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Formação de professores de Educação Infantil no hospital

4 A COMPLEXIDADE DA ESCOLA NO HOSPITAL

5 OS ETNOMÉTODOS DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DAS PROFESSORAS NO HOSPITAL

5.4 DESAFIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA ESCOLA NO HOSPITAL: A ADAPTAÇÃO DAS CRIANÇAS

5.4.3 Formação de professores de Educação Infantil no hospital

Nos episódios da sala de aula da Educação Infantil evidenciou-se a complexa rede de interações que constituía a experiência escolar diária. Como foi possível verificar, as tarefas propostas pela professora, em sua maioria, estavam voltadas para a escrita e utilização do desenho como processo complementar a alfabetização. No final da pesquisa, algumas atividades lúdicas e brincadeiras foram realizadas nas aulas. Entretanto, sempre estiveram voltadas para sua aplicabilidade pedagógica, expressando um processo de “pedagogização” do lúdico no qual toda brincadeira era avaliada com as crianças quanto a aprendizagem que gerava.

Nos Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 1998) há uma critica chamada “pedagogização do lúdico” onde o professor direciona as brincadeiras sem propiciar as crianças a escolha, a descoberta, a liberdade :

É preciso que o professor tenha consciência que na brincadeira as crianças recriam e estabilizam aquilo que sabem sobre as mais diversas esferas do conhecimento, em uma atividade espontânea e imaginativa. Nessa perspectiva não se deve confundir situações nas quais se objetiva determinadas aprendizagens relativas a conceitos, procedimentos ou atitudes explícitas com aquelas nas quais os conhecimentos são experimentados de uma maneira espontânea e destituída de objetivos imediatos pelas crianças. Pode-se, entretanto, utilizar os jogos, especialmente aqueles que possuem regras, como atividades didáticas. É preciso, porém, que o professor tenha consciência que as crianças não estarão brincando livremente nestas situações, pois há objetivos didáticos em questão (BRASIL, 1998, p. 29)

Na sala de Educação Infantil do hospital, a professora dedicava muito tempo ao trabalho escrito com as crianças e pouca diversão. Desejava que copiassem o cabeçalhoo e não utilizava recursos e estratégias variadas para que fossem organizadas situações de leitura e escrita de forma mais agradável. A tentativa de incluir as crianças menores nos grupos poderia inserir brincadeiras lúdicas com as palavras como: identificação de rótulos, de

símbolos, trava-línguas, elaboração de listas, bilhetes, cartas, folhetos, convites, leituras de poemas de fácil compreensão para as crianças, textos diferenciados, contextualizados e que tivessem significado para aquelas crianças.

Era preciso que a professora dedicasse mais o seu tempo, na própria roda da conversa, para conhecer o que aquelas crianças sabiam em termos de escrita e leitura. De certa forma, a professora fazia essa sondagem inicial com seus alunos quando confeccionava os crachás e perguntava quais eram as letras correspondentes. Mas, poderiam ser utilizadas outras formas que deixassem os alunos mais à vontade para se manifestarem e também poderiam ser elaboradas outras estratégias que seduzissem mais alunos atraindo-os para a leitura e escrita. Todavia, a professora elaborou, na medida do possível, as suas próprias estratégias. Mas, considero que eram necessárias mudanças constantes em seus caminhos e planejamentos, pois nem todas as crianças sabiam ler e escrever, o que gerava ansiedade para as crianças que não pertenciam àquele grupo. Também era necessário um tempo maior para entender como aquelas crianças eram, o que pensavam e qual o sistema de educação que freqüentavam.

