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3 A QUESTÃO DO MITO DA RIQUEZA DO SUBSOLO

No documento O carvão numa economia nacional (páginas 146-153)

A indústria mineira é tão antiga que quase se torna impossível imaginar os nossos antepassados sem o recurso à extracção dos minérios e à sua consequente transformação, à medida que a entrada na História levava o homem ao uso e à generalização dos metais.

Não pretendemos refazer a história da exploração dos minérios, nem tão-pouco demonstrar, mais uma vez, que o nosso território, muito antes da chegada dos romanos,

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foi palco de uma intensa actividade mineira e de labor na fundição de metais, nem sequer uma breve história da indústria mineira em Portugal que bem merecia ser honrada, como se depreende de Maria Filomena Mónica: "A historiografia portuguesa tem-se ocupado pouco das minas e dos mineiros. Praticamente nada se sabe sobre a evolução do sector ou as condições de

vida".1 ' Queremos, isso sim, dar mais um contributo para este sector que deixou marcas na

paisagem e nas mentalidades, a tal ponto de serem facilmente visíveis, ainda hoje, ao longo de todo o território, algumas delas tão próximas e com ujeridasn tão marcantes que, a todo

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o custo, se tentam sarar.

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Cfr. ALLAN, John C. - A Mineração em Portugal na Antiguidade. Boletim de Minas, vol.2, n°3, (Jul/Set. 1965).

" Prefácio de GUIMARÃES, Paulo - Indústria, Mineiros e Sindicatos. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 1989.

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As minas do Couto mineiro do Pejão encerraram a 31 de Dezembro de 94, tendo cessado a extracção do carvão em meados do referido ano. Em Janeiro de 95 permaneciam na mina cerca de 40 trabalhadores ligados aos trabalhos de desmontagem dos poços e minas, conforme artigo inserto no Jornal de Notícias de 24 de Março de 1995. As minas de S. Domingos, em Aljustrel, encontram-se paralisadas há algum tempo, alegadamente por dificuldades de uma baixa cotação do cobre nos mercados internacionais. O Jornal de Notícias publicou, de 21 de Março a 2 de Abril de 1995, uma série de artigos relativos à situação actual da

Para além desta contribuição que ora iniciamos, pensamos que um dia, à medida que o estudo e a experiência nos for estimulando o gosto e aperfeiçoando as técnicas de investigação neste domínio, poderemos voltar, novamente, com outro trabalho exploratório no que foi a "arte das minas1' em Portugal ao longo do nosso tempo histórico que, tendo sido umas vezes intensa e outras bastante moribunda, faz coincidir o seu termo com o limiar do século XXI. Fazemos, todavia, uma ressalva para as pedreiras e para as

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águas. Pouco mais vai restando! Já não há a corrida às minas de outrora, e os mineiros, tal como elas, vão caindo no esquecimento, por vezes esvoaçando no imaginário colectivo, à espera que a História, mesmo que atrasada, lhes dê o lugar a que têm direito.

A corrida às minas a que assistimos a partir da 2.a metade do século passado, de

maneira acentuada no seu último quartel e princípios século XX, não significava a certeza

indústria mineira em Portugal. Chamamos a atenção para o facto de que muitas informações terão de ser corrigidas, particularmente as afirmações sobre datas referidas.

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Vide carta mineira - Principais explorações de depósitos minerais - Jornal de Notícias, de 21.3.95.

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Referimo-nos à loucura das minas que, desde os fins do século XIX e por toda a Ia metade do nosso,

criou, nas gentes de Portugal, a expectativa, sempre adiada, de uma riqueza que, por mais que fossem os exemplos dos afortunados pela sorte do minério, na generalidade, beneficiou sempre muito poucos. Em 1965, debatendo-se "As Indústrias Extractivas na Assembleia Nacionar, concluíam os deputados

intervenientes no "debate" que o país era, efectivamente rico em minérios e que se deveria reflectir sobre as causas do seu atraso, nomeadamente nas questões técnicas, sociais, salariais e necessariamente legislativas. A este propósito, referia o deputado, Eng.° Pereira e Cruz, na sessão de 14.1.65: "É urgente adaptar a Lei de Minas às condições actuaisf...) Há que dificultar a retenção das minas em mãos de entidades desinteressadas na sua exploração, mas que só as conservam com meros intuitos especulativos"- ( "As Indústrias Extractivas Na Assembleia Nacionar, Arquivos, Da Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos, Lisboa - 1965).

