• Nenhum resultado encontrado

4 A COMPLEXIDADE DA ESCOLA NO HOSPITAL

5 OS ETNOMÉTODOS DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DAS PROFESSORAS NO HOSPITAL

5.2 CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

A Educação Infantil no Brasil ainda sofre muitos preconceitos e discriminações. Embora os processos de educar crianças de 0 a 6 anos de idade tenham um significado expressivo na formação humana, este trabalho ainda é pouco valorizado pela sociedade. Mas, é preciso considerar, também, que para ser professor da Educação Infantil, são necessários saberes específicos que envolvem habilidades como: lidar com crianças, conhecimentos sobre desenvolvimento infantil, sensibilidade, valorização do lúdico, capacidade para responder as múltiplas indagações investigativas e cuidados específicos com esses pequenos cidadãos que, embora procurem realizar suas tarefas com autonomia, ainda são dependentes dos adultos em muitas situações.

Minha trajetória profissional, além da área de educação hospitalar, durante muitos anos esteve voltada para o trabalho de professora e pesquisadora de diferentes instituições de Educação Infantil.24 Nessas experiências, tive contato com muitos professores(as) e pesquisadores(as) desta temática e com a literatura, que produziam, que contribuíram para a emergência de um olhar atento às necessidades desta faixa etária. O que pude verificar é que existiam muitas contradições nos discursos dos professores e nas práticas existentes dos profissionais que atuavam neste campo profissional, como por exemplo, a valorização da brincadeira, do conhecimento dos aspectos e das questões emocionais que envolvem as crianças desta faixa etária. As práticas pedagógicas conhecidas, em sua maioria, centralizavam o processo de ensino - aprendizagem no professor e reproduziam práticas convencionais de educação.

Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), embora tenham sido enfaticamente criticados por pesquisadores como Faria e Palhares (1999) que alegaram que na sua elaboração não foram respeitadas as discussões e materiais oficiais que já haviam sido anteriormente construídos histórico e coletivamente nos fóruns de Educação Infantil, não se pode deixar de considerar que estes documentos foram um importante recurso elaborado pelo MEC para os professores da Educação Infantil. Todavia há de se respeitar as devidas limitações quanto a propostas e referências “universalizantes” para todas as crianças que compõem a diversidade brasileira.

24 Professora de Maternal da Escola João de Barro em Campinas (1986-1988). Bolsista de Iniciação Científica

CNPq na UNICAMP (1989). Pedagoga da Creche do Instituto de Tecnologia de Alimentos ITAL de Campinas (1989). Pesquisadora da CAPES no mestrado na Creche Jardim de Abril em São Paulo (1990/1994). Professora da Pré –Escola na Cooperativa Educacional do Banco do Brasil em São Paulo (1994) e Diretora da Creche do Hospital Sarah- São Luis do Maranhão (1996/1997).

Segundo dados do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998, vol 1), para sua produção, foi realizado um diagnóstico de diferentes propostas de educação nos diferentes Estados e Municípios brasileiros. Foram constatadas contradições quanto as organizações curriculares desenvolvidas pelos professores:

Essa análise aponta para o fato de que a maioria das propostas concebe a criança como um ser social, psicológico e histórico, tem no construtivismo sua maior referência teórica, aponta o universo cultural da criança como ponto de partida para o trabalho e defende uma educação democrática e transformadora da realidade, que objetiva a formação crítica dos cidadãos. Ao mesmo tempo, constata-se um grande desencontro entre os fundamentos teóricos adotados e as orientações metodológicas. Não são explicitadas as formas que possibilitam a articulação entre o universo cultural das crianças, o desenvolvimento infantil e as áreas do conhecimento. (BRASIL, 1998, p. 43)

Parece existir, portanto, um hiato entre o que se propõe e o que se realiza na Educação Infantil, pois nem sempre os professores são formados ou estão preparados para trabalhar com essa realidade. Em muitas propostas pedagógicas, ou existe uma infantilização das crianças, já que não são inseridos no currículo debates contemporâneos quanto as questões sociais dos direitos que as envolvem, ou as propostas pedagógicas enfatizam somente o processo de alfabetização, tratando os alunos como escritores e leitores em potencial quando ainda não estão preparados para essa realidade; ou mesmo, não se tem clareza de uma opção curricular a ser adotada.

Para alfabetizar na pré escola é preciso considerar que a criança nas sociedades letradas, desde que nasce, já vive em um mundo de símbolos, letras e códigos da escrita, que estão a todo momento a seu redor. Porém, alfabetizar significativamente essas crianças implica em um processo complexo que envolve um conhecimento aprofundado do professor para realizá-la. Não basta o professor afirmar que realiza a alfabetização baseada na perspectiva construtivista se não possibilita descobertas para as crianças, não respeita os caminhos que elas percorrem para entender o funcionamento desse código escrito e suas nuances, se não utiliza mecanismos motivadores para essa compreensão e não propõe atividades diversificadas para o entendimento da escrita. Dessa forma, o professor precisa ter clareza sobre os objetivos do seu trabalho, sobre a forma de conduzí-lo e até mesmo de algumas características que cercam a sua profissão que os diferencia de outros profissionais.

