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4. GESTÃO PÚBLICA DA MOBILIDADE URBANA NO BRASIL

4.2 Gestão da mobilidade urbana no Brasil

O transporte encontra-se entre os setores de atividade econômica que mais anotam intensa e continuamente a presença do Estado (SANTOS; ORRICO FILHO, 1996). As

primeiras iniciativas do Estado para este setor se estabeleceram no sentido de promover a infraestrutura viária para propiciar o desenvolvimento econômico pelo incentivo as exportações, que se tornaram favoráveis com o crescimento do modal rodoviário. Também havia o interesse de estabelecer a integração entre as regiões do País por meio da abertura de estradas no interior do território nacional (GEIPOT, 2001). Assim, o Estado é o principal provedor de infraestrutura para os transportes e frequentemente o único (SANTOS; ORRICO FILHO, 1996).

No âmbito institucional, na década de 70 foram criadas instituições que foram de extrema importância na história do transporte urbano no Brasil. Ainda em 1965, foi criado o Grupo Executivo para a Integração da Política de Transportes (GEIPOT) financiado pelo Banco Mundial com o propósito de desenvolver estudos em transportes no País. Em 1976, uma importante estrutura organizacional e financeira foi instituída pelo Sistema Nacional de Transportes Urbanos (SNTU) e pelo Fundo Nacional de Transportes Urbanos (FDTU), sendo a Empresa Brasileira de Transporte Urbano (EBTU) o órgão encarregado da coordenação das políticas e da integração modal ferroviária e rodoviária. A nível local, nas regiões metropolitanas, foram criadas as Empresas Metropolitanas de Transportes Urbanos (EMTU) e nos municípios núcleos de aglomerados urbanos, foram criadas as Superintendências de Transportes Urbanos (STU). Esta estrutura institucional organizativa foi a primeira iniciativa estatal para dar respostas a problemática do transporte urbano que se inseria no contexto da crise urbana nacional (BRASILEIRO et al, 2004), dada a importância dos transportes para o desenvolvimento social e econômico e a urbanização acelerada em que o País se encontrava (ARAÚJO; BRASILEIRO; SANTOS, 2011).

Inicialmente o GEIPOT foi criado como órgão interministerial subordinado ao Ministério de Viação e Obras Públicas (MVOP), dentre as atividades relevantes de sua atuação neste período destaca-se a elaboração de Planos Diretores de Transportes decenais. Consolidadas estas atividades, em 1973 o GEIPOT se transformou na Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, preservando a sigla e com personalidade jurídica de empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes (GEIPOT, 2001).

A GEIPOT desenvolveu ações como: formação e treinamento na área de transportes de pessoal de órgãos federais, estaduais e municipais, inclusive para o Ministério dos Transportes; estudos e pesquisas; elaboração de planos, projetos e programas no campo de transportes, considerando as inter-relações entre os modais rodoviários, ferroviários,

marítimos e fluviais. Também representando o Ministério dos Transportes, a empresa prestou apoio técnico a entidades governamentais estrangeiras (GEIPOT, 2001).

Em relação ao transporte urbano, o GEIPOT elaborou em 1973 o primeiro documento que analisava em termos nacionais a grave situação deste subsetor, em que destacava “a necessidade do disciplinamento do uso do espaço urbano, a racionalização do uso das facilidades de transportes nas cidades, a coordenação dos transportes nas regiões metropolitanas e o disciplinamento do próprio transporte individual” (GEIPOT, 2001, p. 457). O documento também previa a inclusão dos transportes urbanos no Plano Nacional de Viação e a criação de uma entidade Federal para gerenciar o subsetor – a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU).

A EBTU foi criada em 14 de novembro de 1975 pela Lei Federal n° 10.261. Além de coordenar os modos ferroviários e rodoviários urbanos de passageiros, competia a empresa gerenciar o FNTU, suprido por parte dos tributos sobre veículos rodoviários, combustíveis e lubrificantes; e nos anos finais de sua existência contou apenas com recursos de agências multilaterais como o Banco Mundial. Como grandes feitos, a EBTU criou a cartilha para cálculo tarifário que contribuiu bastante para a consolidação da técnica gerencial do transporte público urbano no Brasil, e participou da instituição do Vale-Transporte, em que o empregado participaria do financiamento de um sistema de transportes no qual é beneficiário indireto (ARAGÃO, 2004), sendo um instrumento inovador na política tarifária e decisivo para a ampliação dos sistemas de transportes urbanos no País (GEIPOT, 2001). Tais feitos vigoram até a atualidade.

Em parceria com o GEIPOT, a EBTU expandiu as linhas de trens urbanos e implementou projetos de metrôs em algumas capitais brasileiras, assim como as ações de apoio a infraestrutura de transportes urbanos, como a construção de corredores de transporte coletivo e um projeto de modernização para este modo. A parceria ainda conduziu a qualificação em transportes de técnicos de órgãos públicos e privados nos municípios (GEIPOT, 2001).

