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O ambiente da sala de aula da Educação Infantil no hospital

4 A COMPLEXIDADE DA ESCOLA NO HOSPITAL

5 OS ETNOMÉTODOS DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DAS PROFESSORAS NO HOSPITAL

5.3 A EDUCAÇÃO INFANTIL NO HOSPITAL E SUAS CRIANÇAS

5.3.2 O ambiente da sala de aula da Educação Infantil no hospital

A sala de aula da Educação Infantil no hospital possuía alguns recursos que simbolizavam que aquele contexto era voltado para crianças. O mobiliário era adaptado às mesmas: existiam conjuntos de mesas de plástico amarelas pequenas com cadeirinhas vermelhas. Dois sofás ficavam encostados nas paredes e eram utilizados ora pela professora para ministrar sua aula, ora pelas crianças quando se sentiam indispostas e assistiam as aulas deitadas, assim como por algumas mães que ali permaneciam. Os armários, onde as mães guardavam os seus pertences, também eram localizados na sala de aula. Vale lembrar que este móvel às vezes interrompia um pouco as aulas quando as mães guardavam os seus objetos.

Existiam algumas janelas bem altas que as crianças ficavam curiosas em observar. Várias vezes, encontrei algumas crianças bem pequenas, que se posicionavam na pontinha dos pés em cima dos sofás próximos as janelas, tentando olhar para ver o mundo do lado de fora da sala de aula do hospital e se surpreendiam quando chegavam um adulto que lhe observava. Ficavam muito tímidas como se estivessem fazendo algo errado. Em função da segurança as janelas eram altas e não possibilitavam que as crianças pudessem enxergar outros horizontes.

Segundo Oliveira (2002) os ambientes na Educação Infantil funcionam como um importante recurso pedagógico e de aprendizagem e a organização dos mesmos denota uma concepção educacional. Nas creches e pré escolas regulares, nos últimos anos, o planejamento dos ambientes é muito valorizado na construção arquitetônica das instituições. Para a autora:

“ [...] as pesquisas são claras em demonstrar a importância da significação que a criança pequena empresta ao ambiente físico, que pode lhe provocar medo ou curiosidade, irritabilidade ou calma, atividade ou apatia.” (OLIVEIRA, 2002. p. 192).

No caso do espaço físico da sala de aula no hospital, o mobiliário, principalmente as mesas e as cadeirinhas eram muito bem aceitas pelas crianças que gostavam de empurrá-las e arrastá-las, por todos os cantos daquele território. As crianças também gostavam de participar das aulas naquele espaço que inspirava atividade, um pouco diferente do contexto das enfermarias. Quando não tinha aulas nesta sala, as crianças assistiam televisão, seus desenhos e programas prediletos.

A qualidade do ambiente na Educação Infantil atualmente têm sido discutida não somente no que diz respeito às características higiênicas, mas das inter-relações entre os componentes físicos e humanos que dele participam, pois os ambientes não são neutros e têm impactos sobre o comportamento e as reações humanas.

Oliveira (2002) chama a atenção a respeito dos símbolos presentes no ambiente da Educação Infantil que podem denotar a concepção de educação do professor. Nesse caso, um ambiente pode apresentar características que expressem uma concepção pedagógica de Educação Infantil voltada para um aspecto mais escolar, outro ambiente decorado com desenhos, figuras e produções infantis, pode nos remeter a infância, assim como existem configurações e várias representações que envolvem este universo.

Na sala de aula da Educação Infantil no hospital, a lousa posicionada em frente às mesinhas, os crachás com os nomes das crianças nas paredes, os cartazes, o calendário, o abecedário, caracterizavam um cenário predominantemente escolar que expressava a preocupação constante com a alfabetização. Cabe destacar que o abecedário era colocado em cima da lousa em um lugar bem alto para não ser retirado.

Para Oliveira (2002) como o ambiente da Educação Infantil é um importante recurso de desenvolvimento e o educador um parceiro privilegiado que a criança dispõe, esse educador precisa planejar este ambiente a fim de possibilitar à criança diversas vivências, explorações, utilização de vários recursos e possibilidades para que ela reconheça objetos, vivencie diferentes experiências, significados de palavras e expressões, além de ampliar seu mundo perceptivo. Desta maneira, o simbolismo presente nos ambientes faz com que as crianças reconheçam as funções as quais estão relacionados:

