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1. ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.2. O dano ressarcível

Apresentado seu conceito, faz-se necessário esclarecer que nem todo dano é ressarcível, ou passível de reparação221. Para que haja indenização do dano, exigem-se alguns requisitos.

Em primeiro lugar, é necessária a diminuição ou a destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral, pertencente a uma pessoa, pois a noção de dano pressupõe a existência da vítima222.

do patrimônio, este considerado como o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Esse doutrinador apresenta, assim, um conceito puramente material do patrimônio, ainda que considere a possibilidade de o dano ser moral, se visto em seu sentido amplo(Da inexecução das obrigações

e suas conseqüências, p. 172).

221 Já que se mencionou a palavra ressarcível, convém diferenciar os termos ressarcimento, reparação e

indenização, os quais são utilizados, em rigor, como sinônimos, mas que, ao menos teoricamente, dizem

respeito a hipóteses jurídicas diferentes. Carlos Roberto Gonçalves sustenta que: “Ressarcimento é o pagamento de todo prejuízo material sofrido, abrangendo o dano emergente e os lucros cessantes, o principal e os acréscimos que lhe adviriam com o tempo e com o emprego da coisa. Reparação é a compensação pelo dano moral, a fim de minorar a dor sofrida pela vítima. E a indenização é reservada para a compensação do dano decorrente de ato ilícito do Estado, lesivo do particular, como ocorre nas desapropriações. A Constituição Federal, contudo, usou-a como gênero, do qual o ressarcimento e a reparação são espécies, ao assegurar, no art. 5o, V e X, indenização por dano material e moral” (Comentários ao Código Civil – parte especial do direito das obrigações (arts. 927 a 965), p. 279). Sílvio Rodrigues assevera que indenizar significa ressarcir o prejuízo, nos termos do art. 402 do CC, referindo-se a qualquer tipo de dano (Direito Civil – responsabilidade civil, v. 4, p. 29). Prefere-se, aqui, utilizar as expressões pré-citadas nas acepções indicadas pela Constituição Federal, reservando o termo ressarcimento para os danos materiais e reparação para os danos morais que, a bem da verdade, não podem ser ressarcidos, mas apenas compensados (vide TARTUCE, Flávio. Direito civil – direito das obrigações e responsabilidade civil, v. 2, p. 384). No que tange à

indenização, trata-se de palavra que já está efetivamente consagrada no campo da responsabilidade civil,

configurando-se muito artificial caso fosse empregado para as hipóteses de desapropriação. Ressalte-se, ademais, consoante lembra José Fernando Simão, indenizar é tornar indene, ou seja, “repor aquilo que foi tirado, diminuído” (Vícios do produto no novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, p. 159). 222 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 62.

O dano deve, ainda, ser certo no tocante à sua existência, o que não significa que o deva ser também com relação à sua atualidade223. O dano certo é o dano real ou decorrente de efetiva probabilidade de incidência futura224. Este pode ser atual, quando corresponde àquilo que foi efetivamente perdido; ou futuro, isto é, potencial, desde que seja consequência necessária, certa, inevitável e previsível da ação225.

De acordo com René Savatier, o dano incerto é aquele cuja existência mesma não se encontra estabelecida226. O autor explica, ainda, que se trata de dano eventual, cuja realização é incerta, que se contrapõe ao dano atual, e não o dano futuro227. No que tange à determinação do dano, o autor em comento assinala que o dano indeterminado também pode ser indenizado, devendo o magistrado fazer uma determinação provisória e sujeita a revisão ou revisões periódicas228.

O dano poderá ser direto ou indireto em relação ao fato gerador. Será direto se for resultante do fato lesivo, atingindo a vítima no contexto de uma relação causal, e indireto se consistir em uma consequência da perda mediatamente sofrida pelo lesado, representando repercussão ou efeito da causa em outros bens que não os diretamente atingidos pelo fato lesivo. Trata-se do chamado dano por ricochete229.

Caio Mário da Silva Pereira afirma que o dano reflexo ou em ricochete ocorre quando o agente sofre as consequências de dano causado à vítima principal. Não seria, portanto, o caso de responsabilidade indireta, decorrente de fato de terceiro. Acrescenta que, nessa espécie de dano, haverá duas vítimas e duas ações, fundadas em um só fato danoso, podendo ele ser moral ou pecuniário230. No tocante à sua ressarcibilidade, conclui que “é reparável o dano reflexo ou em ricochete, dês231 que seja certa a repercussão do

223 Carlos Roberto Gonçalves afirma que o dano ressarcível deve ser certo e atual, mas em seguida pondera que um dano futuro pode ser indenizado, desde que não seja meramente hipotético ou eventual (Comentários

ao Código Civil – parte especial do direito das obrigações (arts. 927 a 965), p 277, e Responsabilidade civil,

p. 530). Na mesma esteira, Silvio de Salvo Venosa (Responsabilidade civil, p. 28). 224 SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais, p. 224.

225 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 62.

226 SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile en Droit français, Paris, 1939. t. II, p. 97: “Le dommage matériel doit être considére comme certain toutes les fois que le responsable a lesé un droit patrimonial determiné et établi”. (Tradução livre: “O dano material deve ser considerado certo todas as vezes em que o responsável lesou um direito patrimonial determinado e estabelecido”.)

227 Ibidem, p. 98: “le prétendu prejudice futur n’est que la manifestation future d’un prejudice parfaitement présent”. (Tradução livre: “o pretendido prejuízo futuro é [não deixa de ser] a manifestação futura de um prejuízo perfeitamente presente”.)

