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Damnum emergens (dano emergente) e lucrum cessans (lucro cessante)

1. ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.5. Damnum emergens (dano emergente) e lucrum cessans (lucro cessante)

O dano patrimonial abrange o dano emergente, mas também o lucro cessante. Este último é, em rigor, identificado com a perda da chance ou oportunidade245, engano que se intentará corrigir ao longo deste item e daquele destinado ao estudo específico da perda de uma chance.

Por ora, é mister ter em mente que o dano emergente (damnum emergens) se refere um dano positivo, representado pela concreta diminuição da fortuna246 do lesado – o que o lesado efetivamente perdeu –, enquanto o lucro cessante (lucrum cessans) diz respeito a um dano negativo, consistente no fato de a vítima ter deixado de auferir um benefício – o aumento que seu patrimônio teria, mas deixou de ter, em razão do evento danoso247. Há, portanto, uma frustração do lucro248.

Em linhas gerais, os lucros cessantes correspondem ao afastamento de uma vantagem esperada ou na imposição de uma perda que poderia ser evitada, enquanto o dano emergente é representado pelo déficit no patrimônio do credor, a concreta redução por este sofrida em sua riqueza249.

Agostinho Alvim consigna, sobre o assunto em pauta, que:

“[...] lucro cessante não é somente aquele que se estancou, como, por exemplo, o que alguém normalmente obtinha, em sua profissão, e não mais poderá obter, em virtude de ato ilícito ou de inexecução de obrigação por parte de outrem.

Lucro cessante é isso: mas também aquele que o credor não obterá, ainda que não viesse obtendo antes.

Por isso, os Códigos e os autores, geralmente, referem-se ao ganho de que o credor ficou privado (cf. Cód. Francês, art. 1.127 etc.).

245 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 64-65. Também Carlos Roberto Gonçalves (Comentáriso ao Código Civil – parte especial do direito das obrigações (arts. 927 a 965), p. 629-631).

246 O termo fortuna é aqui utilizado na sua concepção de riqueza e não de sorte.

247 DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 66. Também Carlos Roberto Gonçalves, op. cit., e Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil – direito das obrigações. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. v. 4, p. 333). 248 TARTUCE, Flávio. Direito Civil – direito das obrigações e responsabilidade civil, v. 2, p. 385. 249 MONTEIRO, Washington de Barros, op. cit., v. 5, p. 334.

Com relação ao dano emergente, ponderamos que ele diz respeito não somente a uma diminuição do ativo, como também a um aumento do passivo”250.

É também interessante a preleção de Silvio de Salvo Venosa, segundo o qual os lucros cessantes são uma projeção contábil que nem sempre se mostram de fácil avaliação, havendo, de qualquer maneira, de se considerar o que o lesado teria auferido em caso de não ocorrência do dano251.

José de Aguiar Dias, no mesmo compasso, assinala que, enquanto os danos positivos ou emergentes possuem base firme, dada sua relação com fatos passados, o lucro cessante se liga a elementos flutuantes, em face da incerteza que sempre domina a quem opere com dados imaginários. Segundo o autor, com segurança, só se podem considerar os resultados que determinam os lucros. O critério acertado estaria em condicionar o lucro cessante a uma probabilidade objetiva, resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos, ligado às circunstâncias peculiares ao caso concreto252.

Em que pese o pensamento do autor, não se enxerga tal fluidez na consideração dos lucros cessantes253 e se pretende mostrar a pouca caracterização probabilística destes mediante um exemplo prático, bastante utilizado pelos doutrinadores quando abordam a matéria. Suponha-se que um taxista tenha seu veículo abalroado por outro motorista, sofrendo pequenos danos físicos, como torção em um dos pulsos, sendo o automóvel danificado em alguns pontos. Os gastos derivados dos cuidados médicos e hospitalares e da reforma do carro são danos emergentes. Vislumbram-se também lucros cessantes porque o

250 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, p. 174.

251 VENOSA, Silvio de Salvo. Responsabilidade civil, p. 30: “O lucro cessante traduz-se na dicção legal, o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Trata-se de uma projeção contábil nem sempre muito fácil de ser avaliada. Nesta hipótese, deve ser considerado o que a vítima teria recebido se não tivesse ocorrido o dano. O termo razoavelmente posto na lei lembra, mais uma vez, que a indenização não pode converter-se em um instrumento de lucro. Assim, no exemplo do veículo sinistrado, temos que calcular quanto seu proprietário deixou de receber com os dias em que não pôde utilizá-lo. Se o automóvel pertencia a um taxista, evidente que o lucro cessante será calculado de forma diversa do que para o proprietário de um veículo utilizado exclusivamente para lazer. Em ambas as hipóteses, porém, haverá prejuízo nesse nível a ser indenizado. O detentor de automóvel particular, por exemplo, pode ter sido obrigado a alugar um veículo no período para manter suas atividades habituais”.

