3. LEGISLAÇÃO PARA A MOBILIDADE URBANA NO BRASIL
3.1 A Política Nacional de Mobilidade Urbana Lei 12.587/2012
Percebe-se então que a mobilidade urbana começa a ter importância na legislação brasileira, mas o principal marco regulatório deste setor foi a Lei Federal 12.587 promulgada em 3 de janeiro de 2012, que estabelece a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). A lei foi aprovada a partir do Projeto de Lei n° 1.687/2007 que se originou do PL 694/1995, por sua vez, reunia alguns projetos de lei anteriores que aludiam sobre o transporte coletivo.
O primeiro projeto de lei a retratar sobre a mobilidade urbana foi o PL 4.203/1989, elaborado um ano após a promulgação da CF/88, visava instituir “as normas do sistema nacional de transportes coletivos urbanos de passageiros”; seguido do PL nº 870/1991, que dispunha sobre “diretrizes nacionais de transporte coletivo urbano”; do PL nº 1.777/1991 a respeito dos “princípios de regras básicas para os serviços de transporte coletivo rodoviário de passageiros”; e o PL nº 2.594/1992, sobre “as diretrizes nacionais do transporte coletivo urbano” (IPEA, 2012).
Os três PLs subsequentes foram apensados ao PL nº 4.203/1989 por se tratarem todos do mesmo assunto, limitando seu objeto ao transporte coletivo. Em 1995, os quatro PLs citados foram arquivados definitivamente e surgiu o PL nº 694/1995, de autoria do deputado Alberto Goldman que ainda tratava apenas do transporte coletivo, relatava as diretrizes para este modo. Este PL em sua autoria contou com a colaboração da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e do Conselho Nacional de Transportes Urbanos (CNTU) (IPEA, 2012).
Ainda na década de 1990, surgiram o PL nº 1.974/1996 “sobre a prestação de serviços de transporte rodoviário coletivo de passageiros e o regime de concessão ou permissão” e o PL nº 2.234/1999, referente ao “sistema integrado de transporte coletivo urbano”. Ambos foram apensadosao PL nº 694/1995 por tratarem do mesmo assunto (IPEA, 2012).
Em 2003 com a criação do Ministério das Cidades, mais uma conquista do Movimento da Reforma Urbana, considerou-se haver condições políticas e institucionais favoráveis à criação de uma política nacional para o setor (GOMIDE, 2007), conforme prescrito na Constituição. Assim, em 2004 o Conselho das Cidades (órgão colegiado deste ministério) elaborou os objetivos, princípios e diretrizes para esta política e após reuniões promovidas em todas as capitais brasileiras para apresentar o documento, foi aprovada e publicada neste mesmo ano no Caderno MCidades sob o título “Política Nacional de Mobilidade Urbana” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).
Apesar de nenhum aporte legal, essas orientações foram centrais para direcionar as ações do Ministério das Cidades em seus programas de investimento, financiamento e apoio à gestão municipal dos sistemas de transporte nas cidades brasileiras (IPEA, 2012).
Seguindo os preceitos desta política, foi elaborado o PL de nº 1.687/2007 conduzido pelo Poder Executivo, diferente dos anteriores elaborados pelo Legislativo. O processo de elaboração deste PL foi amplamente democrático, em que contou com a participação de atores políticos, do setor de transportes e da sociedade civil organizada, além de ouvir a opinião da população por meio de um portal eletrônico (GOMIDE, 2007).
O PL 1.687/2007 discutia uma proposta para a mobilidade urbana com uma abordagem mais abrangente sobre o tema do que os PLs anteriores que consideravam apenas o transporte coletivo. Além de considerar os modos não motorizados na cidade, no aspecto institucional, previa regras claras com instituições adequadas ao invés da discricionariedade de políticos, este desígnio era essencial para consolidar a política do setor (GOMIDE, 2007). No entanto, como desvantagem, assim como o PL 694/1995, matinha a inexistência de previsão de um programa com fonte de recurso para o setor (LIMA NETO; GALINDO, 2013).