Cfr. CORDEIRO, Jorge - Minas: Uma Luzinha ao Fundo do Túnel. Jornal de Notícias de 2 de Abril a 2 de Maio de 1994.

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de que o nosso território fosse rico em minérios ou que houvesse sequer verdadeiro conhecimento mineralógico do seu subsolo. Porém, não devemos esquecer que desde os finais do século XVIII se vão divulgando, de forma criteriosa, os valores do nosso subsolo, com a descrição dos diferentes minerais e as suas aplicações, bem como as regiões onde se

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Em meados de oitocentos, ter minas era já, em Portugal, significado de independência, e ganhava-se a consciência de que o ferro e o carvão constituíam os principais alicerces da sociedade industrial. Contrariamente ao que se passava na maior parte dos países europeus, Portugal continuava a ignorar o seu subsolo, a não aproveitar o que conhecia e, em contrapartida, a importar o que o que podia produzir. E o que concluímos das palavras de Carlos Ribeiro em 56:

Para verguenza nuestra (com harta pena lo manifestamos) el único pais en que no se benificia ni una grama de hierro es Portugal!: Y no obstante Portugal tiene minas de hierro en cuasi todas sus provindas! El viagero que recorra este pais en todas direcciones, encontrará repetidas localidades con la denominacion

Cfr. PERDIGÃO, José de Azeredo - A indústria em Portugal. Arquivos da Universidade de Lisboa, vol. III. Lisboa: S.n., 1916. p. 7-29; ANDRADE, Anselmo - Portugal Económico. Porto: S.n., 1902. p. 312- 319; PEREIRA, José Campos - Portugal Industrial. Lisboa: S.n., 1916; JÚNIOR, Manuel Rodrigues - Op. cit.; Minas, Catálogo oficial da secção portuguesa, Exposição Nacional do Rio de Janeiro. Lisboa: S.n., 1908. p. 319-322; POINSARD, Léon - Os depósitos metalliferos. Portugal Ignorado, p. 219-254; SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. Oliveira - Nova História de Portugal. Vol. XI, Lisboa: Editorial Presença. Cap.IV. p. 115-118.

VANDELLI, Domingos - Memória Sobre as Produções Naturais do Reino, e das suas Conquistas, primeiras de diferentes Fábricas ou Manufacturas. Tomo I. Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa para o adiantamento das artes e das indústrias em Portugal e suas conquistas. Lisboa: Officina da Academia Real das Sciencias, 1790.

de ferrerias, en donde hallará patentes vestígios que justifican el nombre, demostrando que hubo en otros

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tiempos en dichos sitios esplotaciones y fabricas de hierro.

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S e m p r e t e n d e r m o s ofuscar a t r a d i ç ã o d a i n d ú s t r i a m i n e i r a e m P o r t u g a l , privilegiamos, p o r razões q u e se p r e n d e m c o m a n a t u r e z a d o t r a b a l h o , o século XIX e a p r i m e i r a m e t a d e d o século X X . D i r e m o s já q u e , c o m o a c t i v i d a d e e c o n ó m i c a d e t e r m i n a n t e p a r a a e c o n o m i a , excepção feita' p a r a u m a o u o u t r a época, a m i n e r a ç ã o , c o m o subsidiária d a s actividades i n d u s t r i a i s , n u n c a foi e m P o r t u g a l d i g n a d e relevo. E n u n c a o foi, q u e r p e l o n ú m e r o d e operários e f o r n e c i m e n t o d e m a t é r i a s p r i m a s a o u t r a s i n d ú s t r i a s , q u e r a i n d a pelos r e s u l t a d o s auferidos p e l o t e s o u r o p ú b l i c o . ' " E s t a m o s e m crer q u e é mais razoável falar­se d e u m a p r e o c u p a ç ã o m i n e i r a s e n t i d a pelos nossos m o n a r c a s , a c o n s i d e r a r m o s a legislação q u e foi s e n d o p r o d u z i d a , ' d o q u e d e u m a a c t i v i d a d e q u e m a r c o u o m o d o d e v i d a d e u m p o v o . P o r é m , n ã o p r e t e n d e m o s dizer q u e a t r a d i ç ã o m i n e i r a vivida n a P e n í n s u l a tivesse d e s a p a r e c i d o , m a s a n t e s , desmistificar a ideia d e q u e o v e l h o P o r t u g a l , d a i d a d e m é d i a a o liberalismo, se tivesse afirmado nessa c o n t i n u i d a d e .