Oliveira Formosinho (2002), estudiosa da Educação Infantil em Portugal, têm contribuído nos últimos anos nos fóruns de discussão desta área no Brasil. Ela analisa alguns

aspectos específicos que denomina de profissionalidade das educadoras25 da infância. Entre

esses aspectos estão: conhecimentos, competências, ação integrada da educadora com as

famílias das crianças, sentimentos que estão implicados nos diferentes contextos de exercício profissional, bem como em diferentes modelos de infância. Para ela:

Evidentemente o papel dos professores das crianças pequenas é, em muitos aspectos, similar ao papel de outros professores, mas é diferente em muitos outros. Esses aspectos diferenciadores configuram uma profissionalidade específica do trabalho das educadoras da infância. Os próprios atores envolvidos na educação da infância têm sentimentos mistos no que se refere à questão de seres iguais ou diferentes dos outros professores, nomeadamente do ensino primário. (OLIVEIRA FORMOSINHO, 2002, pg. 43)

A especificidade do professor no trabalho da Educação Infantil está voltada para as características das crianças pequenas como: a vulnerabilidade, que exige cuidados físicos, afetivos, sociais e psicológicos constantes deste professor; da globalidade das mesmas, que requer integração de conhecimentos; assim como a dependência da criança de suas famílias, que também exigem uma aproximação do professor com esse universo.

O papel do professor de Educação Infantil, portanto, sofre indefinições de fronteiras pois ele precisa não dicotomizar a educação e o cuidado, aspectos estes que estão extremamente inter-relacionadas, além de ser necessário compreender as necessidades da criança e avaliar seu trabalho cotidianamente.

Para Oliveira Formosinho (2002, p. 49) o profissional de Educação Infantil precisa ter uma rede de interações amplas e saber integrar funções uma vez que a base de sua atuação está centralizada na criança e na globalidade da sua educação: isso requer integração de saberes. Ele precisa também saber cuidar, o que requer integração de funções, principalmente na relação com os pais, mas também com outros profissionais, bem como com a comunidade, pois é preciso que saiba lidar bem com as interações e interfaces.

Nos Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 2002, p.41, Vol. 1) também existe uma definição quanto ao perfil do profissional de Educação Infantil:

O trabalho direto com crianças pequenas exige que o professor tenha uma competência polivalente. Ser polivalente significa que ao professor cabe trabalhar com conteúdos de naturezas diversas que abrangem desde cuidados básicos essenciais até conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do conhecimento. Esse caráter polivalente demanda, por sua vez, uma formação bastante ampla do profissional que deve, tornar-se, ele também, um aprendiz, refletindo constantemente sobre sua prática, debatendo com

25 A autora justifica o nome educadoras por predominar nesta área profissionais do sexo feminino, por isso não

seus pares, dialogando com as famílias e as comunidades e buscando informações necessárias para o trabalho que desenvolve. São instrumentos essenciais para reflexão sobre a prática direta com as crianças a observação, o registro, o planejamento e a avaliação.

Historicamente no Brasil, a Educação Infantil sofreu as influências dos contextos sociais e políticos que marcaram a sua existência e que também orientavam o modelo de infância que direcionaram as interações e interfaces do professor.

Kishimoto (1988) e Kuhlmann Jr (1998) têm-se dedicado especificamente a estudar a evolução histórica das creches e pré- escolas em nosso país. Oliveira (2002) e Arroyo (1995) e Macedo (1988) também estudaram a Educação Infantil, enfocando os aspectos históricos que a envolvem, todavia como características complementares de seus estudos. Esta evolução histórica será tratada de forma breve neste trabalho, apenas para situar como as concepções educacionais foram elaboradas ao longo dos tempos e como vem determinando diferentes concepções de infância e modelos educacionais.

Arroyo (1995) considera que, nos primórdios da Educação Infantil no Brasil, a criança era tratada apenas como objeto de cuidado e a infância era concebida somente como objeto de assistência. Posteriormente, nas décadas de 60 e 70, principalmente as crianças de classes populares foram concebidas como futuros trabalhadores e através da educação, deveriam ser preparadas visando este futuro. A concepção de educação estava voltada para compensar as carências sociais dessas crianças, como se a educação fosse o único meio de resolução dos problemas sociais. No final da década de 70, surgiu uma concepção de infância, ainda predominante nos dias atuais, que concebia a pré escola com uma função voltada estritamente para a alfabetização. Segundo Arroyo:

Outra concepção muito freqüente no projeto educativo para a infância: a criança enquanto sujeito de domínio de atividades letradas. A pré – escola, o que significa a palavra? Significa que entre os cinco/seis anos de idade a criança já tem que estar pré-escolada, já tem que dominar, se possível, habilidades de leitura, de escrita porque assim evitamos a reprovação na primeira série. Esta concepção de submeter o mais cedo possível criança aos cânones da escola dominou durante várias décadas e continua dominante. Não vai ser esta a nossa direção. Não queremos escolarizar precocemente. Não queremos que a criança não viva a infância em nome de uma escolarização precoce. Gostaríamos de eliminar a palavra pré escola de nosso dicionário. Ela não sintetiza a nossa visão de uma proposta político – pedagógica para a infância. A nova LDB não fala em pré escola e sim em Educação Infantil. Em num sentido muito certo, de que a idade de zero a seis anos tem uma identidade em si mesma, ela não está apenas definida pela futura inserção na escola. A pré–escolarização prematura, fazer tudo para que a criança tenha controle motor para segurar o lápis, para que entre logo a matemática, tudo isso não vai em nossa direção. (ARROYO, 1995, p. 20/21)

As críticas de Arrroyo são pertinentes para se discutir o que se têm feito em nosso país com nossas crianças, pois predominantemente, elas têm sido ainda concebidas como um projeto de futuro do país e não crianças com valor em si mesmas.

Na década de 80 e 90, nós Fóruns de Educação Infantil, têm-se discutido uma concepção da infância voltada para tratar a criança como um sujeito de direitos não considerando-a como um futuro cidadão, mas respeitando-a como um cidadão real que já existe e precisa ter seus direitos materiais, pedagógicos, culturais, sociais, alimentares, humanos, lúdicos e afetivos atendidos. Todavia, há muito a ser feito, pois ainda predomina em muitas instituições de Educação Infantil a visão de criança como um futuro homem, um vir a ser.