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O PROCESSO DE ADOECIMENTO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

4 A COMPLEXIDADE DA ESCOLA NO HOSPITAL

4.4 O PROCESSO DE ADOECIMENTO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O processo de adoecimento para a espécie humana implica na alteração de algumas funções normais do organismo, principalmente quando se trata de doenças ou acidentes que põem em risco as vidas. As doenças são provenientes de vários fatores e há uma infinidade de situações físicas e psicológicas que levam ao adoecimento. Quando uma enfermidade acomete um indivíduo existem desequilíbrios que consequentemente produzem algumas marcas que mostram uma diferenciação no ciclo regular da vida. Alterações no corpo e nas expressões faciais são sinalizadores que fornecem pistas para indicar que algo não vai bem. A febre, a dor e a mudança de comportamento, a tristeza e a apatia são elementos muito particulares que demonstram que há um desarranjo funcional do organismo.

As crianças e os adolescentes quando são acometidos por uma doença na infância ou juventude alteram, de certa forma, seus padrões de interação com o mundo. Ser criança ou adolescente doente, principalmente com uma doença crônica, significa ter corpos invadidos por determinadas patologias que, muitas vezes interferem no próprio desenvolvimento físico pois podem gerar algumas deformidades. No caso das crianças que sofrem de problemas renais, por exemplo, quando estão em crise, são visíveis as deformações no corpo que levam as crianças a ficarem inchadas, com palidez na pele, os olhos amarelados, dentre vários outros aspectos. Também, em alguns casos, essas modificações corporais levam as crianças hospitalizadas a alterarem as suas relações sociais e a emoção.

Fontes (2003, p. 107), ao estudar escolas para crianças hospitalizadas, considerou que:

Adoecer faz parte da vida. Todavia, algumas doenças levam à hospitalização afetando a vida das pessoas durante um determinado período da vida. O caso torna-se mais grave quando o paciente em questão é uma criança e quando a causa da internação, além de ser alguma debilidade física, traz a marca da discriminação sócio –econômica de nossa sociedade e, por esta razão, acaba se tornando crônica, prejudicando uma das etapas mais importantes da vida: a infância.

Porém, apesar das privações que a criança enfrenta na hospitalização, este período não se traduz em uma interrupção da vida. As pessoas, mesmo hospitalizadas, apesar de sofrerem algumas limitações, não estão impossibilitadas de continuarem pensando, se desenvolvendo, sonhando e seus desejos continuem existindo. Estar doente implica em cuidados e auxílio. As fragilidades das crianças e adolescentes enfermos fazem com que o grau de dependência dessas crianças em relação aos adultos seja redobrado. Por sua vez, as crianças e os adolescentes também ficam mais suscetíveis ao auxílio e a esses cuidados. Porém, apesar das limitações encontradas, as crianças e adolescentes hospitalizados também têm muitas possibilidades no período de internação. Muitas vezes, embora o corpo não responda às necessidades desejadas de um padrão de normalidade, é possível se adequar, elaborando outras estratégias e adaptações para a sobrevivência.

Para as crianças e adolescentes hospitalizados, tanto a dor como o sofrimento fazem parte de seu cotidiano, assim como o medo da morte circunda seus imaginários. Não existe uma forma que defina criança e adolescentes enfermos, pois uma mesma doença pode possuir características comuns em seus aspectos exteriores, mas, interiormente ela é vivida de forma muito singular por cada indivíduo. Todavia, a brincadeira e o lazer são vividos de forma intensa por quem vive o presente muitas vezes sem saber se existirá o amanhã. Muitas crianças demonstram que possuem intensa flexibilidade para enfrentar as pressões impostas pelas doenças mostrando que a resiliência faz parte de suas vidas.

De acordo com Yunes e Szymanski o termo resiliência é originário da Física e significa:“ [...] a propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica.” (Yunes e Szymanski, 2001, p. 14).

Placco (2001, p. 1,2) define o termo resiliência nas Ciências Humanas como:

[...] a capacidade do indivíduo responder de forma mais consistente aos desafios e dificuldades, de reagir com flexibilidade e capacidade de recuperação diante desses desafios e circunstâncias desfavoráveis, tendo uma atitude otimista, positiva, perseverante e mantendo um equilíbrio dinâmico durante e após os embates, uma característica (poderíamos dizer características?) de personalidade que, ativada e desenvolvida, possibilita ao sujeito superar-se e às pressões de seu mundo, desenvolver um autoconceito realista, autoconfiança e um senso de autoproteção que não desconsidera a abertura ao novo, à mudança, ao outro e à realidade subjacente.