A criança, desde cedo, reconhece o espaço físico ou atribui-lhe significações, avaliando intenções e valores que pensam ser-lhe próprios. Daí a importância de organizar os múltiplos espaços de modo que estimulem a exploração de interesses, rompendo com a mesmice e o imobilismo de certas

propostas de Educação Infantil. O que importa verificar não são as qualidades ou os aspectos do ambiente, mas como eles são refratados pelo prisma da experiência emocional da criança e atuamcomo recursos que ela emprega para agir, explorar, significar e desenvolver-se. O ambiente constitui expressão de um sistema social com suas rotinas, relações, ideologias, etc. É esse sistema que prescreve a função de um espaço físico - social e as pessoas que podem fazer o que com quem. O ambiente define diversas práticas sociais que desenvolvem diferentes competências. (OLIVEIRA, 2002, p. 194)

No caso da sala de aula no hospital analisado, não existiam cantinhos com fantasias, baús, livros infantis, materiais e brinquedos que ficassem ali disponibilizados para as crianças interagirem. Quando os brinquedos eram levados para sala, eram levados pela professora que os usava em suas aulas e posteriormente os recolhia e guardava no armário. É certo que, no hospital, a higienização destes materiais é algo de extrema relevância para ser pensado e realizado, pois nem todo brinquedo, fantoche ou fantasia serve para este contexto. Muitas vezes, se esses materiais se não forem bem higienizados, podem-se transformar em agentes de contaminação. A professora demonstrava significativa preocupação com este aspecto da limpeza e infecção hospitalar e relatava que já havia disponibilizado brinquedos e materiais pedagógicos fora dos horários das aulas, mas, além de muitas vezes não serem devolvidos28, eles também eram utilizados pelas crianças ou para rabiscar as paredes, ou eram transformados em objetos que, segundo ela, podiam machucá-las ou mesmo ficavam espalhados pelas enfermarias. Então, as professoras eram advertidas pela enfermeira responsável pelo setor em relação a esta questão. Procurei discutir com a professora sobre o significado e a importância de orientar as mães e as crianças sobre o cuidado com esses materiais, com os bens públicos, a necessidade de negociar com a enfermeira espaços para as crianças terem acesso aos brinquedos, mas a professora relatava que já havia tentado várias vezes e que não conseguia resultados satisfatórios, o que a levou a não insistir nesta conduta de disponibilizar brinquedos e materiais pedagógicos fora dos horários das aulas.

Oliveira (2002), em seus estudos sobre Educação Infantil, também discute o fato de que não basta realizar um arranjo espacial que não seja condizente com a proposta de educação da professora. Neste sentido, não basta organizar cantinhos, distribuir diferentes materiais em sala de aula, se a condução da aula não incorporar a perspectiva de descentralização das ações do professor.

As crianças da Educação Infantil, além do espaço da sala de aula, também tinham um espaço no terceiro andar, ao lado do refeitório, na área externa. Ali existia um brinquedo

grande de plástico bem colorido que comportava vários outros brinquedos. Era um brinquedo composto por um escorregador e também possuía alguns obstáculos e buracos para as crianças entrarem e saírem. Nesse espaço havia também uma Casinha de Bonecas.

Esta área ficava aberta e os brinquedos ficavam constantemente expostos ao sol e à chuva. Por serem de plástico, não eram danificados. Mas, durante o período no qual observei o cotidiano das crianças, nunca presenciei as crianças utilizando aqueles brinquedos. Era necessário uma programação permitindo-as utilizá-los antes do sol das 10:00 horas da manhã, no período do verão e na primavera, quando as chuvas não fossem tão freqüentes. Cheguei a sugerir à professora que a Casinha de Bonecas fosse levada para dentro da sala de aula da Educação Infantil, já que não estava sendo utilizada. Mas a professora me disse que aquele brinquedo era muito grande para aquele espaço e iria atrapalhar a sala de aula, pois seria difícil controlar as crianças com soro, que tivessem desejo de entrar dentro da casinha e não pudessem. Quanto aos horários de utilização desses brinquedos, ela relatou que antes das 10:00 horas da manhã as crianças tinham de permanecer nas enfermarias, pois era um horário reservado para medicação e visitas médicas, o que dificultava interromper esta rotina hospitalar, pois para ela, a escola no hospital tinha que respeitar as regras e a organização estrutural do hospital e não elaborar as suas próprias regras. A professora era muito apreensiva em romper ou mesmo negociar algumas regras da escola naquele ambiente de trabalho. Considero que era preciso respeitar as regras da instituição hospitalar, entretanto, penso também que algumas negociações e regras podiam ser realizadas para que, mesmo que esporadicamente, as crianças tivessem acesso àqueles brinquedos do terceiro andar. Recordo- me certa vez que a própria médica, responsável pela pediatria, também na minha presença, conversou com as professoras sobre a necessidade de uma utilização maior dos brinquedos e daquela área. Nesse sentido é que se faziam necessárias mais reuniões e encontros entre as professoras e os profissionais de saúde para que ocorressem debates e planejamentos conjuntos da equipe multidisciplinar quanto a ações comuns ou diferenciadas para atuação no atendimento integral às crianças.

