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AS GRANDES QUESTÕES MINEIRAS 8

No documento O carvão numa economia nacional (páginas 84-90)

esta matéria dissesse respeito:

AS GRANDES QUESTÕES MINEIRAS 8

a-

A questão não é saber se estão consignados no Decreto de 13 de agosto de 1832, art. 17.°, e no de 25 de Novembro de 1836, art. 4.° e 6.°, princípios demasiado absolutos, de que a propriedade do solo inclue também a posse das riquezas subterrâneas que elle encerra em seu seio. Hoje trata-se de fazer Lei nova, e de perfeiçoar o nosso incompleto direito sobre Minas; o que importa é resolver se o interesse commum e a justiça em se manter sem restrições a doutrina da propriedade illimitada. É saber se a Carta, no § 21.° do art. 25, não previu os casos em que fosse preciso eondliar o direito do proprietário com os interesses da Sociedade, intervindo o Governo para proteger e fiscalizar a fortuna pública, impedindo que os excessos e

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temeridades da especulação individual a não venham desbaratar.

P o r t a n t o , c o m base n o s interesses de utilidade pública se fazia a defesa d a separação e n t r e a propriedade de superfície e a propriedade subterrânea, c a b e n d o esta à n a ç ã o q u e , através d o governo, a concedia a q u e m mostrasse melhores aptidões técnicas e financeiras, tal c o m o viria a ser consagrado n o art. 14.° desta Lei:

O Governo em vista das informações que tiver colligido sobre a idoneidade e habilitações dos diversos pretendentes á lavra de uma mesma mina, resolve a respeito de quem deva ser preferido d'entre os concorrentes, ou sejam proprietários do solo, descobridores da mina, ou quaesquer outros.

C l a r o q u e o artigo 14.° n ã o foi de aprovação fácil, pois, c o n t r a a sua d o u t r i n a , se manifestaram t o d o s os q u e n ã o aceitavam a propriedade d o subsolo distinta d a superfície, alegando q u e n e m sequer o proprietário desta t i n h a qualquer preferência n a concessão, p o s t o q u e era e m pé de igualdade com os outros. Para além de c o n t i n u a r e m a defender q u e as m i n a s p e r t e n c i a m ao d o n o d o t e r r e n o , tal c o m o o p o s t u l a d o n o art. 17.° d o Decreto de 32, a p o n t a v a m o exemplo d a Inglaterra e afirmavam n ã o ter dúvidas q u e o m e s m o princípio era antes consagrado n o decreto de 36 ao exigir o c o n s e n t i m e n t o d o d o n o para a

lavra das minas, uma vez que, se tal não fosse verdade, não se exigia o consentimento do

proprietário."6 Mais ainda, defendiam que o projecto em discussão, ao prever as

indemnizações, implicava que as minas pertenciam ao proprietário do solo. Assim, propunham que a indemnização fosse justa:

Se o bem geral exige o sacrifício da propriedade particular que o dono delia seja indemnizado de todo o seu valor, e não de uma parte, pois ninguém dirá que fica completamente indemnisado, deixando a indemnisação do valor do mineral sem segurança alguma e dependente de um acto administrativo do

237 ... .. governo.

Apesar do esforço feito nesse sentido, a lei contemplou o artigo do projecto tal como se apresentou sem quaisquer aditamentos, reconhecendo aos proprietários da superfície o direito a receber uma quantia paga pelos concessionários mas arbitrada pelo governo, reconhecendo ainda o direito das indemnizações aos mesmos proprietários pelos "prejuízos que causarem durante a occupação temporária do terreno". De nada valeram os argumentos aduzidos em favor do reconhecimento do proprietário do solo como dono, também, do subsolo, e nem sequer o direito de preferência lhe era consignado.

Em conclusão, consideramos que, efectivamente, os direitos do proprietário sofriam um corte, uma vez que se limitava apenas à superfície. O que se compreende. Por

Sessão de 20 de Maio. Op. cit. p. 211. Sessão de 20 de Maio. Op. cit. p. 212. Art. 25.°, Cap. V, Lei de 25 de Julho de 1850.

Achamos oportuno destacar o pedido de um aditamento, não considerado, ainda a propósito das

indemnizações: 'Was expropriações forçadas será o proprietário previamente indemnisado do valor da superfície do prédio, e o concessionário prestará fiança idónea a indemnisa-lo também do valor da mina...", Op. cit., p. 212.

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um lado, eram os interesses da comunidade que se defendiam, dado que não seria legítimo que o dono do terreno pudesse impedir o desenvolvimento duma riqueza, tida pela maioria, como pertença, da colectividade. Por outro, também não era justo dar-se-lhe a preferência, sob pena de se cair numa situação de atraso por incapacidade técnica e financeira. De resto, tal era o que se passava em França que, pela lei de 21 de Abril de 1810, se distinguia a propriedade das minas da propriedade da superfície e não se reconhecia qualquer direito de preferência a qualquer dos concorrentes, cabendo ao Estado escolher o que lhe parecesse oferecer melhores garantias. Então não tinha o proprietário nenhum direito de preferência? Não! Todos os argumentos que pudesse invocar eram diluídos na indemnização a que tinha direito e que a concessão fazia constar.

Influenciada pela lei francesa, a nossa legislação não fez mais do que seguir esses princípios ao consigná-los nos artigos 10.°, 13.° e 14.°. Deste modo se conciliaram os interesses de utilidade pública com os interesses da sociedade.

Se o proprietário quisesse, contudo, habilitar-se à lavra, poderia fazê-lo mas sempre submetido às mesmas condições que os outros. Mesmo em pé de igualdade, a preferência não colhia consenso: "Mesmo em igualdade de circumstancias a preferencia ao

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proprietário, sendo obrigatória, tomava-se prejudicial á boa lavra".

