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O período Imperial: implicações para as questões fundiária e urbana de Olinda

2 O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL DO NÚCLEO URBANO DE OLINDA E PARTICULARIDADES DE PROPRIEDADES FUNDIÁRIAS: BREVES REFLEXÕES

2.2 O período Imperial: implicações para as questões fundiária e urbana de Olinda

O período Imperial se iniciou em 1822. No ano seguinte, a Vila do Recife recebeu o status de cidade e, quatro anos mais tarde, o de capital pernambucana, em detrimento de Olinda.

A Constituição outorgada, de 1824, foi a Carta Magna que regeu o sistema político do período Imperial. Tal documento foi uma Constituição exclusivamente política, por isto, devido ao “sagrado direito da propriedade”, a legislação social foi preterida, para não feri-lo (LOPEZ, 1997a). Isto permite entender a aquisição da propriedade Forno da Cal, em 1826, por um coronel, o Sr. Bento José da Costa, em hasta pública, em vez de ser repassada a trabalhadores da terra que, porventura, exercessem, aí, atividades agrícolas. Após o coronel abandoná-la, a propriedade entrou, mais uma vez, em hasta pública.

Possivelmente, exemplos, no Brasil, como o da destinação da propriedade do Forno da Cal fizeram com que surgisse, em 1828, o projeto do Padre Diogo Feijó, em torno da questão da terra, pretendendo democratizar seu acesso, com intenções que se detivesse ou minimizasse os efeitos da concentração fundiária. Tal como o de José Bonifácio, o projeto de Feijó buscava incitar a imigração, bem como frear o abuso de sesmeiros e grandes posseiros que não praticavam o cultivo (CAVALCANTE, 2010).

Em 1830, aquelas terras adquiridas pela Congregação dos Padres de São Filipe Néri, devido à extinção dessa Ordem, foram incorporadas ao patrimônio da Santa Casa de Misericórdia, passando a instituição a possuir propriedade fundiária, na porção Norte do atual território municipal de Olinda. Em 1831, terras mais próximas à cidade serão alvo de política do Estado quando ocorreu uma regulamentação especial que reuniu ao Patrimônio do Império as terras da costa brasileira, cujo parâmetro se pautava em suas inundações pela preamar média do ano da própria regulamentação (SOUZA, 2002).

Além do projeto irrealizável de Feijó, outras questões surgiram em torno da terra, ainda na primeira metade do século XIX. Neste período, quanto à propriedade do Engenho Fragoso, Rosas e Brainer (1983) acreditam que, de 1824 a 1845, “os proprietários eram frequentemente padrinhos de casamentos e batizados de pessoas livres, possivelmente como troca mútua de interesses: prestígio/respeito, política de favor/elevação do status, etc.” (p. 16).

No período compreendido entre os anos de 1835 e 1842, assumira a presidência da Província de Pernambuco, o Sr. Francisco do Rego Barros – o Conde da Boa Vista. Ao falar do percurso histórico-geográfico “da Cidade Maurícia ao bairro de Santo Antônio”, Gomes (2007) constata que o sistema viário seria o principal foco de sua administração. Esse privilégio concedido às vias estimulou o presidente da província a retomar as antigas obras deixadas por Luís do Rego, cujos trabalhos se iniciaram em 1841, concluindo o primeiro trecho da estrada de terra (Estrada de Olinda), em 1844, ligando o Recife até o atual bairro olindense de Santa Tereza.

Mesmo decadente, Olinda demandava um maior relacionamento com o Recife, pois, nessa época, possuía o Seminário e, ainda, o Curso Jurídico, representando, praticamente, o centro cultural da Província. O trajeto entre elas tardava muito e a nova via permitiria o encurtamento da viagem. Consequentemente, a inauguração, em 1847, de diligências para Olinda, intensificou esse relacionamento e, de fato, a preparou para integrá-la à metrópole que, então, se constituía (ANDRADE, 1979).

Na primeira metade do século XIX, Olinda ocupara uma posição secundária, no circuito centro urbano-arrabalde, relativo a Recife. Mesmo assim, certo fluxo de população era atraído tanto para as terras rurais, nas proximidades do rio Beberibe – prática de banhos –, como para a área

urbana, e Olinda, mesmo com autonomia de município, desempenhava funções de subúrbio (ARAÚJO, 2007). Talvez, alguns integrantes desse fluxo atraído detivessem terras em Olinda.