Um dos pontos chaves da política nacional de transportes urbanos nos anos 70 foi a criação das EMTUs nas regiões metropolitanas. A proposta fundamentava-se no pensamento prevalecente a época, de que era possível, “a partir de uma ação forte do governo central, impor às realidades locais uma visão idealista de uma rede multimodal de transporte integrada – em termos físicos, operacionais, tarifários e institucionais” (BRASILEIRO et al, 2004, p. 170). Mas as experiências quanto a problemática nas cidades brasileiras são diversas e

predominam as ordens locais baseadas nas dinâmicas socioeconômicas e urbanísticas e nas relações entre atores (BRASILEIRO et al, 2004).

Na maioria das aglomerações urbanas as EMTUs não chegaram a ser criadas e as que o foram, apresentaram experiências diferentes de sucesso e insucesso. O caso mais notável de insucesso foi em São Paulo, a EMTU foi criada em 1979 e extinta em 1980, teve apenas 18 meses de existência. Casos de sucesso também são conhecidos, como em Belo Horizonte, a METROBEL foi criada em 1980 e exerceu papel relevante na organização metropolitana de transportes, sendo extinta em 1978. Também reconhecida como caso de sucesso, a EMTU- Recife foi o organismo que apresentou maior tempo de atuação (BRASILEIRO et al, 2004), de 1979 a 2008, quando passou à configuração de consórcio público metropolitano.

No âmbito da Reforma Gerencial do Estado, no setor de transportes as intervenções se deram com as privatizações e a reforma administrativa que marcaram sua evolução no período de 1985 a 2000. O Plano Nacional de Desestatização (Medida Provisória 155/1990) contemplava a privatização das atividades econômicas que o governo acreditava ser essencial para a competitividade nacional. Assim, como nos setores de eletricidade, infraestrutura e telecomunicações, o de transportes também foi privatizado. As companhias de ônibus foram extintas, exceto a Carris em Porto Alegre, e as linhas de ônibus foram privatizadas. Ao Estado competia o papel regulador e fornecedor de infraestrutura básica e aos particulares, cabia a exploração privada do setor com base em concorrências (GEIPOT, 2001).

Com o pós-reforma, os governos entenderam que diminuir o papel do Estado nas atividades econômicas seria retirar qualquer atividade de planejamento e monitoramento da responsabilidade do Estado (GEIPOT, 2001). Com isso, não obstante grandes realizações do GEIPOT e da EBTU, estas instituições entraram em processo de liquidação. No primeiro período do Governo Collor, em 1991 a EBTU foi extinta. Logo no segundo mandato deste governo, a GEIPOT encerrou suas atividades e entrou em processo de liquidação, sendo extinta em 2008 por meio da Medida Provisória nº 427 daquele ano e convertida na Lei nº 11.772/2008.

A extinção do GEIPOT foi um grave erro, pois foi uma grande perda para a engenharia e o planejamento de transportes no Brasil. Perdeu um órgão público que representava o setor e era capaz de planejar, consolidar e atualizar informações para o delineamento de políticas públicas no setor (ARAÚJO; BRASILEIRO; SANTOS, 2011).

Apesar da privatização dos serviços de transportes, é inegável a mister presença do Estado neste setor. Enquanto as forças de mercado possibilitam a competitividade e a inovação do setor, cabe salientar que este mercado não é autorregulado e não se constitui em uma concorrência perfeita. Em um regime de livre competição, o mercado apresentaria disfunções que afetariam a eficiência econômica da produção e da distribuição de recursos. Dessa forma, é indispensável à presença reguladora do Estado neste mercado (GEIPOT, 2001; SANTOS; ORRICO FILHO, 1996). Além disso, as políticas de transporte apresentam impacto social, econômico e ambiental à sociedade, devendo o Estado ser responsável e exercer as funções de planejamento, coordenação e regulamentação dos mercados de transporte (GEIPOT, 2001).

Embora a Reforma gerencial do Estado tenha ocorrido em 1995, apenas em 2001 o Governo Federal através da Lei n°10.233 de junho deste mesmo ano, alterada pela MP n° 2.217-3/2001, reestruturou o setor de transporte terrestre e aquaviário. Neste ensejo foram criados o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte – CONIT, a Agencia Nacional de Transportes Terrestre – ANTT, a Agencia Nacional de Transporte Aquaviário – ANTAQ e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT (GEIPOT, 2001).

Para tratar da pasta do transporte urbano, já no período do governo sucessor (primeiro período do Governo Lula), em 1º de janeiro de 2003 foi criado o Ministério das Cidades, a partir da Medida Provisória nº 103/2003, convertida na Lei nº 10.683 de 28 de maio daquele ano, para executar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Competem ao Ministério das Cidades as políticas setoriais de habitação, saneamento básico e mobilidade urbana. Para esta última, no nível estratégico, as ações são coordenadas pela Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana (SEMOB) do referido ministério.