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4 A COMPLEXIDADE DA ESCOLA NO HOSPITAL

5 OS ETNOMÉTODOS DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DAS PROFESSORAS NO HOSPITAL

5.3 A EDUCAÇÃO INFANTIL NO HOSPITAL E SUAS CRIANÇAS

5.3.1 A professora da Educação Infantil no hospital

A professora da Educação Infantil tinha uma personalidade reservada e não era de falar muito. Esta característica ficou expressa na sua entrevista, em suas respostas breves e suscintas. Em suas aulas, minhas interações ficaram predominantemente centradas na postura

de pesquisadora-observadora, pois ela solicitava muito pouco minha interferência em seu trabalho. Ela possuía um modo particular e reservado de conduzir suas aulas, aspecto este que procurei respeitar. Mas, isso não significava que não dialogássemos sobre a condução do seu trabalho e da pesquisa. É preciso destacar também que a professora, sempre me recebeu bem, era muito prestativa em me apresentar aos pais e às crianças e explicar o consentimento informado, auxiliava-me a solucionar problemas burocráticos em relação a pesquisa dentro do hospital e também contribuiu para minha inserção naquele contexto.

Na época da entrevista, realizada em 05/08/2003, ela estava com 28 anos de idade e cursava especialização em Psicopedagogia. Ao descrever sua trajetória na educação, informou que trabalhava com educação há cinco anos, sendo que estava há três anos na Prefeitura onde trabalhou com Educação Infantil e pelo Estado ministrou aulas para o terceiro ano de Magistério.

Em relação à sua história de vida, perdeu seu pai aos 12 anos de idade e segundo ela, ele possuía um significado grande em sua vida. Seu pai era médico e o contato com a realidade hospitalar esteve associado a sua infância pois, desde pequena, já conhecia alguns aspectos desta estrutura. A lembrança do pai teria tido influência na sua opção pelo trabalho na escola no hospital. Todavia, a sua atuação enquanto professora desta escola somente ocorreu quando foi convidada para o trabalho o que, segundo ela, lhe possibilitou unir suas áreas de interesse:

Eu nunca tinha trabalhado na área de educação e saúde e principalmente dentro do hospital. Eu recebi um convite feito pela Coordenadoria da Regional – CRE – Cidade Baixa – e de acordo com o perfil de trabalho já realizado nas escolas da rede municipal, convidou e ... a princípio fiquei meio receosa, mas por já ter um convívio com hospital, por conhecer hospital, meu pai era diretor de um hospital, de uma maternidade, então... eu pensei em unir as duas coisas, os meus dois grandes interesses que é a Medicina e a Educação.

Quanto à sua itinerância, referiu que em suas brincadeiras, já expressava o desejo de ser professora:

Desde pequena, sempre gostei da profissão. Brincava com as bonecas. Eu e minha prima. Tanto que eu e minha prima somos professoras, as duas e... com o decorrer da vida, no andamento dos estudos foi tudo levando prá esse lado, prá esse caminho. Aí eu me formei em Magistério, depois que conclui o Magistério fiz vestibular prá Pedagogia, conclui Pedagogia e hoje eu faço... estou concluindo agora a pós-graduação em Psicopedagogia. Tudo voltado na área de educação.

Quanto ao planejamento de seu trabalho e a forma como construiu seus etnométodos, Violeta explicitou este processo apresentando as dificuldades da implantação do projeto e posteriormente relatou a parceria criada na realização desta pesquisa. Ela comentou que não tinha nenhum conhecimento desta área de educação nos hospitais e que, quando começou a atuar, a presença da pesquisadora foi um elemento importante para socializar as matrizes teóricas deste trabalho:

Ercília :Você segue algum planejamento? Quando você ingressou no hospital, como constituiu o trabalho com os alunos? Teve algum curso de formação? Como foi esse processo? Violeta: O processo foi meio complicado porque na verdade nós, eu e a outra professora, entramos na classe hospitalar, sem ao menos conhecer o que se referia a Classe Hospitalar. Então foi um processo longo, de construção diária e de muita pesquisa e estudo. Nós não tivemos curso, nem nenhuma orientação específica sobre Classe Hospitalar, então começamos a trabalhar o dia a dia e no dia a dia nós fomos construindo com a realidade do dia a dia do hospital e pesquisando sempre. Ela deu uma risada e falou: Pode falar de você ? E continuou: Outro aspecto que nos auxiliou bastante e que foi muito importante foi a pesquisadora Ercília, pois ela nos orientou muito sobre Classe Hospitalar, nos trouxe muito material teórico. Toda parte teórica de estudo ela sempre está nos ajudando e isso foi de muito valor e muito ganho prá nossa prática.