Foi na metade do século XIX, que o Estado, em formação, passou a fazer uso, no tocante à titulação da terra, da única informação que possibilitaria uma garantia de sua efetiva ocupação, ou seja, recorreu aos registros paroquiais existentes. Esta prática foi decorrente do aparecimento da Lei de Terras, isto é, a Lei n.º 601, de 18 de setembro de 1850, que veio “legitimar a mercantilização da terra como única forma de aquisição, bem como as posses anteriormente existentes” (SUZUKI, 2004, p.136). Para Marx (1999), tal Lei imperial, iniciou a estruturação do sistema de propriedade, conforme se entende atualmente. Anteriormente, ele destacara a desincorporação do rossio e terras com domínio relativo de vários senhorios, atuando sobre “gleba rural” ou “chão urbano”, no século XIX, e isto “foi um dos passos decisivos e dos mais problemáticos por toda parte.” (p.56).

No contexto urbano de Olinda, em 1854, ocorre a transferência do Curso Jurídico para o Recife, instalado, desde 1827. Também, em 12/02/1856, a Câmara Municipal funda o cemitério público, em um extremo da cidade. Em 1859, Olinda recebe a visita do Imperador, Dom Pedro II, momento em que ele sublinhou que ela estava morta como cidade, mas poderia renascer se fosse implantada, dentre outros, uma estrada de ferro entre ela e o Recife (ARAÚJO, 2007).

No entorno da cidade, retornando ao contexto rural, antigas instituições, como, por exemplo, aquela do aforamento, continuaram a existir, mesmo após a Lei de Terras. Deste modo, observam- se táticas envolvendo a municipalidade e o interesse de particulares, como aquela concebida pelo inglês Henry Gibson, em 1859, na propriedade Forno da Cal. Ele enriqueceu com as rendas e expulsou trabalhadores da terra por incidirem em comisso (PREFEITURA DE OLINDA, 1972a).

Por este mesmo período, as terras do Fragoso tinham, como proprietário fundiário, o Barão de Vera Cruz, sendo comercializada, em 1867 e 1881, originando novos proprietários que, possivelmente, agiram, tal como o inglês. De acordo com Souza (2002), instrumentos legais, no século XIX, regulamentando relações de domínio sobre a terra, assinalam uma transição entre a concepção de domínio relativo para a de propriedade absoluta da terra.

Embora não estando nos limites atuais do território municipal de Olinda, constata-se que a municipalidade olindense recebera solicitação para aprovação de loteamentos, já em 1867, como no caso do Beberibe de Baixo – por Senhorinha Germana do Espírito Santo – e Porto da Madeira, localidades pertencentes, hoje, ao município do Recife. Neste, os investimentos em abertura de “estradas regulares” favoreceu “uma nova forma de repartição das terras” de vários sítios, ainda na primeira metade do século XIX, provavelmente, iniciado pelo francês Nicolau Gaudault (ARAÚJO, 2007).

A partir de 24/06/1870, os trens da Companhia de Trilhos Urbanos de Recife a Olinda começaram a funcionar, embora no tráfego provisório (ARAÚJO, 2007). Em 1873, a companhia Trilhos Urbanos do Recife a Olinda e Beberibe, de capitais nacionais, abriu uma nova linha com pouco mais de 10 km de percurso, atendendo a essas localidades (GOMES, 2007). A Figura 12 mostra a situação das vias de conexão entre os dois núcleos urbanos, recifense e olindense, em 1876.

Por meio da cartografia, de 1876, é observado o aspecto da malha viária presente nos atuais territórios municipais do Recife e de Olinda. Constata-se que, mesmo em finais do século XIX, o núcleo urbano olindense praticamente não havia se expandido como ocorrera com o do Recife. Este já demonstrava certa expansão nos sentidos Oeste, Sudeste e Norte, nesse período. O traçado das vias de alguns aglomerados surgidos no território atual do Recife, como se viu na figura 12, denuncia a prática de parcelamento do solo, inclusive de sítios, bem próximos aos limites atuais de Olinda, evidenciando que os processos vivenciados na capital da província – o Recife, desde 1827 – , ao longo da história, fez com que o núcleo urbano inicial olindense ficasse, de certo modo, estagnado, e a ampliação da área urbana no território resultasse da metropolização.

A estagnação de Olinda, no que se refere à expansão física de seu núcleo original, levou autores como Andrade (1979) e Menezes (1997) a admitirem que foi pela prática do veraneio, que a cidade passou a incorporar um “renascimento” e uma “nova vida”, respectivamente. Mas, pode-se perceber que essa prática (ou sua intensificação) foi estimulada devido às melhorias na articulação entre as duas cidades.

