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Responsabilidade do profissional que atua como servidor público

3. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL POR ATO PRÓPRIO E POR

3.5. Responsabilidade do profissional que atua como servidor público

Observa-se que, quando se trata de profissional que presta serviço para pessoa jurídica de direito público na condição de servidor público, isto é, de modo não eventual, sob vínculo de dependência econômica com o Poder Público, e tendo ingressado no cargo mediante concurso público ou sendo nomeado em comissão534, a prestação de serviço possui uma característica particular: a função pública535, a despeito de existirem servidores públicos que não estão submetidos ao regime estatutário, mas sim vinculados por contratos de trabalho submetidos às normas da CLT536.

A exegese gramatical da lei evidencia que o Estado deveria responder objetivamente pelos atos de tais agentes, com fundamento na teoria do risco administrativo, ínsita no art. 37,§ 6o, da CF537, bem como no art. 43 do CC538. Com efeito,

532 O art. 1o da referida lei define o que vem a ser estágio: “[...] Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos”. [...] § 2o O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho”.

533 Conforme art. 3o da norma em comento.

534 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 256. 535 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – contratos, declaração unilateral de vontade, responsabilidade civil, p. 378.

536 O conceito de servidor público compreende duas principais categorias de agente público: os servidores estatutários, que se submetem a um estatuto, do qual decorrem direitos e obrigações; e os empregados públicos, que são contratados sob o regime da CLT (ARAÚJO, Edmir Netto de, op. cit., p. 267-273).

537 O parágrafo em comento possui a seguinte redação: “§ 6o. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa”. 538 Conforme dicção do dispositivo: “Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.

os dispositivos em comento não exigem que o servidor atue culposamente para que haja a responsabilização do órgão público; apenas estabelecem que, caso tenham atuado com dolo ou culpa, poderão ser condenados a ressarcir os prejuízos causados ao Estado em ação regressiva.

Ocorre que, como poucas vezes a exegese gramatical é a mais adequada, observa-se que a doutrina é manifestamente favorável ao entendimento de que somente haverá responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público quando se verificar erro profissional539. Verifique-se, nesse sentido, tratando da responsabilidade do médico, o entendimento de Miguel Kfouri Neto540, bem como de Ana Cláudia Vergamini Luna e Rita de Cássia Gimenes Arcas. As doutrinadoras sustentam que o Estado responde objetivamente somente por ato próprio decorrente de prestação de atendimento médico, como, por exemplo, pela falta de vagas para internação do paciente; no entanto, para a responsabilização por ato do médico, é necessária a ocorrência de faute du service. Exige- se, assim, segundo ambas as autoras, a comprovação da falha dos agentes estatais na prestação do serviço de natureza médica541.

Ruy Rosado de Aguiar Jr. partilha do mesmo pensamento, ao aduzir que, no caso de prestação de serviços médicos, é melhor que o Estado somente seja responsabilizado pela culpa no serviço. E justifica: “não parece razoável impor ao Estado o dever de indenizar dano produzido por serviço público cuja ação, sem nenhuma falha, tenha sido praticada para beneficiar diretamente o usuário”542. A jurisprudência predominante caminha no mesmo sentido, com poucas decisões em contrário, nas quais o Estado é condenado, independentemente da culpa do profissional543.

539 Silvio de Salvo Venosa esposa entendimento em sentido contrário, sustentando que o Estado responde de forma objetiva, independentemente de culpa do profissional (Direito Civil – responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003a. t. IV, p. 96).

540 KFOURI NETO, Miguel. A responsabilidade civil dos hospitais, p. 123.

541 LUNA, Ana Cláudia Vergamini; ARCAS, Rita de Cássia Gimenes. Responsabilidade civil do Estado e a atividade médica. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz (Coord.). Ensaios sobre responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Magister, 2007. p. 29.

542 AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. Revista dos Tribunais, v. 84, n. 718, p. 46.

543 TJRS. 5a Câmara Cível. Ap. 70025517665. Rel. Jorge Luiz Lopes do Canto. j. 12.11.08. v.u.; TJRJ. 1a Câmara Cível. Ap. 0071173-43.2004.8.19.0001. Rel. Fábio Dutra. j. 19.10.10. v.u.; TJSP. 7a Câmara Cível. Ap. 990.10.181727-6. Rel. Coimbra Schmidt. j. 28.06.10. v.u. Em sentido contrário, determinando a responsabilidade objetiva do Estado, com fundamento no risco administrativo, sem discussão da culpa do médico, verifique-se TJRJ. 7a Câmara Cível. Ap. 0044374-84.2009.8.19.0001. Rel. José Geraldo Antônio. j. 13.10.10. Do mesmo modo: TJSP. 5a Câmara de Direito Público. Ap. 994.03.041129-5. Rel. Xavier de Aquino. j. 25.10.10. v.u., decisão em que o hospital foi responsabilidade objetivamente e a responsabilidade do médico excluída. Em virtude do interesse da decisão, segue transcrita a ementa (dividida em duas partes):

