesta circunstância, com rebatimento para a condição de moradia, o rural, sob o regime das sesmarias, se traduzia como possibilidade de pessoas, com menos recursos, se instalarem em áreas de difícil acesso, se tornarem foreiras ou migrarem (ANDRADE, 1995).

No final do período Colonial, já se cogitava nova legislação sobre a sesmaria, como o fez José Bonifácio de Andada e Silva, por meio de um projeto que não foi efetivado porque ia contra o interesse dos sesmeiros ou dos grandes posseiros. Logo após, é que a concessão de sesmaria será suspensa, por meio da Resolução n.º 76, de 17 de julho de 1822, pelo príncipe regente D. Pedro I (CAVALCANTE, 2010).