Uma das maiores dificuldades na prática pedagógica do professor no hospital, é identificar quem é alfabetizado. Porém, são necessárias sondagens iniciais para se conhecer este aluno. O mais adequado é entrevistar os pais e as próprias crianças, preenchendo uma ficha inicial do aluno para saber a sua vida e situação escolar, que serve de documentação do histórico desta criança no hospital, a ser anexada no prontuário. Mas também é preciso que o professor dedique, nos momentos iniciais que chega no hospital ou quando inicia sua aula, um tempo para escutar essas crianças, suas histórias, conhecer suas culturas e as contribuições que trazem. A professora ficava ansiosa em executar a rotina que estabelecia, mas era preciso que ela dedicasse mais tempo para ouvir as experiências das crianças, conhecer as suas necessidades, seus processos de desenvolvimento infantil, suas aprendizagens e conhecimentos.

Oliveira (2002) argumenta a importância das práticas discursivas do professor se articulem com a construção de uma rede de significações existentes nas diversas vivências culturais da criança. Em sua prática de muitos anos de estudo na área de Educação Infantil revela:

Muitos de nossos professores apreendem apenas superficialmente o universo simbólico infantil. Por vezes identificam vários sentidos potenciais e escolhem um deles para trabalhar, sem refletir sobre o critério que utilizam para fazê-lo. Dão respostas muitas vezes apressadas, em decorrência mais de sua angústia por trabalhar em campos de múltiplas significações do que das necessidades das próprias crianças. Com isso a sondagem dos interesses

infantis não sai de um nível superficial e não se tem uma relação de escuta, uma dimensão de confronto de subjetividades e significações culturais e histórias básicas para a formação humana. Para conhecer a significação que cada criança empresta a elementos do meio, o professor necessita observar suas reações, incentivá-la a expor sua forma de perceber determinada situação ou conceito, encorajá-la a considerar, ao mesmo tempo, os aspectos valorizados por outras crianças e que as levam a encarar o elemento em questão de modo diferente. Com isso ele ajuda a superar visões restritivas e obter esquemas flexíveis, complexos e criativos de significação. (OLIVEIRA, 2002, P. 206)

Violeta era muito preocupada em fazer com que as crianças identificassem as letras e aprendessem a ler. Porém, ela possuía uma prática de alfabetização silábica centralizada na professora. A alfabetização silábica pressupõe um contato contínuo das crianças com esse método de alfabetização, o que era complexo de ser realizado em um contexto hospitalar em que as crianças, na sua maioria, tinham uma rotatividade alta em função das patologias, diferentemente do contexto escolar, no qual as crianças permanecem por muito tempo. A professora também focava-se no reconhecimento das letras e palavras como um produto final, sem entender que, para uma criança reconhecê-las ela precisa criar hipóteses sobre a escrita, por isso a necessidade de elaborar meios para esse processo da descoberta.

A concepção de currículo também estava muito voltada para o que a professora elegia como prioritário no trabalho com os alunos. Não existia uma discussão coletiva do que as crianças queriam fazer ou realizar na sala de aula, nem mesmo redefinições dos projetos a serem executados. Oliveira esboça uma concepção de currículo para a Educação Infantil como um sistema aberto e flexível:

O currículo não pode ser entendido como um plano individual predeterminado. É um projeto coletivo, uma obra aberta, criativa e apropriada para o “aqui e agora” de cada situação educativa. Ocorre com base na análise dessa situação, no estabelecimento de metas e prioridades, no levantamento de recursos, na definição de etapas e atividades básicas, na reconstrução do projetado na interação (inter-ação) com as crianças, na verificação de aspectos do seu comportamento que se vão modificando no

decorrer do processo. Envolve sensibilidade e uma visão de criança como

alguém competente e com direitos próprios. (OLIVEIRA, 2002, P. 169)

Para o currículo da Educação Infantil ser construído buscando uma proposta pedagógica que venha de encontro às necessidades infantis, Oliveira corrobora sua posição afirmando que:

Construir uma proposta pedagógica implica a opção por uma organização curricular que seja um elemento mediador fundamental da relação entre a realidade cotidiana da criança, as concepções, os valores e os desejos, as

necessidades e os conflitos vividos em seu meio próximo e a realidade social mais ampla, com outros conceitos, valores e visões de mundo. Envolve elaborar um discurso que potencialize mudanças, que oriente rotas. Em outras palavras, envolve concretizar um currículo para crianças.(OLIVEIRA, 2002, p. 169)

