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A avaliação do dano estético

1. ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.11. A avaliação do dano estético

A questão dos critérios para a compensação do dano moral já foi apresentada no item 2.9 – o que se fará nesse momento é apenas direcionar o enfoque do estudo para a avaliação do dano estético, providência necessária em razão de suas peculiaridades em relação às outras espécies de danos morais.

Deve ficar claro, preliminarmente, que, não obstante a referida mudança de enfoque, continua-se propugnando pela extensão do dano como critério mais importante para a avaliação, rejeitando qualquer consideração alusiva ao grau de culpa do ofensor, por não se admitir a função punitiva do dano moral, conforme asseverado. Entende-se que somente os elementos atinentes às condições pessoais da vítima e à dimensão do dano devem ser considerados para o estabelecimento da indenização em concreto376, enquadrando-se aqui a análise das ocupações da vítima, intensidade da lesão, localização da deformidade, seu caráter estático ou dinâmico377, suscetibilidade ou não de ser corrigida378, idade do ofendido, entre outros de natureza semelhante379.

Não é assim, porém, que se posiciona a maior parte da doutrina.

Teresa Ancona Lopez, v.g., lista como critérios importantes a gravidade objetiva do dano – extensão material do dano no caso particular – e as circunstâncias particulares do ofendido, não podendo as últimas se sobressair à primeira porque, segundo a autora, é a extensão do dano que dá a medida da indenização380.

Com esse entendimento, a doutrinadora relaciona os seguintes parâmetros:

376 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana – uma leitura civil-constitucional dos danos morais, p. 332. A autora, ao tratar genericamente da reparação de danos morais, ressalta a importância da análise das condições pessoais da vítima e da dimensão do dano, rechaçando os critérios próprios do juízo de punição, representados pela análise das condições econômicas do ofensor e a gravidade da culpa. Acrescenta que tampouco são relevantes os seguintes critérios: “proporcionalidade entre a vantagem de quem praticou o ato lesivo e o prejuízo causado a terceiro; a utilidade (interesse) para quem o praticou ou a mera intenção de prejudicar o outro” (ibidem, p. 333).

377 O caráter dinâmico se evidencia quando a vítima se movimenta, como ocorre com o andar claudicante. 378 Não se olvide, porém, a impossibilidade de imposição de intervenção cirúrgica corretiva.

379 DIAS, João Antônio Álvaro. Dano corporal – quadro epistemológico e aspectos ressarcitórios, p. 377. 380 LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético – responsabilidade civil, p. 101-103.

• o grau de culpa do ofensor;

• a extensão do dano objetivamente considerado;

• as circunstâncias particulares do ofendido – sexo, idade, condições sociais, beleza, situação familiar;

• a perda das chances de vida e dos prazeres da vida social ou da vida íntima;

• a igualdade de tratamento dos sexos;

• as condições do ofensor, sempre ressaltando que a responsabilidade civil não foi criada para enriquecer a vítima, mas sim compensar o dano, não se esquecendo, todavia, que o valor da indenização deve ser de monta suficiente para desencorajar o lesante da prática de outros atos ilícitos381.

A autora, como se pode observar, apresenta alguns critérios divergentes dos preconizados por este estudo por se relacionarem com a consideração da natureza punitiva do dano moral, como os parâmetros de grau de culpa do ofensor e as condições sociais do ofendido382 e do ofensor. Considera-se também que não é função da indenização desencorajar o lesante da prática de novos atos ilícitos. Além disso, não seria possível deixar de enriquecer a vítima, se for concedida verba suplementar para que seja cumprida a aludida função de reprovação383.

381 LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético – responsabilidade civil, p. 109.

382 Maria Celina Bodin de Moraes critica severamente esse critério por considerar que ele apresenta mais iniquidades do que soluções para a determinação do quantum indenizatório dos danos morais, entendimento esse que é adotado na íntegra pelo presente estudo. De fato, a autora aduz que: “Tanto a suposição de que pessoas de classes diferentes ‘sofrem’ em valores (quantias) diferentes quanto a de que todas as pessoas têm os mesmos sentimentos (donde concluir que não é cabível especificar-se, em relação ao caso concreto, a indenização) decorrem da errônea suposição de que é o ‘sentimento’ o que deve ser avaliado. Daí, aliás, o engano profundo em que recaem todas as decisões que se arrogam conjecturar sobre os sentimentos dos outros e acabam julgando apenas com base na aparência, isto é, com base nas condições econômicas da vítima e do ofensor” (Danos à pessoa humana – uma leitura civil-constitucional dos danos morais, p. 300). A doutrinadora conclui a abordagem da questão nos seguintes termos: “Se a vítima vive em más condições econômicas, isto não significa que ela estará fadada a apresentar para sempre tais condições. Pior, o argumento mais utilizado para justificar a adoção do critério da condição econômica da vítima – o que diz tratar-se de evitar enriquecimento sem causa – parece configurar um mero pretexto. Ora, a sentença de um juiz, arbitrando o dano moral, é razão jurídica mais do que suficiente para impedir que se fale, tecnicamente, de enriquecimento injustificado. O enriquecimento, se estiver servindo para abrandar os efeitos nefastos de lesão à dignidade humana, é mais do que justificado: é devido” (ibidem, p. 301-302).

