• Nenhum resultado encontrado

A reabertura política e a volta do diálogo no Brasil

No documento ANA LÚCIA DE OLIVEIRA MONTEIRO (páginas 99-103)

Capítulo 3. ANTECEDENTES HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO TRABALHO DECENTE

3.3. A reabertura política e a volta do diálogo no Brasil

O movimento “Diretas Já” em 1985, a eleição indireta de Tancredo Neves e da Assembléia Nacional Constituinte em 1986 marcaram o fim do regime militar, e a promulgação da nova Constituição em 1988 foi o início de uma nova era na história das políticas sociais no Brasil.

O compromisso do Estado com o bem-estar social, consolidando o que se chamou de direitos da cidadania, refletia o momento político vivido pela sociedade brasileira, recém-saída de uma ditadura militar, onde a cidadania nunca foi um princípio de governo. Assim, a sociedade procurava garantir na nova Constituição os direitos e os valores da democracia e da cidadania que permitiriam ao país alçar novos degraus na escala do desenvolvimento econômico e, principalmente, social (POLIGNANO, s/d).

A partir de 1990, se iniciou o processo de reestruturação do modelo econômico em direção a um padrão mais competitivo, impulsionado pelas medidas de liberalização e pela estabilização dos preços, decorrentes da nova política monetária e do lançamento do Plano Real. Apesar disso, se mantiveram os altos patamares dos índices de desemprego e a tendência de aumento de ocupação do mercado de trabalho informal.

Nesse período se destacam as pressões políticas para reduzir os custos do trabalho e para mudanças na CLT, com consequente redução de direitos sociais, com a justificativa de possibilidade de geração de mais postos de trabalho e diminuição da informalidade.

Se a sociedade é fortemente democrática, tende a construir governos democráticos. Mas se, ao contrário, a sociedade é predominantemente autoritária, discriminatória e violenta, não consegue sustentar esse tipo de governo. Não é o Estado que cria a sociedade, mas a sociedade que cria o Estado. A sociedade expressa no Estado e em seu governo suas necessidades individuais e coletivas, e recebe as respostas às suas demandas através das políticas governamentais (VIEIRA, 2001).

No processo de estabelecimento de uma nova democracia, o Brasil precisou incorporar as demandas da sociedade civil em todos os campos, no estabelecimento de políticas governamentais. A saúde e a educação continuaram a ser as demandas mais importantes, no entanto, novos temas foram inseridos na agenda pública governamental, como a proteção à infância e à adolescência, a questão dos direitos da mulher, a questão dos jovens, a proteção dos idosos, a equidade de gênero, a reforma agrária, a educação no campo, o combate à violência, e outros.

Embora o posicionamento de Santos (1994) seja o de que o Estado vem sistematicamente provendo direitos no sentido de minimizar conflitos e suavizar demandas da classe trabalhadora, inclusive como estratégia para manutenção do poder, Vieira (1995) ressalta que a conquista dos direitos sociais tem sido sempre resultante do poder de luta, de organização e de reivindicação dos trabalhadores brasileiros e não como uma dádiva do Estado, como alguns governos tentam demonstrar.

De um modo geral, os problemas enfrentados pela população se tornam focos de atenção quando se representam riscos para a estabilidade política ou econômica e têm sua importância diminuída quando as ações propostas conseguem debelar as crises. As ações públicas propostas pelos governos da época procuravam incorporar os problemas que atingiam grupos sociais importantes de regiões sócio-econômicas igualmente importantes dentro do sistema social vigente e foram direcionadas para os grupos organizados e para os aglomerados urbanos em detrimento dos demais grupos nos mais diversos pontos do país. Nota-se aqui a relevância que a atividade econômica representava, estando no centro do processo decisional articulado pelos governos da época.

Os direitos sociais estão sempre associados a certas formas políticas de se perceber a cidadania e, segundo Santos (1994), é fundamental compreender a contribuição que determinada política social traz em benefício da promoção da cidadania. É a magnitude das diferenças que permite traçar o perfil da matriz das desigualdades (SANTOS, 1994, p. 84). No Brasil, a acentuada distância que separa as regiões, as ocupações, e os próprios indivíduos, assim como a heterogeneidade do setor produtivo, evidenciam a desigualdade social existente que devem ser tratadas em diferentes contextos.