As considerações aqui formuladas se aplicam também ao advogado que atua como agente público, inclusive por meio de convênio eventualmente celebrado entre a Procuradoria do Estado e a Ordem dos Advogados544, bem como outros profissionais liberais.

O entendimento predominante, com efeito, é o mais acertado, pois não se pode admitir que, diante de uma mesma situação fática, a vítima não seja indenizada quando atendida por um profissional autônomo, mas poderia o ser se o profissional atuasse na condição de servidor público. Verifique-se que a situação será diferente se os danos forem causados em razão das más condições em que são mantidos os estabelecimentos públicos; nesse caso, estar-se-á diante de responsabilidade direta do Estado, e não decorrente de atos de seus agentes, que devem atuar de acordo com as possibilidades oferecidas pela pessoa jurídica de direito público competente.

Caso não seja exigida a comprovação de culpa do profissional, a vítima poderá demandar diretamente o Estado, bastando para isso que demonstre a relação de causalidade entre a atuação do órgão público e o dano por ela experimentado. Seguindo-se, porém, a doutrina majoritária, será necessária, em acréscimo, a indicação da atuação culposa do agente público. Da mesma forma, caso deseje demandar diretamente o profissional, deverá demonstrar a ocorrência de culpa. Por fim, ainda é possível que a ação de reparação do

“DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E CIVIL – AÇÃO ORDINÁRIA – INDENIZAÇÃO – UNIDADE DE SAÚDE MUNICIPAL – PACIENTE MENOR – CRISE CONVULSIVA EPILÉTICA – APLICAÇÃO DE INJEÇÃO NA ARTÉRIA RADIAL DO PULSO ESQUERDO – AMPUTAÇÃO DA MÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – PREFEITURA – EXISTÊNCIA – MODALIDADE OBJETIVA – O Município responde objetivamente pelos danos que seu agente, o médico, causou, nessa condição, ao autor, conforme o art. 37, § 6o, da Constituição Federal. Basta haver a ação (injeção na artéria radial do pulso), o nexo causal (aplicação da injeção no pulso esquerdo) e o dano (amputação do membro) – Pensão mensal devida proporcional à redução do patrimônio físico – Juros moratórios fluem a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ e art. 962 do Código Civil de 1916) – Danos morais e estéticos devidos – Honorários advocatícios reduzidos para 10% (dez por cento) do valor da condenação”; “MÉDICO – DOLO OU CULPA – INEXISTÊNCIA – RESPONSABILIDADE – EXCLUSÃO – Correndo iminente risco de morte a criança, não se encontrando a sua veia e inexistindo os outros indispensáveis e mínimos meios na Unidade de Saúde, não haverá outra conduta a ser praticada pelo médico, senão tentar salvar o menor, mesmo pondo em risco a sua mão. O profissional João Pedro Jungers Mello Júnior, portanto, não atuou com dolo nem culpa. Pelo contrário, foi diligente, dentro das condições precárias de trabalho, valendo-se de seus conhecimentos técnicos para salvar a vida do paciente e tentar, em seguida, preservar a sua mão esquerda. Excluída a culpa ou o dolo, inexiste responsabilidade civil – Dá-se provimento ao recurso de João Pedro Jungers Mello Júnior e dá-se parcial provimento ao recurso voluntário da Prefeitura bem como ao reexame necessário, julgando-se prejudicada a Medida Cautelar no 994.08.091033-1, em que se buscava antecipação dos efeitos da tutela aqui concedida”. Também com responsabilização da Municipalidade, mas não a dos médicos que atuaram no tratamento do paciente: TJSP. 9a Câmara de Direito Público. Ap. 994.08.179861-3. Rel. Sérgio Gomes. j. 27.01.10. v.m. (O voto vencido, do Desembargador Oswaldo Luiz Falu, foi no sentido de responsabilização também dos médicos, tendo reconhecido atuação negligente dos profissionais.)

dano seja proposta, ao mesmo tempo, em face do funcionário e da pessoa jurídica, em litisconsórcio facultativo545.