• Nenhum resultado encontrado

Teoria da Causalidade Direta ou Imediata

1. ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

1.3. Relação de causalidade ou nexo causal

1.3.3. Teoria da Causalidade Direta ou Imediata

A teoria da causalidade direta ou imediata foi estudada com mais profundidade, no Brasil, por Agostinho Alvim103, que sustenta ter sido esta a teoria adotada pelo Código Civil de 1916, em seu art. 1.060104, norma essa que veio a ser praticamente repetida no art. 403 do Código Civil hodierno. O autor debruçou-se no estudo da matéria particularmente com a finalidade de determinar o alcance da expressão “direto e imediato” utilizada pelo dispositivo legal.

A aplicação da teoria da causalidade direta e imediata consiste na identificação da causa somente como o evento necessário para a consecução do dano, o qual seria, em conclusão, uma consequência direta e imediata do referido evento105. A expressão “direto e

coisas, se o fato ocorrido no caso concreto pode ser considerado, realmente, causa do resultado danoso”. No mesmo sentido, Gisela Sampaio da Cruz (O problema do nexo causal na responsabilidade civil, p. 83). Jorge Mosset Iturraspe relata que, também na Argentina, vários doutrinadores criticam o excessivo arbítrio concedido ao juiz pela teoria da causalidade adequada, a despeito do fato de que a corrente majoritária se inclina pela adoção desta pelo art. 906 do CC argentino (Responsabilidad por daños – parte general, t. I, p. 220). O artigo em comento possui a seguinte redação: “Art. 906. En ningún caso son imputables las consecuencias remotas, que no tienen con el hecho ilícito nexo adecuado de causalidad” (Tradução livre: “Em nenhuma hipótese são imputáveis as consequências remotas, que não têm com o ato ilícito nexo adequado de causalidade”).

102 Se, por exemplo, há mais de uma causa adequada e essas causas são sucessivas, a teoria não formulou resposta no que tange à determinação de quem deve reparar o dano.

103 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, p. 330-355.

104 O artigo em referência possui a seguinte redação: “[...] Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”.

105 A teoria da causalidade direta ou imediata comportou diversas subteorias que não são estudadas no presente Capítulo, em decorrência de seu já mencionado caráter meramente introdutório. No entanto, cumpre salientar que a necessariedade da causa é somente uma das diversas escolas da teoria que surgiram na Itália, tendo sido, igualmente, a defendida por Robert Joseph Pothier – conhecido tão somente como Pothier – na

imediato” constitui-se, portanto, em um defeito de linguagem do Código106, que não representa o espírito da lei, motivo pelo qual os termos devem ser interpretados como o nexo causal necessário107.

Segundo essa teoria deve-se analisar a necessariedade da circunstância, ou seja, deve haver a certeza de que, sem ela, o dano não teria sido produzido, de modo que se excluem prejuízos ulteriores, oriundos de novas causas, sempre que estas não sejam efeito imediato e direto da conduta do ofensor.

Somente são consideradas, assim, as causas que se ligam ao dano de maneira mais necessária do que com relação a outras condições108. Saliente-se, contudo, que nem sempre a causa direta e imediata é mais próxima. A necessariedade não se relaciona com a distância temporal109.

Também faz parte dessa teoria a concepção de que, ocorrendo a interrupção do nexo causal original por causa superveniente independente da cadeia de acontecimentos, não haverá responsabilização do primeiro agente, mas tão somente a daquele que gerou a interrupção do nexo por meio de outra conduta. Considera-se fato independente a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, ou, ainda, o caso fortuito e a força maior110.

Para esclarecer o que poderia configurar a interrupção do nexo causal, utiliza-se um simples exemplo: José e João têm uma discussão que resulta em lesões corporais graves para o primeiro deles. José é, então, colocado em uma ambulância para que seja encaminhado a um hospital. Ocorre que, em consequência de um acidente de trânsito provocado por Alfredo, a ambulância sofre uma capotagem, o que resulta no falecimento de José. Em tal situação, houve rompimento do nexo causal entre o dano final e o primeiro

interpretação do art. 1.151 do CC francês (Oeuvres completes de Pothier: traité des obligations. Paris: Langlois. 1844. v. 2, p. 262), bem como considerada a mais pertinente por Agostinho Alvim (Da inexecução

das obrigações e suas conseqüências, p. 338), de modo que acabou por influenciar outros doutrinadores

pátrios.