252 AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil, t. II, p. 713: “Para autorizadamente, se computar o lucro cessante, a mera possibilidade não basta, mas também não se exige a certeza absoluta. O critério acertado está em condicionar o lucro cessante a uma probabilidade objetiva resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos conjugados às circunstâncias peculiares ao caso concreto”.

253 Para Carlos Roberto Gonçalves, somente é indenizável o lucro que se tem certeza que teria sido usufruído se não houvesse ocorrido o evento causador do dano (Responsabilidade civil, p. 530).

taxista remanesceu sem trabalhar durante dez dias. Para cálculo do valor devido ao lesado, é verdadeiramente necessário o cálculo de probabilidades? Está-se, de fato, diante de tão grande fluidez? Com efeito, denota tratar-se de realizar o cálculo da média de faturamento diário do taxista e multiplicar pelos dias não trabalhados. Não há necessidade de elucubrações.

É diferente do que ocorre, por exemplo, quando um advogado deixa de interpor um recurso. Nesse caso, será necessário estudar as probabilidades que o cliente teria de ver seu recurso provido no Tribunal competente, e estabelecer a indenização devida com base nessa porcentagem. Nesse último caso, já não se trata de lucros cessantes, mas sim de perda da chance, na qual não há certeza acerca do prejuízo ocorrido. Nos lucros cessantes, caso se lide com probabilidades, estas se encontram em seu grau máximo, não havendo que se falar em incerteza. A perda de uma chance, por sua vez, não constitui uma espécie de lucro cessante, mas sim de um dano emergente. Isso porque, nesse caso, não há o ressarcimento de um lucro que eventualmente poderia se verificar, mas sim o dano atual e certo decorrente da frustração da oportunidade e não propriamente do lucro254.

Questão interessante, para a qual se faz mister dedicar alguns parágrafos, é a dos alimentos indenizatórios, previstos no art. 948 do CC, em específico no que tange ao cumprimento da sentença dos quais decorrem, o qual deve se seguir nos termos do art. 475-Q do CPC.

Analisa-se primeiramente o art. 948 do CC, que determina, ipsis litteris:

“Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”. (sem

grifo no original)

Ressalte-se, preliminarmente, que a prestação de alimentos aos dependentes do falecido é hipótese inegável de lucros cessantes, motivo pelo qual é tratada nesse

254 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil – da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, p. 200. O assunto em comento será estudado com mais profundidade no item 2.13.

momento. O valor desses alimentos é determinado mediante diversos critérios objetivos desenvolvidos pela jurisprudência, variando de acordo com características pessoais do falecido255.

O Código de Processo Civil, após as alterações incluídas pela Lei n. 11.232/2005, admite certa elasticidade no que concerne ao montante dos referidos alimentos, o que se observa da norma transcrita, in verbis:

“Art. 475-Q. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão.

§ 1o Este capital, representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do devedor.

§ 2o O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requerimento do devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz.

§ 3o Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação.

§ 4o Os alimentos podem ser fixados tomando por base o salário- mínimo.

§ 5o Cessada a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas”.

255 Convém salientar que mesmo o falecimento de menor de idade enseja indenização por lucros cessantes, conforme entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula n. 491 do STF (“É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”).

Em conformidade com o disposto no § 3o ora reproduzido, os alimentos indenizatórios inicialmente fixados podem ser alterados em caso de ocorrência de modificações nas condições econômicas. Infelizmente, a norma não esclareceu com relação a quem dizem respeito tais condições: se à vítima, se ao causador do dano, ou se a ambos. Flávio Tartuce sustenta que tais alimentos devem seguir a mesma regra dos oriundos do direito de família, sendo aplicável o art. 1.699 do CC256. Nessa esteira, seria possível a diminuição ou o aumento do montante em comento tanto na hipótese de alteração da situação do credor, quanto na do réu devedor. O autor assegura, ainda, ser possível a exoneração total, quando, v.g., a viúva se casa novamente, sendo possível, assim, a aplicação analógica do art. 1.708, caput, do CC257.

A despeito do entendimento do doutrinador, verificam-se diferenças entre os alimentos decorrentes do direito de família e os de natureza indenizatória, eis que os primeiros se submetem ao binômio “possibilidade-necessidade”258, enquanto os segundos – consoante posição defendida pelo presente estudo – devem corresponder à extensão do dano sofrido pela vítima e não à possibilidade econômica do ofensor259.

