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4. GESTÃO PÚBLICA DA MOBILIDADE URBANA NO BRASIL

4.1 A Reforma Gerencial do Estado e o modelo de Gestão Pública

Primeiramente, é importante definir em que consiste o setor público. Como expressa Flynn (2007, p.1) “a fronteira entre o setor público e o setor privado não é clara nem permanente”. Pode ocorrer a privatização de ativos públicos, como também a permanência de ativos na propriedade privada visivelmente públicos. O setor público refere-se aos componentes da economia que são da propriedade do Estado ou estão por meio de contrato, além daqueles que são regulados e ou subsidiados pelo poder público. Segue o pressuposto da utilidade pública (FLYNN, 2007).

Assim, a gestão pública é a gestão da ‘coisa pública’. Cabe distinguir administração pública de gestão pública, a primeira diz respeito ao aparelho do Estado. O Estado é a ordem jurídica ou constitucional-legal e a administração pública o conjunto de organizações que o garante e são dirigidas por servidores públicos (eleitos e não eleitos por votação) (BRESSER- PEREIRA, 2010). A gestão é neste sentido, o exercício de um conjunto de atividades tais como: planejamento, orçamento, mensuração de desempenho e desenho organizacional, direcionadas ao cumprimento de objetivos e rendimento de resultados no setor público (FLYNN, 2007).

A gestão pública historicamente apresenta três modelos: patrimonialista, burocrática e gerencial. Inicialmente o regime político do Estado era Absolutista e não havia separação entre o patrimônio público e o privado, o modelo de gestão pública era o patrimonialismo. O Estado era patrimônio do governante (o rei) e não existia um corpo administrativo impessoal, predominava a discricionariedade do governante e o nepotismo.

Com o advento do capitalismo e da democracia, era necessário um tipo de gestão que além da divisão entre o público e o privado, respalda-se na separação entre o político e o

administrativo (BRESSER-PEREIRA, 1998). Em 1960, a partir da primeira reforma política, surge o modelo de gestão da administração pública burocrática que teve início nos Estados Unidos, Reino Unido e França (POLLITT; BOUCKAERT, 2011).

O modernismo e o avanço da ciência e tecnologia, em conjunto com o crescimento das universidades e do estudo das ciências sociais neste período, contribuíram para o principio deste modelo de gestão que propunha a designação mais racional de políticas públicas e instituições (POLLITT; BOUCKAERT, 2011) e seguia as bases da teoria do sociólogo Max Weber (BRESSER-PEREIRA, 1998).

A administração pública burocrática caracterizou-se pela centralização de poder do Estado na tomada de decisão e implementação, pelo domínio do Estado de direito, foco na definição de regras e diretrizes, compromisso com orçamentos incrementais (OSBORNE, 2006), recrutamento e treinamento de profissionais especializados e neutros, hierarquias com base na unidade de comando, rotinas rígidas e inflexibilidade para respostas rápidas (BRESSER-PEREIRA, 1998).

Apesar do grande salto em relação ao patrimonialismo, o modelo burocrático se tornou inadequado às mudanças na economia e na sociedade no mundo contemporâneo. A globalização dos mercados carecia de revisão no modo de intervenção do Estado na economia e as mudanças na sociedade conduzidas pelo Estado Social, demandavam mais eficiência e efetividade do Poder Público para atender a estas mudanças. Soma-se a isso, a crise fiscal gerada pelo alto custo da burocracia. Tais fatores impulsionaram a segunda reforma do Estado, a reforma gerencial (REZENDE, 2004).

A reforma gerencial do Estado emergiu nos Estados Unidos e Reino Unido entre os anos 1970 e 1980 e teve por objetivo o ajuste fiscal e a mudança institucional do Estado. O primeiro dizia respeito a diminuição dos custos da burocracia e ao equilíbrio orçamentário e o segundo a criação de organizações públicas voltadas para a performance de resultados (REZENDE, 2004). O modelo de gestão pública gerencial foi então um instrumento desta reforma, necessária para legitimar o Estado Democrático Social e atender a coletividade (BRESSER-PEREIRA, 2010).