RIBEIRO, Carlos ­ Consideraciones Sobre las Minas De Portugal. Revista Peninsular. 2°. Vol. S.I.: Tip. de Castro e Irmão, 1856. p. 309.

ALLAN, C. John ­ A Mineração em Portugal na Antiguidade. Boletim de Minas. Vol. 2. n.° 3. (Jul./Set. 1965).

110 BARROS, Gama ­ História da Administração Pública em Portugal, 2a ed.. p. 103­104; SERRÃO, Joel;

MARQUES, A. H. Oliveira ­ Op. cit, Vol. IV. p. 113­114. JÚNIOR, Manuel Rodrigues ­ Op. cit. p.4.

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Vide Cap.l. "Dasprimeiras leis...", p. 16­20.

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PEREIRA, José Manuel Esteves ­ Indústria Portuguesa, Subsídios para a sua história. Lisboa: Guimarães & Ca Editores, 1979. p. 108­139.

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Aquele esplendor que se atribui à exploração romana das minas da Lusitânia e que escavações profundas e consideráveis, grandes massas de escórias e documentos legislativos mesmo - toda uma importante arqueologia mineira - denunciam intensa nas minas de cobre de S. Domingos, Aljustrel, Yinoca e Serra da Caveira e, em geral, em todas as massas e filões de alto teor e fácil lavra no Alentejo, nas minas de Santa Justa em Valongo, nas minas de chumbo do Braçal, nunca foi atingido.

A preocupação dos nossos monarcas pelas minas desde os longínquos tempos medievais, bem longe ainda da primeira lei de D. Duarte e desta à criação da Intendência Geral das Minas, constituiu mais um meio de arrecadar receitas pelos impostos que sobre elas recaíam do que propriamente uma maneira de incrementar a sua sua exploração e fomentar desse modo a riqueza nacional. Que o diga a legislação produzida, pois desde os primórdios que "as diversas phases por que passou a legislação mineira nas duas nações da peninsula hispânica são caracterisadas mais pela assignalada tendência de crear receita pelos impostos de minas do que fomentar o desenvolvimento da industria mineira".

O nosso passado histórico, rural e marítimo numa primeira tase e quase so marítimo numa outra, ajuda-nos a compreender por que é que a economia "metropolitana" teve sempre dificuldades em se alicerçar na indústria, incluindo a mineira. A excepção existe e vai para alguns minérios que deram continuidade à tradição deixada pelos romanos. Mas, os minérios ou os metais que marcaram os primeiros séculos, com destaque para o ouro, ferro e estanho, sempre se caracterizaram por um índice de baixa

JÚNIOR, Manuel Rodrigues - Op. cit., p. 4.

Estatística Mineira de 1882. Op. cit., p. 7.

116 Cfr. MATTOSO, José, dir - História de Portugal. 1." Edição. Lisboa: Círculo de Leitores. 1993. 2.° Vol.

p. 378-385; SERRÃO, Joel, dir - Complexo Histórico-Geográfico. Dicionário de História de Portugal. Vol. n. p. 130-135.

produtividade."8 E mesmo no século XIX, é já praticamente na alvorada do nosso que

vamos sentir o seu pulsar, não obstante o fim do monopólio estatal criado pela legislação de 36 e a nova doutrina revolucionária trazida pelo decreto de 52.

