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A possibilidade de cumulação dos danos estéticos e morais

1. ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.12. A possibilidade de cumulação dos danos estéticos e morais

Afirmou-se que o dano estético e o dano moral stricto sensu ensejam verbas separadas. Foram fornecidos alguns argumentos para essa assertiva, como a diferença de natureza jurídica das duas espécies e a existência de vários tipos de danos morais, decorrentes da diversidade de categorias em que podem ser divididos os aspectos do direito da personalidade. Como restou demonstrado, o dano estético decorre da lesão de direitos físicos (ou da integridade física), ao passo que o dano moral em sentido estrito advém da lesão de direitos morais (ou da integridade moral)386.

Jamais se negou que inexiste, em um primeiro momento, oposição entre danos morais e danos estéticos; ao contrário, o segundo estaria subsumido no primeiro, se este fosse considerado em seu sentido amplo. O dano estético é, assim, espécie de dano moral387.

Ocorre que se pode utilizar a expressão “dano moral” em distintos sentidos. Ao afirmar que o dano estético é tipo de dano moral, a ela se atribuiu a significação do gênero no qual se incluem inúmeras espécies, entre elas, o dano estético e o dano moral em sentido estrito. Daí a verificação de que a expressão “danos morais” tanto pode significar

386 Na nomenclatura empregada por Carlos Alberto Bittar, é usada a expressão “direitos psíquicos” porque esses direitos são relativos a elementos intrínsecos da personalidade, ao passo que os morais seriam concernentes a atributos valorativos da pessoa na sociedade (Os direitos da personalidade, p. 17).

387 LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético – responsabilidade civil, p. 125: “Sem dúvida, dano estético (lesão permanente) é dano moral. É o que desde a 1a edição deste livro temos afirmado e continuamos afirmando, pois se trata de ofensa a bens inestimáveis. É dano à pessoa”.

gênero quanto espécie. Em face desse aspecto, qualificou-se a expressão, definindo que dano moral em sentido amplo denota gênero e dano moral stricto sensu, espécie.

Evidencia-se, pois, que o dano estético não está incluído no dano moral stricto

sensu, o que permite conceber a cumulação de verbas indenizatórias separadas para cada

uma dessas espécies.

Cumpre ressaltar, ainda, que o dano deformante à integridade física não é igual a qualquer outro tipo de dano moral, porque, além de gerar uma transformação física – dano moral objetivo –, pode gerar outro dano de natureza extrapatrimonial, que é o “dano moral à imagem social”388. Em linhas gerais, frequentemente, há nessa espécie de dano um acréscimo de sofrimento decorrente de a vítima ter de enfrentar o ambiente social com uma aparência desagradável389, o que configuraria mais uma razão para a referida cumulação. Se o dano estético vier desacompanhado dessa perturbação psíquica, não será, então, o caso de cumulação de verbas, mas tão somente de indenização do dano estético.

A cumulação dos danos em comento encontra fundamento no art. 5o, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

V – é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. (sem grifo no original)

De fato, a norma pré-citada previu a reparação para três tipos de danos patrimoniais e extrapatrimoniais390: materiais, morais lato sensu e à imagem. Trata-se de dispositivo de grande interesse porque cria precedente para a consideração de inúmeros danos, de natureza extrapatrimonial, que poderão ser cumulados, de acordo com o caso concreto.

388 LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético – responsabilidade civil, p. 125.

389 Ibidem, loc. cit.: “Em suma, há no dano estético um plus negativo, que é essa humilhação diuturna e perene que sente sua vítima ao ter que enfrentar o ambiente social e do qual ela não pode fugir”.

390 Entende-se que o dispositivo constitucional em referência não coloca o dano à imagem à margem dos danos morais em sentido amplo, mas tão somente o diferencia do dano moral stricto sensu.

Com base no exposto, pode-se sustentar que o artigo constitucional em tela funciona como fundamento legal para a pretendida cumulação.

O dano à imagem decorre da violação do direito à imagem que é, evidentemente, um direito da personalidade. Carlos Alberto Bittar define-o como o:

“[...] direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e respectivos componentes distintos (rosto, olhos, perfil, busto) que a individualizam no seio da coletividade. Incide, pois, sobre a conformação física da pessoa, compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a identifica no meio social. Por outras palavras, é o vínculo que une a pessoa à sua expressão externa, tomada no conjunto, ou em partes significativas (como a boca, os olhos, as pernas, enquanto individualizadoras da pessoa)”.