Nos países onde surgiu, o modelo de gestão pública gerencial ficou conhecido como New Public Management (NPM) que tem por base a introdução de ideias e técnicas do setor

privado na gestão pública para adquirir eficiência, reduzir custos e obter maior eficácia na prestação de serviços (OSBORNE, 2006; KLIJN, 2012; MOTTA, 2013).

Como explana Hood (1991) as doutrinas principais do NPM são:

 Trabalhadores profissionais na gestão do setor público;

 Padrões explícitos e medidas de desempenho;

 Maior ênfase em controle de resultados;

 Mudança para desmembramento de unidades no setor público;

 Mudança para maior concorrência no setor público;

 Ênfase no estilo de gestão do setor privado;

 Ênfase em maior disciplina e economia no setor público.

Entretanto, na prática o NPM apresentou algumas fragilidades. Hood (1991) já ressaltava que o NPM era um exagero sem realidade, não passava de ideologias e que na prática não resolveu os problemas e fraquezas no serviço público. O modelo não conseguiu extinguir o controle tradicional e sim criou uma nova burocracia, assim como a implementação de práticas do setor privado com resultados imediatos no setor público era mera utopia (MOTTA, 2013).

No Brasil, o modelo de gestão pública gerencial emergiu a partir da Reforma gerencial do Estado de 1995, necessária à criação de um Estado social pós-transição democrática de 1985. Nesta ocasião, o Estado devolveria os direitos políticos aos cidadãos para se tornar democrático, e para se tornar social, melhoraria a distribuição de renda visto que a sociedade brasileira era bastante desigual (BRESSER-PEREIRA, 2011).

A aprovação da Constituição Federal de 1988 consolidou a transição democrática colocando os direitos sociais na legislação brasileira (capítulo II) (BRESSER-PEREIRA, 2008). A reforma administrativa do Estado era indispensável ao cumprimento da nova Constituição.

Semelhante aos casos americano e inglês, os objetivos centrais da reforma gerencial no Brasil foram o ajuste fiscal e a mudança institucional (REZENDE, 2004). Também de modo semelhante, os motivos que desencadearam a reforma consistiram na necessidade de adequação do Estado ao mercado globalizado, os elevados custos da burocracia pública e sua

baixa performance nos anos 90, somados a crise fiscal e ao cenário hiperinflacionário deste período (REZENDE, 2004; BRESSER-PEREIRA, 2008).

A Constituição de 1988 reinventou e criou várias políticas públicas (ABRUCIO, 2007), no entanto a administração pública era marcada por uma baixíssima performance na relação entre formulação e implementação de políticas públicas. Neste sentido, a reforma delineava mudanças na matriz institucional do Estado com a introdução de organizações voltadas para resultados, controle administrativo e accountability (transparência) (REZENDE, 2004). Assim foram criadas instituições descentralizas do Estado – as agencias autônomas (executivas e reguladoras) e as organizações sociais.

O Ministério da Reforma Administrativa do Estado (MARE), criado para conduzir a reforma gerencial, elaborou o Plano Diretor da Reforma que descrevia o novo modelo de intervenção Estatal e o papel a ser desempenhado pelas agências autônomas e organizações sociais.

A Reforma determinou quatro setores de intervenção do Estado: o núcleo estratégico do Estado (administração direta); as atividades exclusivas de Estado, a qual competem os poderes de regulamentar, fiscalizar e fomentar; os serviços não-exclusivos ou competitivos, de alta relevância na produção de bens e serviços essenciais; e a produção de bens e serviços para o mercado, a cargo da iniciativa privada sob o controle do Estado (BRESSER- PEREIRA, 1998, REZENDE, 2004).

As agências autônomas (executiva e reguladora) atuariam no setor das atividades exclusivas de Estado, e as organizações sociais nas atividades sociais e científicas, que são não exclusivas de Estado (BRESSER-PEREIRA, 1998). O Plano distinguia autonomia administrativa (direcionada à eficiência e aos resultados) de autonomia política (direcionada à assiduidade e credibilidade decisória). Ambos os tipos de agencia, possuiriam autonomia administrativa, mas apenas as agencias reguladoras deteriam autonomia política, por operarem em áreas monopolistas, característica dos setores de infraestrutura (PACHECO, 2006).