Ercília: Quais as críticas e sugestões ao trabalho? Violeta: Nós tivemos a dificuldade especificamente nesse hospital onde nós estamos, mas... conseguimos observar, mas observamos que outras colegas que trabalham com classe hospitalar em outros hospitais não conseguem superar essas barreiras de... porque um professor está dentro de um hospital. É como se o professor, a educação tivesse que tomar o lugar de alguém dentro do hospital e não é, não é isso. Tem que ser mais divulgado e orientado o objetivo e o valor da educação dentro do hospital

Nota-se que a professora fez algumas críticas em relação a dificuldade de inserção

na equipe muldisciplinar, da ocupação do espaço do professor em um território diferente e da necessidade de uma linguagem comum com os outros profissionais. No que diz respeito à questão curricular do projeto realizado em parceria com a outra professora, ela tinha clareza quanto ao projeto de base idealizado que estava documentado na Pedagogia de Projetos:

Nós temos um macro projeto que é o projeto “Vida e Saúde” e em cima desse macro projeto, nós fizemos o projeto pedagógico do professor que é o projeto “Viagem pelo Corpo Humano” e através desse projeto nós trabalhamos com SUB-TEMAS que são abordados tanto pela minha turma de Educação Infantil, quanto pela outra turma do segundo andar dos meninos maiores.

No entanto, a professora citou apenas o projeto pedagógico desenvolvido no primeiro ano de trabalho: “Viagem pelo Corpo Humano.” O projeto do segundo ano, “Corporiedade e Valores Humanos“, ela não fez referência e pouco desenvolvia em suas

aulas. Quando foi interrogada sobre o seu projeto curricular na Educação Infantil, ela teve uma certa dificuldade em responder e não se mostrou produtora, autora, sujeito do currículo, mas pautada em outros documentos. Quando perguntei:

Ercília: Como é o currículo para a hospitalizada ? Como é a sua operacionalização, assim... para Educação Infantil como é o currículo da criança hospitalizada ? Violeta olhou com cara de interrogação e perguntou: Não entendi. Como é o currículo da criança hospitalizada que a gente segue aqui ? Ercília: É. Violeta: O currículo que a gente segue, o currículo do projeto é com base na proposta escolar de Alegria da Prefeitura Municipal de Salvador, e com os documentos legais referentes a educação como o PCN, os parâmetros, né ? Todos ligados, referentes as leis nacionais de educação.

Percebe-se que a professora somente fez menção à proposta curricular da Prefeitura e os Parâmetros Curriculares Nacionais que são referentes à educação básica. Ela não comentou a respeito dos Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 1998) e dos documentos elaborados pelo MEC de Estratégias e Orientações

Pedagógicas para educação de Crianças com Necessidades Especiais (BRASIL, 2002)

dedicados exclusivamente aos professores de Educação Infantil. Talvez não os conhecesse ou não os tomasse como referenciais para sua práxis.

No que se referia ainda à questão curricular, sobre as áreas de atuação do professor no hospital, Violeta apresentou-as de forma operacional e pragmática:

O professor atua tanto no atendimento às crianças hospitalizadas quanto no atendimento aos acompanhantes também. E já estamos também fazendo atendimento aos funcionários.

Cabe destacar que o atendimento aos funcionários era centrado no auxílio das tarefas escolares de funcionários do hospital que estavam sendo alfabetizados, assim como funcionários que estavam freqüentando cursos técnicos de enfermagem.