Essa definição de direito à imagem, contudo, somente diz respeito à imagem- retrato. Convém salientar, contudo, que esse direito também abrange a imagem-atributo, isto é, aquela que se relaciona à reputação e ao bom nome da vítima391.

No que tange ao dano à imagem previsto constitucionalmente, Teresa Ancona Lopez afirma que este não é o dano à imagem na acepção própria do termo, como a proibição de reprodução de imagem se não autorizada, mas sim da imagem em seu valor ético-social, tendo como conteúdo a vida de relação392.

Em razão desse entendimento, a doutrinadora é partidária da cumulação sustentada neste estudo, conforme consignado a seguir:

“Dessa forma, não só é possível, mas principalmente justa, a cumulação do dano estético com o dano moral por serem dois tipos diferentes de danos morais à pessoa, ou seja, atingem bens jurídicos diferentes. O dano estético (dano físico) é dano moral objetivo que ofende um dos direitos da personalidade, o direito à integridade física. Não precisa ser provado, é o damnum in re ipsa. O

sofrimento e a dor integram esse tipo de dano. O dano moral é o

391 DRAY, Guilherme Machado. Direitos de personalidade – anotações ao Código Civil e ao Código do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2006. p. 50.

dano à imagem social, à nova dificuldade na vida de relação, o complexo de inferioridade na convivência humana.

Sem dúvida, há no dano estético a destruição da integridade do corpo, e com isso a modificação para pior da antiga aparência física (imagem) da sua vítima. O sofrimento é duplo e por isso pede indenização dupla”393.

Na mesma linha, posiciona-se Luiz Roldão de Freitas Gomes, ao asseverar, ipsis

litteris, que:

“[...] o inc. V, do art. 5o, da CF, ao assegurar o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, abre ensejo a cogitar-se da reparação do último, independentemente das demais lesões, compreendida a aparência, como direito resguardado, na imagem da pessoa”394.

Apresentada a fundamentação legal da referida cumulação, resta trazer à lume mais um argumento para o posicionamento aqui preconizado, que seria uma possível analogia com a Súmula n. 37 do STJ.

A questão da cumulação entre dano material e dano moral trata-se, atualmente, de matéria superada em face da redação da aludida Súmula – que dispõe serem “cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

O principal fundamento apresentado pela doutrina para a defesa da aludida cumulação é que a indenização do dano material tem caráter ressarcitório, ao passo que a indenização do dano moral tem caráter reparatório – ou compensatório395. É claro que esse fundamento não pode ser totalmente empregado na cumulação aqui pretendida, uma vez que diz respeito a espécies de danos morais, cuja indenização terá sempre o mesmo caráter, o de compensação – ou até de aflição, como entende a maioria da doutrina, da qual se diverge.

393 LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético – responsabilidade civil, p. 126-127. 394 GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Elementos de responsabilidade civil, p. 99-100. 395 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 90.

A importância da Súmula n. 37 se deve à sua relevância histórica na autorização de cumulação de verbas indenizatórias e à sua aplicação analógica aos casos de cumulação de danos morais e estéticos396. De fato, denota ser bastante lógica a referida analogia. De acordo com a redação apresentada, podem ser cumuladas duas espécies de danos diferentes, oriundos de um mesmo fato: danos materiais e danos morais. Demonstrou-se que há várias espécies de danos morais, dentre elas, o dano estético e o dano moral stricto

sensu, que possuem diferenças profundas entre si, sendo o dano estético um dano moral

objetivo397, conquanto é passível de verificação visual, e o dano moral em sentido estrito um dano moral subjetivo, que não pode ser constatado. Entende-se, desse modo, que nada obstaria que a Súmula n. 37 do STJ servisse também de fundamento para a cumulação de espécies de danos morais. Sustenta-se, pois, que a aludida Súmula funcionaria como uma cláusula que permitiria a livre cumulação de indenizações, sempre que fosse possível a identificação de danos autônomos, não importando sua natureza, se moral ou material.

De qualquer maneira, a questão foi consolidada na já mencionada Súmula n. 387 que, expressamente, estabeleceu ser lícita a cumulação das indenizações oriundas de danos estéticos e morais.

Por fim, cumpre salientar a importância de que seja avaliado pelo juiz, ao julgar o caso concreto, se é possível diferenciar as diversas espécies de dano, independentemente de serem elas de dano material ou moral. No caso de haver possibilidade de serem diferenciados, cada um deles deverá ser indenizado com verba autônoma, a fim de que seja atendido o princípio da reparação integral da lesão causada à vítima.