Não bastava ao estado liberal criar as condições jurídicas para o seu desenvolvimento, pois muito tempo mediava entre os registos da descoberta e o início da sua exploração: "Grande parte dos indivíduos que faziam os registos de descoberta não procediam nos termos legais até obterem a certidão de descobridor legal, impedindo desta forma a lavra de

muitas minas".'10 Segundo o art. 12° do decreto de 52, todo o indivíduo que quisesse ser

reconhecido como descobridor e beneficiar dos direitos inerentes à descoberta tinha de cumprir todo um conjunto de exigências para que lhe fosse passada a certidão dos direitos adquiridos, dispondo depois de um prazo de seis meses para organizar a companhia respectiva ou apresentar os meios necessários para a sua exploração. A morosidade daí decorrente atrasava a iniciação da própria lavra, pelo que o decreto de 13 de Agosto de

1862 tentou resolver essa situação, sem que o efeito se traduzisse em resultados mais significativos.

Depois, faltavam os capitais e a especulação sentia-se a todo o momento, abrindo-se as portas aos estrangeiros a quem o estado liberal se associava como forma de

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Verificamos que se pesquisou muito e se produziu relativamente pouco. Cfr. CAMPOS, Jorge de - Op. cit. p. 6.

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Vide cap. 1. Quadro 2.

120 GUIMARÃES, Paulo - Op. cit., p. 10.

"Os maiores defeitos estão no regulamento. Um dos principaes é uma omissão, contraria ao espirito da lei, que deixa ao descobridor o monopólio indefinido da sua descoberta em prejuízo da communidade. Outro vicio essencial é o modo por que o regulamento especial dos impostos considera o producto liquido". Relatório Da Inspecção Geral de Minas 1860-1861. Op. cit. p. 462. Vide Cap. 1, "O Decreto de 31 de Dezembro de 1852".

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obter rendimentos imediatos. A indústria mineira não atraía os capitais nacionais, pois as minas são uma actividade que, para além de exigir quantias avultadas, necessita de muito tempo para ser reembolsada dos investimentos efectuados. As minas eram, em Portugal, só as minas, uma vez que quase toda a matéria extraída se destinava à exportação dada a falta de meios de transformação. Porém, já em meados do século XIX, se lançava o alerta para as vantagens do fabrico dos metais em Portugal, nomeadamente a fundição do ferro que se queria promover em verdadeira indústria, intuindo-se desse factor a condição essencial para o arranque industrial.

Tendo como certo que no arranque "tradicional" de qualquer revolução industrial, 123

o ferro e carvão andam, necessariamente, juntos, uma vez que "La fuerza más típica de la industrialization decimomónica es la dei calor empleado de forma directa (en metalurgia, por

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ejemplo) o bien convertida en energia útil por medio de la máquina de vapor" e que "El mejor conbustible para las máquinas de vapor es el carbon mineral", Carlos Ribeiro, em 1853, depois de ter verificado os diversos jazigos de ferro do distrito de Leiria e reconhecer o "valor económico d'um estabelecimento de metallurgia de ferro", ponderando sobre as vantagens e

CABRAL, Manuel Villaverde - Portugal na alvorada do século XX. 2a edição. Lisboa: Editorial

Presença, 1980. p. 215. 3

Cfr. RIOUX, Jean Pierre - A Revolução Industrial. 4a edição. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1982.

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NADAL, Jordi - Moler, teger v fundir, Estúdios de historia industrial. Barcelona: Editorial Ariel, S.A., 1992. p. 85.

Idem. Ibidem, p.85.

!6

RIBEIRO, Carlos - Memoria sobre as minas de ferro no Districto de Leiria. Boi. do M.O.P.C.I.. Vol. I, 1857. Segunda Parte. p. 313-328.

No documento O carvão numa economia nacional (páginas 146-153)