Em se tratando da concepção de criança hospitalizada, quando interrogada se existia alguma diferença no trabalho com estas crianças e com as crianças das escolas oficiais, Violeta demonstrou que na sua prática, referenciada pelo teórico Ricardo Ceccim, da área hospitalar, lhe ensinaram que não existiam diferenças entre as crianças. Ela apresentou uma concepção inclusiva de criança hospitalizada considerando que existia uma necessidade diferencial no trabalho que era a questão da afetividade:

Eu gosto sempre de lembrar com minhas colegas da rede normal que as crianças que estão no atendimento de agravo à saúde são as mesmas crianças que estão nas escolas normais. Não há muita diferença. A diferença é que a gente tem que ter um cuidado maior, uma sensibilidade maior prá entender as necessidades que a criança tem nesse momento. Mas as nossas crianças são as mesmas que estão nas escolas normais. (..) Eu continuo a dizer que as crianças que estão hospitalizadas que são as crianças das escolas normais e

que por algum motivo, agravo de saúde estão hospitalizadas momentaneamente. Então, a diferença é que a gente tem que estar observando mais as necessidades deles, mas elas são as mesmas crianças. Assim como Ricardo Ceccim coloca que “as crianças estão hospitalizadas, mas que mesmo assim, elas continuam se desenvolvendo, tanto intelectualmente, como culturalmente como socialmente. A diferença tem que estar na sensibilidade de perceber as necessidades das crianças. Trabalhar muito a parte de educação e saúde também pelo que nós já observamos com algumas crianças internadas, hospitalizadas aqui no hospital. Grande parte das patologias é referente a falta de educação em saúde, por isso é importante trabalhar. Também é muito AMOR. Muito amor no que faz.

É preciso destacar que a professora tinha uma preocupação com o que ela denominou de “falta de educação em saúde.” Ela priorizava em suas aulas as orientações de cuidados básicos com a saúde. Quando interrogada sobre a potência do trabalho, ela fez uma associação com a práxis pedagógica e seus objetivos terapêuticos e psicológicos:

Eu acho que a questão do stress, do emocional da criança hospitalizada – reduz bastante na sala de aula, a volta a esse cotidiano, não perder esse laço do cotidiano da vida da criança extra-hospital. Isso diminui bastante o stress e diminuindo o stress eleva a auto estima. Elevando a auto estima nós falamos de melhoria, de um processo de recuperação mais rápido.

No que tange à concepção que ela apresentava da contribuição de seu trabalho às crianças e seus familiares, ela enfocou aspectos de Políticas Públicas para essas crianças:

O trabalho do professor na classe hospitalar é acima de tudo assegurar a continuidade da formação do indivíduo, da criança, né ? Dentro do hospital. Eles estão aqui e continuam se desenvolvendo, então é preciso assegurar esse direito, a formação. Os familiares, pelo que a gente pode observar começam a ter uma participação maior, melhor, no processo de formação dos seus filhos, das classes em si. Eles buscam na verdade, realmente estar mais participante na formação dos meninos, eles buscam mais estar presentes nas atividades. Sugestão: Que a classe hospitalar seja mais divulgada e que o seu valor seja reconhecido prá que outros hospitais... Digamos que é uma UTOPIA, mas que cem por cento dos hospitais ofereçam esse serviço de classe hospitalar, observem o seu valor que é um ganho para o hospital, tanto para as crianças como para os acompanhantes, para os familiares e as...

Quanto à complexidade do ambiente hospitalar, quando Violeta foi interrogada sobre algo que lhe chamou mais atenção neste ambiente, ela citou a questão dos paradoxos que cercam este ambiente tanto em relação as perdas, quanto as conquistas:

Poxa... Tem muitas, heim... Tem muitas que realmente me tocaram. Algumas situações de perda. Lidar com a situação de perda é complicado. É muito complicado. A gente tem que estar reforçada. A gente tem que estar segura sobre isso, são momentos que realmente mexem. Em compensação acho que tem os momentos felizes de retorno das crianças quando estão bem

e só voltam prá visitar. Prá rever, prá dizer que estão bem. Isso também é uma recompensa.

A professora fez menção às questões existenciais que são presentes no hospital, pois lida-se com o limiar da vida e da morte a todo momento. Observa-se que ela começou a refletir sobre as contradições presentes neste trabalho do professor, pois ao mesmo tempo que era preciso aprender a lidar com as perdas, os re - encontros também eram muito valorizados.

Os hospitais têm elaborados mecanismos para que as crianças possam conviver de forma mais harmoniosa com as dores que enfrentam. A própria estruturação espacial dos ambientes têm sido um desses mecanismos voltados para atender algumas das demandas físicas, afetivas e cognitivas infantis e auxiliar essas crianças no enfrentamento dessas situações.