383 Yussef Said Cahali (Dano moral, p. 261-265), em entendimento bastante semelhante ao de Teresa Ancona Lopez, aponta alguns fatos e circunstâncias, em casos de dano à integridade física e psíquica, que deveriam informar o convencimento judicial. São elas: 1. a natureza da lesão e a extensão do dano, critério considerado fundamental por este estudo, e, de certo modo, único; 2. as condições pessoais do ofendido, de suma importância para a avaliação da extensão do dano e, principalmente, para a avaliação do dano estético; 3. as

René Savatier, por sua vez, concentra-se mais nas condições da vítima, asseverando que o dano corporal deve ser apreciado tendo-se em vista a idade da vítima, as suas capacidades intelectuais e físicas de ganho, de seu sexo – particularmente importante na consideração do dano estético –, de seus hábitos anteriores e de sua condição social384. Destaca-se mais uma vez a crítica já feita ao critério da condição social da vítima, do qual se diverge; no que tange aos demais pressupostos, decorrentes da avaliação das características específicas da vítima, estes são de suma importância para a avaliação do dano estético.

Roberto Brebbia coloca a questão da mesma forma, sustentando que outros fatores como idade, sexo, profissão e condição social têm importância singular para determinar a magnitude do agravo moral produzido pela lesão estética. Entende que a gravidade do dano patrimonial não será igual em uma mulher e um homem, em um adolescente e um ancião, em uma mulher solteira e uma casada, em uma pessoa que tenha constante vida social e outra que viva isolada de qualquer contato. Acrescenta, ainda, que a perda de “chance matrimonial” como consequência de uma lesão estética configura verdadeiro dano extrapatrimonial constituído pelo sofrimento moral que causa à vítima a incerteza de se poder realizar esse ato “transcendental”, base da instituição familiar385. O que o autor preconiza, em termos gerais, é que o valor da indenização deve variar de acordo com as condições pessoais do ofendido. Com efeito, as aludidas condições são o principal critério para determinar a extensão do dano. No tocante à diferença do dano sofrido por uma mulher solteira e uma casada, esta consiste, evidentemente, em um absurdo e somente poderia ser concebida em uma sociedade muito diferente da brasileira. Da mesma forma, com relação à aclamada “perda de chance matrimonial”, considera-se de bom alvitre ignorá-la, pois se trata de preceito bastante em desuso, o que acaba por torná-lo critério sem qualquer serventia.

Por fim, em adição às conclusões apresentadas neste estudo, acerca da importância da avaliação da extensão do dano e condições pessoais do lesado, resta acrescentar que, no

condições pessoais do responsável, não no sentido de buscar uma função punitiva do dano moral, mas para que não se arbitre valor em quantia muito aquém das condições econômicas do responsável – diverge-se desse critério, conforme consignado; 4. a equidade, a cautela e a prudência, para que a indenização não leve o ofensor à ruína e o ofendido ao enriquecimento ilícito; 5. a gravidade da culpa, critério esse de caráter punitivo, com o qual não se concorda; 6. e o arbitramento em função da natureza e finalidade da indenização, que, da mesma forma, tem caráter punitivo, mas também aspecto pedagógico, aspecto esse que também não se admite.

384 SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile en Droit français, p. 104.

385 BREBBIA, Roberto H. El daño moral – doctrina, legislación, jurisprudencia, precedida de una teoría jurídica del daño. 2. ed. Buenos Aires: Orbir, 1967. p. 293.

caso da reparação do estético, torna-se ainda mais importante a consideração das características físicas e profissionais da vítima, pois isso será essencial para a avaliação de sua extensão. Na hipótese de se configurar o dano estético uma piora ou abalo negativo na aparência do indivíduo, sendo ele portador de maior beleza, decerto, sofrerá mais do que outro, não tão belo, com uma mesma cicatriz, por exemplo, o que não significa que o dano provocado à pessoa menos favorecida do ponto de vista estético deva ser afastado ou desmerecido. O que ocorre é que, tratando-se o lesado de, v.g., uma modelo fotográfica, que aufere renda com sua aparência, o dano estético adquire também caráter de dano material, devendo ser ressarcido de acordo com o que foi perdido pela vítima e o que ela deixou de ganhar – dano emergente e lucros cessantes.