Da parte central do mapa ao atual limite do território de Olinda constatam-se vias como a Travessa do Espinheiro, a Estrada dos Aflitos, a do Rosarinho, a do Beberibe, a Nova do Beberibe, a de Belém, a de Olinda, o Caminho das Boiadas, entre outras. De acordo com Pereira da Costa (1983, v.7, p.106) a implantação da Estrada Nova de Beberibe – que partia da Encruzilhada de Belém – foi concluída em 1867, tendo sido iniciada no ano anterior. Essa via se encontra com a Estrada de Beberibe – ou Estrada Velha de Beberibe –, que, ainda segundo o autor, se originava na localidade da Tamarineira e terminava na povoação de Beberibe. Nesta época, a Estrada Velha de Beberibe possuía pontes de madeira sobre os cursos de água como a do riacho Jacaré, a do riacho Água Fria e a do rio Beberibe, na povoação homônima, indicando a existência de moradias na porção Oeste do atual território municipal olindense, estimuladas pelo dinamismo vivenciado no Recife.

Pereira da Costa ainda comentou que de Beberibe se originavam estradas como a de Maricota, a do Cumbe (de 1879), a da ladeira Lavatripas e uma que partia da estação do Porto da Madeira até o povoado homônimo, datada de 1882.

Acredita-se que as vias que aparecem no limite do atual território de Olinda representavam, nesse período, apenas caminhos que articulavam a cidade com outras porções do município. Como já salientado anteriormente, a via que se originava a Noroeste da cidade passava pela sede do antigo Engenho Forno da Cal e, desde o período Colonial, algumas práticas espaciais estabelecidas na área devem ter promovido uma articulação com o Engenho Beberibe e a povoação que aí se constituiu. Desse antigo caminho, no final do século XIX, haverá uma bifurcação que seguirá para a localidade de Peixinhos.

Conforme mostra o mapa, acredita-se que a via de Olinda, localizada mais a Oeste da área do atual território municipal, era um prolongamento da Estrada Velha do Beberibe. Com o passar dos anos, seja pela influência de parte do fluxo migratório, proveniente do êxodo rural, seja pela constituição de parcelamentos, o prolongamento dessa via, no sentido Noroeste, constituirá a Estrada do Caenga, inclusive incorporando o velho trecho, que permitirá o acesso a futuros bairros olindenses como o de Águas Compridas, Alto da Bondade, Alto do Sol Nascente, por exemplo.

Mas, enquanto as práticas espaciais não estabeleciam, nas áreas desses atuais bairros, uma configuração territorial, ao ponto de caracterizá-las como espaço urbano, porções dessas terras podiam ser exploradas com fins agrícolas, até mesmo de cunho empresarial, como o fará a "Fábrica Actividade", fundada, desde 1893, e localizada no Varadouro. De acordo com a pesquisa de Rosas (1988), a referida fábrica adquiriu a propriedade Caenga, em 1900, e cultivara, nesse período, 600 mil pés de tomates, envolvendo cerca de 80 a 100 trabalhadores.

Ao Norte da cidade de Olinda, a referida cartografia ainda representou o traçado de duas vias que convergiam, dando prosseguimento a outra que deveria conduzir a um estabelecimento agrícola ou a áreas de extrativismo vegetal, bem como a núcleos residenciais de pescadores.

Ainda com base na mesma cartografia de 1876, foi elaborada a Figura 13, pela qual se constata a localização do cemitério público de Olinda; engenhos: Forno da Cal e Sapucaia; vários aglomerados populacionais – povoações do atual território do Recife – que se localizavam próximos aos limites atuais do município de Olinda, bem como as deste, que se tornarão atuais bairros, ou não, das duas cidades, tais como: Cumbe, Beberibe, Porto da Madeira, Coqueiro, “Peixinho”, Duarte Coelho, Salgadinho, Campo Grande e, possivelmente, o Beberibe de Baixo. Também se destacam Sítios como o dos Arcos, de Salgueiro, dos Craveiros e do Fundão.

No último quartel do século XIX, a cidade contara, com outros melhoramentos urbanos, além da via férrea: água e gás, encanados, em trechos da cidade, serviços prestados pela Companhia de Santa Tereza, a partir de 1872, quando a cidade detinha 12.419 habitantes. Foi nesse ano em que se deu a inauguração do primeiro chafariz público no atual bairro do Varadouro (ARAÚJO, 2007). Ela lembrou, ainda, que o serviço dos correios se instalara em 1830.

2.3 O período da República Velha e ainda algumas questões de evolução da cidade de Olinda