228 SAVATIER, René, op. cit., p. 100. 229 DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 63/67.

230 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 41-42. 231 A palavra em comento realmente é grafada desta maneira pelo autor. Trata-se de uma forma reduzida, arcaica, de “desde”, porém em desuso.

dano principal, por atingir a pessoa que lhe sofra a repercussão, e esta seja devidamente comprovada”232. Exemplo já clássico de dano em ricochete indenizável é o dano moral provocado aos parentes mais próximos da vítima em caso de homicídio desta.

Além dos três principais requisitos retromencionados, Maria Helena Diniz acrescenta os seguintes:

• a subsistência do dano no momento da reclamação do lesado;

• a legitimidade, no sentido de que a vítima deverá ser titular do direito atingido – os titulares podem ser os lesados ou seus beneficiários233; e

• a ausência de causas excludentes de responsabilidade – caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima234.

Deve-se, no entanto, analisar com cuidado tal assertiva – no que tange ao primeiro item –, já que é possível um dano moral, v.g., não mais subsistir no instante da reclamação, mesmo que tenha ocorrido em momento pretérito, sendo ainda indenizável. Verifique-se a hipótese de inserção indevida do nome da vítima em rol de devedores. Mesmo que a ação seja proposta após a retirada do nome da referida lista, ainda será o caso de concessão de indenização. No tocante aos demais requisitos apresentados pela autora pré-citada, esses estão relacionados com outros pressupostos da responsabilidade civil, que não propriamente o dano.

Carlos Alberto Bittar apresenta os requisitos de maneira diferente, sustentando que é ressarcível:

• o dano atual – e não remoto –, aceitando também o dano futuro ou a perda de oportunidade, desde que consequências certas e previsíveis da ação violadora;

• o dano certo – definido ou determinável;

• o dano pessoal, mas também admissível aquele ocasionado a pessoas da família; e

• o dano direto, igualmente sendo possível acolher-se o dano derivado ou reflexo235.

232 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 43.

233 Nesse sentido, verifique-se, por exemplo, o art. 12, parágrafo único, e o art. 20, parágrafo único, ambos do CC.

234 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 64. 235 BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil – teoria e prática, p. 8.

Trata-se de uma eficiente síntese da matéria.

Anderson Schreiber apresenta outra proposta de análise da reparabilidade ou ressarcibilidade dos danos, a qual, por ser verdadeira inovadora, é digna de menção. Seu método de aferição do dano passa por quatro etapas. A primeira delas consiste no exame abstrato do mérito da tutela do interesse lesado, isto é, faz-se mister verificar se o interesse deve efetivamente ser tutelado. Se não for o caso, não há dano em sentido jurídico, ainda que a vítima possa ter sofrido prejuízo em sentido vulgar, como ocorre, v.g., quando parte do produto de roubo do ladrão é subtraído por seu comparsa. A segunda etapa consiste no exame do mérito de tutela do interesse lesivo, eis que podem existir razões que justifiquem a conduta do ofensor. É o que acontece com o direito à imagem e o direito à liberdade de expressão: o direito à imagem ampara a vítima, ao passo que a liberdade de expressão o faz com relação ao ofensor. Isso não se verificará, contudo, se a conduta lesiva for expressamente proibida, quando, então, a questão já estará resolvida. Não sendo a conduta do ofensor vedada pelo ordenamento, passa-se à terceira etapa, na qual deve o magistrado apurar se há uma regra legal de prevalência entre os interesses conflitantes. Um exemplo de regra semelhante é a do art. 20 do CC, que estabelece a prevalência do interesse à administração da justiça em relação ao interesse à própria imagem. Se a regra de prevalência é inferior hierarquicamente aos interesses protegidos – estes podem estar previstos constitucionalmente, ao passo que a regra de prevalência consta de legislação federal, v.g. –, ainda é possível discutir sua validade, ou mesmo adequação; caso contrário, a área de atuação legítima já está definida. Na maior parte das vezes, porém, a prevalência não pode ser definida porque a norma simplesmente declara que um direito é inviolável. Ao se deparar com tal situação, segundo Anderson Schreiber, o julgador não deve entender que esse direito prevalece sobre todos os outros porque não se admitem direitos absolutos; deverá, ao contrário, ponderar os interesses. A quarta etapa somente será necessária, portanto, em caso de inexistência de regra de prevalência. Nesta última, o Poder Judiciário deverá decidir qual interesse vai predominar; para isso, analisa o caso concreto e faz a pergunta: “O grau de realização do interesse lesivo justifica o grau de afetação do interesse lesado?”. Pautado nesse questionamento, vai determinar a área de atuação legítima de cada parte a fim de chegar ao dano ressarcível236. O interesse da formulação do autor é evidente, pois esta fornece diretrizes mais concretas para a definição do que seja efetivamente o dano que merece ressarcimento.

236 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil – da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, p. 160-164.

Os danos indenizáveis são, em rigor, divididos em danos patrimoniais e danos morais. Apesar da diferenciação na nomenclatura, ambos os danos são violações ao patrimônio, considerado universalidade jurídica intangível, constituída pelo conjunto de bens de uma pessoa, incluindo os de natureza moral. Ao se falar em dano patrimonial, está se fazendo referência, tão somente, aos bens cuja violação implica perda pecuniária.

A divisão entre essas duas espécies de danos, portanto, não decorre da natureza do bem lesado, mas do efeito da lesão, ou seja, do caráter de sua repercussão sobre o lesado. Dessa maneira, tanto é possível ocorrer dano patrimonial em consequência de lesão a um bem não patrimonial, como dano moral em resultado de ofensa a bem material237.