A motivação para a proposta deste projeto de lei decorre do diagnóstico realizado pela Semob sobre o modelo de mobilidade urbana nas cidades brasileiras, o qual afirmava:
“O atual modelo de mobilidade urbana adotado nos municípios do país, sobretudo nas grandes cidades, caminha para a insustentabilidade principalmente devido à baixa prioridade dada e inadequação da oferta do transporte coletivo; às externalidades negativas causadas pelo uso intensivo dos automóveis (congestionamento e poluição do ar); à carência de investimentos públicos e fontes de financiamento ao setor; à fragilidade da gestão pública nos municípios; e à necessidade de políticas públicas articuladas nacionalmente” (IPEA, 2012; GOMIDE, 2007).
Mas o fato determinante foram as manifestações dos estudantes em algumas cidades no ano de 2003 contra o aumento das tarifas de ônibus, que chamaram a atenção dos prefeitos para discutir sobre a “desoneração dos custos do transporte urbano” (GOMIDE, 2007). Logo, era necessária a formulação de uma política pública especifica para o setor não apenas local, mas sim a nível nacional.
No ano de 2012, vinte e quatro anos após prescrita na CF/88 e cinco anos de tramitação do PL 1.687/2007, foi aprovada a política nacional do setor pela Lei Federal n° 12.587/2012 que está fundamentada nos artigos 21, inciso XX, e 182 da Constituição Federal de 1988, como um instrumento da Politica Nacional de Desenvolvimento Urbano. O Quadro 3 apresenta a evolução dos PLs em linha cronológica desde o primeiro PL a entrar em votação
no Poder Legislativo até a aprovação da Lei Federal n° 12.587/2012 que formalizou a Política nacional de Mobilidade Urbana (PNMU).
Quadro 3 - Evolução dos Projetos de Lei pós CF de 1988 sobre transporte e mobilidade urbana
Fonte: Adaptado de Câmara dos Deputados (2015).
Segundo a Lei 12.587/12, a PNMU tem por objetivo:
“Contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes Ano N° do PL Ementa Proponente Situação
1989 4.203
Institui as normas do sistema nacional de transportes coletivos urbanos e de
passageiros
José Santana de
Vasconcelos Arquivado 1990
870
Institui as diretrizes nacionais de transporte coletivo urbano e dá outras
providências
Manoel Castro Arquivado
1.777
Dispõe sobre os princípios e regras básicas para os serviços de transporte coletivo rodoviário de passageiros e dá
outras providências
Gustavo Krause Arquivado
1992 2.594
Dispõe sobre as diretrizes nacionais do transporte coletivo urbano e dá outras
providências
Antonio Brito Arquivado
1993 1994
1995 694
Institui as diretrizes nacionais de transporte coletivo urbano e dá outras
providências Alberto Goldman Transformado na Lei Ordinária 12.587/2012 1996 1974
Dispõe sobre a prestação de serviços de transporte rodoviário coletivo de passageiros sobre o regime de concessão
ou permissão, e dá outras providências
Chico da Princesa Arquivado
1997 1998
1999 2.234 Dispõe sobre o sistema integrado de
transporte urbano Sérgio Carvalho Arquivado 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
2007 1.687 Institui as diretrizes da Política Nacional de
Mobilidade Urbana Poder Executivo Arquivado 2008
2009 2010 2011
2012 Lei Federal 12.587/2012 - Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana
da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana” (BRASIL, 2012).
Ressalta-se no texto da lei o conceito de mobilidade urbana como sendo “a condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano” (BRASIL, 2012). Nos artigos 5, 6 e 7, são definidos os princípios, diretrizes e objetivos da PNMU (Quadro 4).
Quadro 4 - Princípios, diretrizes e objetivos da PNMU
Fonte: Brasil, 2012.