De qualquer maneira, demonstrou-se, em linhas anteriores, que os alimentos indenizatórios admitem variação no que tange ao seu montante, o que poderia denotar incoerência com relação à assertiva pretérita deste trabalho de que, ao contrário do que sustenta José de Aguiar Dias260, não há, verdadeiramente, fluidez na consideração dos lucros cessantes. O aparente equívoco é afastado quando se observa que, mesmo no caso desses alimentos, não se está diante de mera probabilidade de dano, sendo desnecessária qualquer análise probabilística. De fato, é evidente que os dependentes do falecido sofreram, com sua morte, um prejuízo material, que pode ser apurado objetivamente pelo

256 O referido dispositivo legal tem a seguinte redação: “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo”.

257 TARTUCE, Flávio. Direito Civil – direito das obrigações e responsabilidade civil, v. 2, p. 395. Sua formulação teórica é arrematada da seguinte maneira: “Em suma, o que se percebe é que os alimentos indenizatórios passam a ser sujeitos às regras relativas às alterações das circunstâncias. Em certo ponto, pode-se até dizer que a cláusula rebus sic stantibus, sempre invocada para a ação de alimentos do Direito de Família, passa a incidir para os alimentos decorrentes de atos ilícitos” (ibidem, v. 2, p. 396). O art. 1.708,

caput, determina que, “com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar

alimentos”.

258 Esse binômio está expresso no § 1o do art. 1.694, quando se determina que: “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”. No entanto, alguns já falam no trinômio proporcionalidade–necessidade–possibilidade, como Maria Berenice Dias (Manual de

direito das famílias. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 432-433).

259 Este assunto será discutido, com outro viés, no item 2.9, alusivo aos critérios de avaliação dos danos morais.

cálculo do montante com que este contribuía para as despesas domésticas. Os valores concedidos à vítima somente se alteram porque as circunstâncias mudam com o passar do tempo, atingindo diretamente a extensão do dano. Verifica-se que as demandas econômicas de uma criança de cinco anos são, em rigor, diferentes daquelas de um jovem de quinze anos, o que, de acordo com o Diploma Processual, deve se refletir sobre o valor da indenização.

Os lucros cessantes, ademais, como ressaltam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, devem ser fortemente comprovados, a fim de que sejam afastadas pretensões de litigantes inescrupulosos, que busquem o recebimento de quantias absurdas261. Isso demonstra que, nos Tribunais, meras conjecturas sobre lucros cessantes não serão indenizadas.

É interessante ainda mencionar entendimento de Sérgio Severo, qual seja, o de que ambos os conceitos – dano emergente e lucros cessantes – se aplicam à esfera dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais262. Propugna-se que tal assertiva é inadmissível, pois como dividir o dano moral em dano emergente e lucro cessante se o dano moral nem ao menos pode ser indenizado, na acepção própria da palavra – tornar-se indene –, mas tão somente compensado?

Por fim, acerca da expressão utilizada com frequência, e já consagrada no Direito brasileiro, perdas e danos, Agostinho Alvim observa que esta é incorreta, uma vez que os termos perdas e danos são sinônimos, que designam somente o dano emergente. A expressão francesa (dommages et intérêts) seria mais conveniente, por designar o dano emergente (diminuição) e o lucro cessante (privação de aumento)263.

261 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil – responsabilidade civil, p. 42: “Claro está que o dano emergente e os lucros cessantes devem ser devidamente comprovados na ação indenizatória ajuizada contra o agente causador do dano, sendo de bom alvitre exortar os magistrados a impedirem que vítimas menos escrupulosas, incentivadoras da famigerada ‘indústria da indenização’, tenham êxito em pleitos absurdos, sem base real, formulados com o nítido propósito, não de buscar ressarcimento, mas de obter lucro abusivo e escorchante”.

262 SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais, p. 224. No mesmo sentido, Sílvio Neves Baptista (Teoria

geral do dano de acordo com o novo Código Civil brasileiro, p. 87). Para corroborar seu entendimento, o

autor fornece o exemplo do erro médico do qual se origina incapacidade para o trabalho. Nesta hipótese, sustenta que o dano moral a ser reparado não consiste somente na ofensa corporal, mas também na privação dos ganhos da atividade laboral. Ocorre que, no caso, o doutrinador se equivoca porque está tomando típico dano material por extrapatrimonial, o que não se justifica.