É preciso destacar que, quando as ações estão muito centradas no professor hospitalar é como se ele representasse o elemento mediador principal das crianças, um “super protetor”. No caso do hospital, essa preocupação o faz assumir o papel de “salvar a dor” daquelas crianças. O que se verifica é que as próprias crianças, desde as mais pequenas, têm muitas contribuições a oferecer e trocar com seus companheiros, não só no hospital, mas nas escolas em geral. Nesse sentido, é preciso repensar a concepção de educação com práticas direcionadas e exaustivas que possibilitam poucas interações.

A professora solicitava pouca ajuda das crianças para auxiliá-la, como também não estimulava as crianças para interagirem, brincarem juntas e aquelas que não soubessem ler, ajudassem umas às outras. Dessa maneira, o que se verificou na sala de aula da Educação Infantil era que existiam poucas interações criança–criança e poucas parcerias. Algumas interações entre elas ocorriam esporadicamente e estavam baseadas ou em alguns conflitos (centrados na disputa pelas cadeiras e por materiais escolares) ou mesmo na disputa pela atenção da professora.

Nos estudos de Nunes (1995), sobre adaptação das crianças nos primeiros dias de aula na pré-escola, observou-se que dentro das salas de aula as crianças se sentiam muito direcionadas e que era no parque os momentos que elas podiam interagir entre si e se sentirem livres. No caso da escola no hospital existe um diferencial. Não existe o momento do recreio ou do parque para as crianças interagirem livremente, por outro lado, a convivência das crianças ocorre a todo momento nas enfermarias e em tempo integral. Porém, normalmante, as enfermarias não são espaços em que as crianças possam se sentir livres. Pressupõe-se que a sala de aula é o lugar onde elas fiquem mais à vontade, relaxadas, sem sofrerem as imposições que o contexto hospitalar determina, muito embora, seja necessário que as crianças também se sintam à vontade nas enfermarias.

Nunes (1995) também observou as interações das crianças da pré-escola nos primeiros dias de aula e verificou que os confrontos são muito presentes, pois elas estão em um processo de busca e descoberta de suas afinidades com os parceiros, até mesmo quando compartilham brinquedos e brincadeiras:

As primeiras interações porém não ocorriam sem conflitos. Havia muitas brigas, e o parque era o palco da grande maioria delas. Temos que considerar

que as crianças encontravam-se numa situação pouco confortável emocionalmente, ficando sob tensão grande parte do dia. Quando chegavam

num local onde se sentiam mais à vontade era natural que procurassem

extravasar um pouco de toda tensão. Mas havia também outra espécie de conflito, decorrente das tentativas de contato entre as crianças. Cada novo parceiro exigia regulações que não ocorriam de imediato. Neste processo de descoberta do outro e tentativa de aproximação aconteciam muitos desacertos até que se descobrisse a melhor forma de interação. Estes conflitos diminuíam à medida que se formavam grupos com componentes mais estáveis, o que não impedia de todo o aparecimento de brigas entre as crianças. O aumento das interações parecia propiciar uma identidade coletiva, auxiliando as crianças a darem conta mais prontamente das exigências escolares; elas começavam a perceber no outro o que deviam fazer e passavam a se guiar não só pelo que a professora dizia, mas pelo que viam seus companheiros fazerem, sendo também comum algumas indicarem para as outras o que deveria ser feito (NUNES, 1995. P. 119)

Na Educação Infantil no hospital, como existia uma rotatividade grande de crianças, elas tinham pouco tempo para criar identidades e formar parcerias. Entretanto, o espaço da escola no hospital pode intermediar essas interações e ser um espaço maior de acolhimento. Nunes enfatiza esta necessidade de acolher no processo de educar e cuidar da criança pequena:

Acolher adequadamente a criança exige que se tenha um trabalho coletivo, em que todos se emprenhem em organizar o espaço e a estrutura da escola, visando atender as necessidades infantis. Como bem pudemos ver, as crianças dessa faixa etária estão num estágio de desenvolvimento cuja tarefa principal é a construção do eu. Neste sentido, a rotina escolar deve favorecer o conhecimento de si nas dimensões física, afetiva e cognitiva, sendo necessário que cada criança possa se perceber como personalidade diferenciada. Não basta colocar o conhecimento do Eu como conteúdo programático: é preciso que seja respeitada a individualidade de cada criança. Fazer com que todos os alunos realizem as mesmas ações, durante todo o tempo, não é o melhor caminho para isto. É preciso que cada um deles tenha a possibilidade de se opor, de se negar a fazer e de escolher o que fazer, não devendo ser sempre forçado a se conformar com as exigências que lhes são feitas. Uma rotina em que esteja baseada na participação ativa da criança também é útil para poupar o trabalho da professora. Organizar o espaço e dispor os objetos de modo que todo material necessário esteja ao alcance das crianças, que devem ser chamadas a arrumá-los e mantê-los em ordem, diminui consideravelmente o tempo de espera aos quais são submetidas, bem como minimiza a quantidade de tarefas a serem desenvolvidas pela professora (NUNES, 1995, p. 127)

Na proposta de formação de professores para Educação Infantil, Oliveira (2002) defende que:

A constante orientação do trabalho educativo deve respeitar a infância, captá-la na complexidade de sua cultura com sua pluralidade de características. A perspectiva que defendemos é a de que o projeto pedagógico daquelas instituições busque fazer o olho infantil saltar o muro,

quebrar as barreiras, e que o olhar dos educadores procure reconhecer aquilo que as famílias das crianças sabem, vêem e esperam. A proposta ora apresentada põe ênfase no processo, em oposição a uma pedagogia de produtos e de produtividade. O novo contexto educacional para a Educação Infantil requer estruturas curriculares abertas e flexíveis. Isso envolve nova concepção de currículo, entendido como trajetória de exploração partilhada de objetos de conhecimento de determinadas cultura por meio de atividades diversificadas constantemente avaliadas. (OLIVEIRA, 2002, 171)

Portanto, o que se verifica é que não somente na Educação Infantil no hospital, mas nas instituições de Educação Infantil em geral, o que se propõe é a flexibilidade, o cuidado com o outro, a partilha e construção coletiva de conhecimentos.

Nunes não culpabiliza a professora por exercer ações centralizadoras:

Não queremos com essas observações culpabilizar as professoras, responsáveis diretas pelo fazer na sala de aula. Elas também são vítimas neste processo. Não há empenho para um formação técnica e teórica que lhes permita repensar a sua prática. A equipe técnica (coordenador, diretor etc..), que teria por sua função auxiliá-las, exige que elas dêem conta de seu trabalho de forma a causar o mínimo de transtorno para a escola. (NUNES, 1995, p. 126)

A professora da Educação Infantil da escola no hospital era muito solitária para resolver seus problemas. Suas aulas, durante o período que realizei a pesquisa, nunca foram assistidas e acompanhadas pela coordenadora pedagógica do projeto, o que fazia com que ela elaborasse mecanismos próprios para enfrentar os desafios que eram apresentados. Muitas vezes, mecanismos esses, que não estavam apropriados às necessidades daquelas crianças.

O acolhimento e as atividades de Educação Infantil do professor para crianças hospitalizadas exige inventividade, criatividade, utilização do lúdico nas suas mais variadas expressões, da brincadeira livre, dirigida, do teatro, dança, música, utilização de fantoches, fantasias, dentre outros materiais. O contato com a literatura infantil também é imprenscindível, assim como com a leitura e escrita. Porém, alfabetizar a criança no hospital é um processo complexo, que exige flexibilidade do professor e do método que utilizará, pois, se ele não estiver atento a essas questões pode estar gerando um duplo sofrimento para a criança: da hospitalização e da exclusão nas atividades da escola no hospital.