A Lei Federal n° 12.587/2012 determina as atribuições dos entes federativos (União, estados e municípios), destaca-se a competência dos municípios na PNMU (BRASIL, 2012):
Acessibilidade universal
Desenvolvimento sustentável das cidades Equidade no acesso dos cidadãos ao TPC
Eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano Gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da PNMU Segurança nos deslocamentos das pessoas
Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos modos e serviços
Equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros Eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana
Integração com a política de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais no âmbito dos entes federativos
Prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de TPC sobre o transporte individual motorizado
Integração entre os modos e serviços de transporte urbano
Mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade
Incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de energias renováveis e menos poluentes
Priorização de projetos de transporte público coletivo estruturadores do território e indutores do desenvolvimento urbano integrado
integração entre as cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira com outros países sobre a linha divisória internacional
Reduzir as desigualdades e promover a inclusão social
Promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais
Proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade
Promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades
Consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana
P r in c íp io s D ir e tr iz e s O b je ti v o s
Planejar, executar e avaliar a política de mobilidade urbana;
Regulamentar a prestação dos serviços de transporte urbano;
Prestar direta, indiretamente ou por gestão associada, os serviços de transporte público coletivo urbano;
Capacitar pessoas e desenvolver as instituições vinculadas a política de mobilidade urbana do município.
Em áreas metropolitanas, a organização e a prestação dos serviços de transporte coletivo intermunicipal de caráter urbano são de responsabilidade dos estados, mas podem ser delegados aos municípios se constituído consórcio público ou convênio de cooperação para esta finalidade. Também são pontos relevantes, as determinações para o processo de delegação dos serviços do transporte coletivo, bem como da política tarifária para este modo (BRASIL, 2012).
O instrumento de efetivação da PNMU na cidade é o Plano Diretor de Mobilidade Urbana (PDMU), que deve estar integrado ao Plano Diretor Municipal (PDM) ou nele inserido. O Estatuto da Cidade já havia retratado sobre este instrumento, mas nesta lei era obrigatório apenas para os municípios acima de 500 mil habitantes (BRASIL, 2001), já segundo a Lei Federal n° 12.587/2012 são obrigatórios para todos os municípios acima de 20 mil habitantes (BRASIL, 2012). Em 2012, o número total de municípios que deveriam elaborar o PDMU era de 3.065 municípios (IBGE, 2012).
Apesar de determinar a criação do PDMU, o Estatuto da Cidade (Lei 10. 257/2001) não aborda sobre o seu conteúdo. A Resolução nº 34 de 2005 do Conselho das Cidades expressa os princípios e diretrizes a ser considerados na elaboração do PDMU. No entanto, a prescrição suficiente para a elaboração deste instrumento foi orientada pelo Ministério das Cidades no Caderno MCidades “PlanMob” em 2007, desenvolvido a partir da política nacional criada em 2004.
Pós Lei Federal n° 12.578/2012, nesse ano de 2015 foi publicada uma versão deste caderno sob mesmo título, abrangendo o conteúdo e a estruturação do PDMU de acordo com os requisitos citados no Art. 24 da lei. Algumas das prerrogativas deste instrumento é a priorização do transporte coletivo sobre o individual e do transporte não motorizado sobre o motorizado. O plano deve levar em consideração as características da cidade, tais como o porte e o contexto histórico (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2015).
Embora haja avanços no reconhecimento da questão da mobilidade urbana por parte do Poder público Federal, há fragilidades nesta política que comprometem a sua efetividade.
A lei não expressa a tipologia do PDMU, ou seja, se o mesmo deve ser apresentado em forma de lei municipal, a exemplo do PDM, ou por meio de um documento de referência de política pública. Com isso, não há obrigatoriedade para o poder público municipal implementar a lei, perdendo eficácia a política de mobilidade no município (LIMA NETO; GALINDO, 2013).
A Lei determina que os municípios devem elaborar o PDMU no prazo máximo de três anos a partir da data de vigência. Visto que a lei foi promulgada em 3 de janeiro de 2012 e entrou em vigor 100 dias após sua publicação (Art. 28, Capítulo VII), o prazo para elaboração dos PDMU iniciou em maio de 2012 e finalizou em maio do presente ano de 2015. A penalidade para os municípios que descumprirem esta exigência, é o impedimento de receber recursos orçamentários federais destinados a mobilidade urbana até que os mesmos atendam a condição (Art. 24, § 4º) (BRASIL, 2012).