106 NORONHA, Fernando. O nexo de causalidade na responsabilidade civil. Revista dos Tribunais, v. 92, n. 816, p. 735: “Vejamos mais um exemplo simples, demonstrativo da necessidade de dar ao art. 403 um sentido diverso do literal. Se um profissional tem um veículo que é absolutamente necessário para o seu trabalho e se ele é danificado num acidente, o aluguel de outro veículo, que ele tiver de fazer para continuar trabalhando, não é efeito direto e imediato do acidente, mas ninguém duvidará da necessidade de ser incluído entre os danos (no caso, emergentes) suscetíveis de ressarcimento”.

107 ALVIM, Agostinho, op. cit., p. 341/351: “Códigos posteriores reportam-se à necessariedade, que não é uma evolução da idéia de dano direto e imediato, mas a mesma idéia, diversamente exprimida, apenas com maior precisão, tanto assim, que todos se apóiam em Robert Joseph Pothier, cuja regra e exemplos repetem”. Em seguida, assinala que: “Finalmente, essa é a interpretação que se deve dar ao art. 1.060 do nosso Código, fiel tradução do art. 1.151 do Cód. Napoleão”.

108 CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil, p. 102. 109 ALVIM, Agostinho, op. cit., p. 346.

acontecimento, qual seja, a lesão corporal grave. O único responsabilizado pelo ressarcimento do dano será, portanto, Alfredo, e não mais João.

Essa teoria, da mesma forma que as demais, também não escapou incólume das críticas da doutrina. Segundo Fernando Noronha111, a equiparação da expressão “efeito direto e imediato” a “efeito necessário” é questionável, mesmo levando-se em consideração que ela já estava presente nos ensinamentos de Robert Joseph Pothier112; ademais, entende que a exigência da necessariedade da causa reduz excessivamente a obrigação de indenizar. A esse respeito, o doutrinador tece os seguintes comentários:

“Nos termos em que A. ALVIM formulou a teoria da causalidade

necessária, seria possível dizer que a causa do dano é a condição necessária e suficiente dele: é condição necessária, porque sem ele não teria havido dano (“ele a ela se filia”, nas palavras de ALVIM);

é condição suficiente, porque sozinha era idônea para produzir o resultado (“por não existir outra que explique o mesmo dano”, com “exclusividade”, no dizer do Mestre). Todavia, exigir que um fato seja condição não só necessária como também suficiente de um dano, para que juridicamente possa ser considerado sua causa, parece excessivo. É que dificilmente encontraremos uma condição à qual o dano possa com exclusividade ser atribuído”.113

De fato, as críticas formuladas por Fernando Noronha não são desarrazoadas. Entende-se, contudo, que não é necessária a escolha de uma única causa, uma vez que a teoria em comento, a despeito da interpretação realizada pelo autor, não exclui a existência de causas concorrentes. Eventual rigor da teoria, ainda, pode ser amenizado pelo magistrado na análise do caso concreto. O que importa é que os estudos desenvolvidos por Agostinho Alvim114 trouxeram critérios mais seguros para o estabelecimento do nexo de causalidade, bem como de quando este se interrompe.

Por fim, é oportuno ressaltar que a interrupção do nexo de causalidade que aqui se menciona não tem qualquer relação com a ressarcibilidade do dano reflexo ou em

111 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações – introdução à responsabilidade civil, p. 597/598.

112 POTHIER, Robert Joseph. Oeuvres completes de Pothier: traité des obligations, v. 2, p. 262-263. 113 Ibidem, p. 597/598.

ricochete, que será abordado com mais profundidade no próximo capítulo. Apenas para que fique clara a diferença entre as duas hipóteses, devem ser feitas algumas observações sobre essa espécie de dano.

No dano reflexo, está-se diante de um único evento danoso que gera dois tipos de vítima: uma direta e imediata e outra em ricochete. É o que ocorre, v.g., na hipótese de homicídio de vítima que provia alimentos a terceiros. A vítima direta, sem dúvida, é o assassinado, mas os terceiros também são considerados vítimas, pois deixarão de receber os alimentos que eram pagos pelo falecido. Em situações semelhantes, admite-se a concessão de indenização aos terceiros.

Já no caso da interrupção do nexo de causalidade abordada pela teoria da causalidade direta e imediata, há dois eventos danosos consecutivos, em que a independência do segundo faz gerar o rompimento do nexo de causalidade entre a primeira ocorrência e o dano final. Evidencia-se, portanto, que a aplicação da teoria da causalidade direta e imediata não impede o ressarcimento de danos reflexos.