Com as pesquisas, passava-se, naturalmente, o mesmo. O proprietário do solo não as podia impedir pelos mesmos motivos. Se o proprietário do solo pudesse ou resolvesse impedir a pesquisa, tínhamos o mesmo resultado que manter as minas na propriedade do solo, pelo que se justificava a intervenção do Estado aquando da recusa do consentimento

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do dono. Os direitos do proprietário eram garantidos, ou melhor, substituídos, em nome do interesse público, pelo direito à indemnização.

Os descobridores não eram votados ao esquecimento. A Lei concedia a todo o descobridor que pretendesse autorização para explorar a mina por si descoberta, "o espaço de seis meses para a formação da empreza", depois de cumpridos os requisitos necessários para a obtenção da certidão dos direitos adquiridos de inventor. Se chegasse ao fim desse tempo sem que tivesse ''alcançado a organização delia, ou os meios necessários para a lavra", procedia- se à abertura de concurso para a concessão, "arbitrando um prémio ao descobridor". Aqui, estamos, na verdade, diante de uma preferência em favor do inventor ou descobridor, embora tal não signifique que a lavra da mina seja posta em causa, uma vez que são exigidos todos os requisitos formais. A prioridade ia mais no sentido da moralidade e do estímulo à pesquisa mineira, quer permitindo ao descobridor, caso não tivesse de imediato os recursos necessários, dispor de seis meses para o conseguir, ou, na eventualidade de não lhe ter sido possível ou não quisesse, a mina era posta a concurso, designando-se na concessão os direitos a que teria direito como descobridor. A partir desse momento não haveria mais lugar para qualquer situação de preferência. O projecto de lei caminhava no sentido de conciliar os direitos do proprietário e do descobridor com os de utilidade pública. Tal como na lei francesa, mais nenhum direito de preferência era dado ao descobridor para além do referido, salvo um prémio atribuído e que merecera, aquando da sua discussão,243 bastantes considerações sobre o seu valor e o órgão a quem competiria a

sua decisão.

Capítulo III, Art.9.° Referimos que em França, o Decreto de 21 de Abril de 1810 não previa nenhum benefício em favor do descobridor de uma mina para além do direito de preferência.

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Havia uma profunda preocupação com a legislação, pois desta resultaria o interesse e desenvolvimento da indústria mineira. Daí que o reconhecimento ao descobridor se pusesse como uma questão primordial. Os que defendiam que ao

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descobridor fosse atribuído "uma percentagem do produto líquido da mina descoberta" não conseguiram dar solução às dúvidas surgidas, nomeadamente se, no caso de uma mina ser de pouca possança, ficar também o descobridor sujeito a comparticipar nas despesas.

Como se aceitasse a conclusão de que o "indivíduo não ha de querer ficar obrigado a concorrer para essas despezas"™ a lei atribuiu ao governo o arbítrio nesta matéria.

Não gostaríamos de finalizar sem reforçarmos a ideia de que a grande virtude da lei foi o de instituir a propriedade mineira através da concessão por tempo ilimitado, podendo o concessionário, ou seja, o proprietário, dispor dela como de qualquer outra propriedade. Porém, não se pense que os interesses do Estado, sob o princípio da utilidade pública, desapareciam com o acto da concessão. O proprietário ficava sujeito a um conjunto de restrições, de que destacamos a de não poder alienar uma porção da concessão nem reparti-la por diversos sócios.

Em resumo, as minas só poderiam ser trabalhadas por um acto de concessão que regulava os direitos dos descobridores e dos proprietários do solo bem como das obrigações destes últimos, o mesmo sucedendo com os concessionários. Como resultado, criava-se

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Ibidem, p. 165.

245 ,

Ibidem.

246 Art. 18.°. Este princípio que se traduzia nas concessões perpétuas, desde que se respeitasse as condições legais estabelecidas, era comum à lei francesa e permitia que o proprietário pudesse dispor das minas como de quaisquer outros bens, embora dentro de limites mais restritivos do que os do direito civil.

uma verdadeira propriedade que o concessionário podia fruir plenamente, incluindo vendê- la como qualquer outro bem, não intervindo a Lei apenas para o impedir de alienar em partes o que lhe tinha sido concedido integralmente.

E os direitos do Estado? A Lei não o esqueceu. O capítulo VI estabeleceu, não sem acesa discussão na Câmara, que aos concessionários das Minas são obrigados a pagar ao Estado

um imposto annual dependente da superfície do terreno demarcado, e um imposto proporcional ao producto liquido da extracção. O imposto fixo era de oitenta réis por dez mil braças quadradas e

o proporcional de cinco por cento do producto líquido da Mina". Acerca do imposto que o Estado deveria arrecadar, a discussão centrou-se, de imediato, sobre as razões que levavam a isentar as Minas de Buarcos e S. Pedro da Cova,"° o que de resto veio a acontecer no § único do art. 27. O imposto de superfície também foi severamente criticado, não se compreendendo como é que se poderia lançar um imposto sobre uma parcela de terreno que nada produzia, e que enquanto se fixava o imposto a pagar anualmente ao Estado, o dono do terreno ficava sempre sem saber qual o montante que anualmente lhe seria arbitrado pelo próprio governo.

248 Em França o imposto era mais elevado, pois era de 10 francos por quilómetro quadrado, o comparado com o nosso dava uma diferença de "mcr/s de 400 por cento". Sessão de 20 de Maio, discussão do Capitulo VI, p. 223.

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Cap. VI, art. 27.

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No documento O carvão numa economia nacional (páginas 84-90)