A partir do início dos anos 1990, as instituições políticas federativas já estavam plenamente instauradas, porém a gestão das políticas públicas, particularmente as da área social, continuou centralizada e o governo federal continuava a ser o responsável pela gestão e pelo financiamento das políticas de saúde, habitação, educação, trabalho, assistência social e outras (ARRETCHE, 2002).

Por essas razões, nota-se o aprofundamento dos contrastes e dos problemas crônicos da sociedade brasileira em todos os níveis, seja econômico, social, político ou cultural, nos últimos quinze anos, resultante do estilo de desenvolvimento econômico e social do país e também do fenômeno da globalização. Este processo, definido como um conjunto de mutações na estrutura de produção, nas relações sociais concernentes ao trabalho, na vida política e cultural do capitalismo em plano mundial que atinge quase todas as nações, cujos efeitos de grande concentração de capital nas economias desenvolvidas e de concentração de renda e desagregação social nas economias periféricas, contribuiu para o aumento das desigualdades e, consequentemente, para o aumento da

exclusão social no país. Nesse sentido, a década de 1990 pode ser vista como a década perdida25 tanto para a questão social como para a economia (LUZ, 2000).

A política econômica de ajuste fiscal adotada pelos governos da década, monitorada pelos organismos internacionais de financiamento, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, intensificou a concentração de riqueza e aumentou consideravelmente os níveis de desemprego, elevando as taxas de empobrecimento da população e acentuando a perda do poder aquisitivo das camadas médias tradicionais, como os comerciantes, os profissionais liberais e os servidores públicos civis e militares. Nesse contexto, os jovens não conseguem entrar no mercado de trabalho e os mais experientes são dispensados devido ao encolhimento dos postos de trabalho, encontrando grande dificuldade na recolocação no sistema. Assim, a economia informal acaba por atingir praticamente 50% da atividade econômica no país (LUZ, 2000).

Como não poderia deixar de ser, nessa situação econômica pode ser vista uma grande lacuna na prestação dos serviços sociais, uma vez que as políticas são planejadas para incluir aqueles que, ou estão vinculados ao trabalho formal, ou fazem parte da parcela da população vista como público de políticas de transferência de renda. Em ambos os casos, o Estado não consegue atingir a maior parcela dos que demandam os serviços de atenção básica, como educação e saúde, transporte e segurança.

Com os governos neoliberais de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, e a conseqüente implantação do estado mínimo26, que procura rever o papel do estado e o seu peso na economia nacional, propondo a sua redução inclusive na área social, na prática a redução dos gastos atingiu quase todas as áreas.

25 Expressão utilizada por especialistas de diferentes áreas e instituições para designar a situação econômica

do país durante a década de 1980 (GOHN, 1995; DIEESE, 2001).

26 Meszáros (2002) tem uma concepção de Estado mínimo que pressupõe um deslocamento dos papéis do

Estado perante a economia e a sociedade. Sob essa definição, Meszáros aponta que se preconiza a não intervenção, e este afastamento em prol da liberdade individual e da competição entre os agentes econômicos, segundo o neoliberalismo, é o pressuposto da prosperidade econômica. A única forma de regulação econômica, portanto, deve ser feita pelas forças do mercado, as mais racionais e eficientes possíveis. Ao Estado mínimo cabe garantir a ordem, a legalidade e concentrar seu papel executivo naqueles serviços mínimos necessários: policiamento, Forças Armadas, Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Nesse contexto, o Estado abre mão de toda e qualquer forma de atuação econômica direta, por exemplo, as empresas estatais. A concepção de Estado mínimo é uma reação ao padrão de acumulação vigente durante grande parte do século XX, onde o Estado era responsável por financiar não somente a acumulação do capital, mas também a reprodução da força de trabalho via políticas sociais. Na medida em que o Estado deixa de financiar as políticas sociais, torna-se máximo para o capital. O suporte do fundo público ao capital não só não deixa de ser aporte necessário ao processo de acumulação, como também ele se maximiza diante das necessidades cada vez mais exigentes do capital financeiro internacional (MESZAROS, 2002; OLIVEIRA, 1998).

Essa situação só viria a ser revertida a partir do governo Lula, cuja bandeira de promover o combate à pobreza e à fome direcionou uma gama maior de recursos para políticas sociais para redução dos índices de pobreza e diminuição dos níveis de desigualdade no país.

No documento ANA LÚCIA DE OLIVEIRA MONTEIRO (páginas 99-103)

Outline

Documentos relacionados