Durante a pesquisa, tive a oportunidade de filmar várias festas no refeitório no terceiro andar (que ficava ao lado desse playground) e observei muitas crianças pequenas contemplarem aqueles brinquedos com olhos sedentos que expressavam um forte desejo de brincar. A intenção, quando realizei esta sugestão de levar os brinquedos externos para a sala de aula, era de lançar algumas idéias para melhor utilizá-los e também, modificar, tornar o

28 Este fato é muito presente nos hospitais, pois dado as condições econômicas e sociais de muitas crianças que

ambiente da sala de aula mais acolhedor e voltado para o brincar. Com o tempo, fui percebendo que a concepção de Educação Infantil da professora estava voltada predominantemente para criar um ambiente alfabetizador dentro da sala de aula.

O termo ambiente alfabetizador é utilizado em práticas educativas realizadas em instituições que promovem o letramento de crianças. Os Referenciais Curriculares Nacionais

de Educação Infantil (BRASIL, 1998) destacam um aspecto significativo para reflexão acerca

deste conceito:

Algumas vezes, o termo “ambiente alfabetizador” tem sido confundido com a imagem de uma sala com paredes cobertas de textos expostos e, às vezes, até com etiquetas nomeando móveis e objetos, como se esta fosse uma forma eficiente de expor as crianças à escrita. É necessário considerar que expor às crianças às práticas de leitura e escrita está relacionado com a oferta de oportunidades de participação em situações nas quais a escrita e a leitura se façam necessárias, isto é, nas quais tenham uma função real de expressão e comunicação. (BRASIL, 1998, p. 151)

Embora reconheça que em nossa sociedade a escrita e a leitura são elementos fundamentais para inserção das crianças na leitura do mundo, é necessário pensar não somente em ilustrar a sala de aula e construir um ambiente alfabetizador, mas refletir sobre metodologias de alfabetização que tenham significado para a criança.

Em um determinado período da pesquisa, a professora conversou comigo sobre sua inquietação quanto a manter ou não os trabalhos dos alunos expostos nas salas de aula pois, segundo ela, tanto as crianças, como alguns familiares que participavam das visitas no período da tarde, retiravam as produções das crianças das paredes, o que a fazia questionar sobre o significado da exposição desses trabalhos. Entretanto, quando realizei a pesquisa, na maioria das vezes, as produções das crianças permaneceram expostas nas paredes. Algumas vezes, alguns dos trabalhos desapareciam, mas na maior parte dos dias, os crachás com os nomes das crianças, o calendário com os dias da semana, as condições do tempo e o abecedário, que era sempre mencionado nas aulas, estavam nos mesmos lugares. Discutia com a professora a necessidade do trabalho de orientação das crianças, seus familiares e acompanhantes para valorizar a documentação e o significado das atividades desenvolvidas em sala de aula, pois como neste universo a rotação de crianças e acompanhantes é muito cíclica, as questões de respeito as produções infantis precisavam ser retomadas cotidianamente com os grupos que utilizavam esses espaços.

É preciso destacar que o Hospital da Criança da OSID não possuía uma conduta higienista que predominava em algumas instituições hospitalares que conheci. Em alguns deles os trabalhos das crianças hospitalizadas não podiam ser expostos nas paredes pois

alegava-se que eram fonte de contaminação. Dessa forma, creio que esses espaços de exposição e valorização das produções dos trabalhos infantis poderiam ser mais explorados e cultuados na prática pedagógica da Educação Infantil na OSID.

Apesar de considerar que a sala de aula da Educação Infantil necessitava de um investimento maior na preparação do espaço para receber de forma mais acolhedora as crianças, é preciso destacar que a professora gostava de sair daquele ambiente. Ela realizava passeios fora da sala de aula com os alunos para diversificar o espaço, tais como: visita ao computador (que registrava os prontuários dos pacientes) no hall de entrada das enfermarias, visita ao Memorial de Irmã Dulce e ao refeitório localizado no terceiro andar. Em conjunto com a outra professora, também levou as crianças em passeios externos como a Feira do Livro e a um museu da cidade para verem a exposição “Os Quadrões” de Maurício de Souza.