Portanto, existem diferentes reações ao processo de adoecimento e, pela capacidade de recuperação rápida, assim como as características da infância, levam muitas crianças a superarem as dificuldades, mesmo diante de circunstâncias desfavoráveis de desequilibradoras.

A concepção de doença, saúde e equilíbrio envolve muitas discussões sobre o que é ser saudável. Os seres humanos, mesmo livres de doenças, podem encontrar dificuldades para sobreviver.

Medina (1997), discute que atualmente o conceito de saúde vai além de uma visão ingênua que considera um ser saudável como aquele que não apresenta doenças. A concepção de saúde tem sido entendida como busca e ato de adaptação dinâmica das pessoas aos meios físico, psíquico e social. Para ele, é irreal a idéia de que exista um completo bem estar físico, psíquico e social. Nesse sentido, ele considera que é preciso reconhecer a existência de adversidades nesse âmbito, bem como se faz necessário compreender que conquistar a saúde consiste em buscar e atingir seu domínio em processo ativo e cumulativo. (MEDINA,1997, p. 151).

Embora Medina pontue como as adversidades estão presentes tanto nos momentos de saúde como de fragilidades orgânicas, não se pode desconsiderar que uma doença grave é um momento delicado na vida, quer seja de uma criança, um adolescente e seus familiares, pois eles se sentem ameaçados e invadidos. Mas o adoecer, embora seja um período de desequilíbrios, também significa um momento de revisão das suas atitudes perante a vida. Na realidade hospitalar, crianças e adolescentes se deparam com outros colegas em situações bem piores que as suas que os levam a refletir sobre a existência humana.

Nos hospitais públicos “mazelas sociais” estão presentes, como abandono de crianças, espancamento, descuido, acidentes domésticos e doenças da infância. Algumas crianças chegam aos hospitais maltratadas em vários sentidos: quer seja pela sociedade, quer seja pela família, pela escola, pelo ambiente em que convivem. Chegam em uma situação de exclusão antes mesmo da internação hospitalar. Mas, há de se considerar que os acidentes e o abandono físico não são realidades que se limitam somente às classes populares e nos hospitais públicos, pois ela está presente nas diversas classes sociais. As condições econômicas influenciam algumas vezes a constituição de doenças, não se pode negar entretanto, que, fatores diversos podem levar uma criança ao adoecimento, nas mais diferentes classes sociais.

Analisando a questão dos acidentes infantis, Amaral (2002) aponta razões que muitas vezes não aparecem explicitamente, mas que estão implícitas nos acidentes das crianças:

Se estivermos fincados na crença de que a criança é um ser que não sofre e não se angustia, então, ao nos depararmos com uma criança vítima de acidente, tentaremos buscar rever apenas a “ordem perdida”, dar apenas orientação para que seja restabelecida a imagem que nós mesmos criamos do

infante. Não seremos capazes de suportar a verdade de que talvez, por trás do acidente, encontramos alguém rejeitado, negligenciado, violentado e talvez até buscando formas de se autodestruir. (AMARAL, 2002, p. 37).

Dessa maneira, é possível evidenciar que o processo de adoecimento de crianças

e adolescentes pode revelar mecanismos que esses indivíduos estão sinalizando sobre suas formas de adaptação no mundo. Nesse sentido, é preciso olhar de uma forma mais atenta a maneira como eles estão se desenvolvendo e solicitando o auxílio dos adultos para sobreviverem. Alguns acidentes podem ocorrer de forma proposital e servem para denunciar a forma com que as crianças estão encontrando para buscar mais acolhimento, solicitando mais cuidados dos adultos.

Ao serem internadas nos hospitais, as crianças e adolescentes começam a mostrar diferentes comportamentos e modos de vivenciar a doença no espaço hospitalar e nas complexas redes interativas que o compõe.

4.5 A CONVIVÊNCIA DAS CRIANÇAS, ADOLESCENTES E FAMILIARES NO