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O surgimento da janela de oportunidades de Kingdon

No documento ANA LÚCIA DE OLIVEIRA MONTEIRO (páginas 178-181)

Capítulo 6. ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE AGENDA

6.1. O surgimento da janela de oportunidades de Kingdon

No modelo de correntes múltiplas de Kingdon (1995), três fatores - problemas, soluções e políticas – tem dinâmicas próprias e ocorrem de modo independente e, embora apresentem relativa autonomia, em determinado momento há um entrelace e convergência entre elas que faz com que o tema entre para a agenda governamental. O pressuposto de Kingdon é que essa circunstância se dá quando um problema urgente surge ou se destaca em determinado momento, fazendo com que uma proposta de política seja a ele associada como possível solução. Outra razão para essa convergência ocorre quando há uma mudança no cenário político, como uma troca de governo ou de regime político, fazendo com que se alterem as prioridades nas políticas públicas.

Kingdon (1995) afirma que quando há o predomínio de circunstancias favoráveis, as propostas que podem ser relacionadas com esse evento político e que estejam alinhadas com a filosofia dominante são destacadas no novo contexto, aproveitando a ótica onde alguns problemas são priorizados e outros são menosprezados.

Conforme já mencionado anteriormente, as duas últimas décadas do século XX foram marcadas pelas alterações decorrentes do ajuste estrutural do país imposto pelas agências internacionais, como o FMI e o Banco Mundial. Junto com o discurso da estabilidade econômica, modernização do Estado e da economia, houve redução dos investimentos em programas sociais, e privatização de empresas públicas. Essas mudanças, em conjunto com as ocorridas no mundo do trabalho, afetaram a oferta de emprego no país e a geração de novos postos de trabalho. Segundo Antunes (2000), é nessa época que se

verifica a mudança nas relações de trabalho e de produção do capital, propiciando a emergência de novos processos de trabalho, como a flexibilização da produção e das relações de trabalho, visando atender uma nova lógica de mercado.

Em consequência, aumenta a desregulamentação do mercado de trabalho, a precarização dos postos de trabalho, a redução do número de empregos, que atinge primeiramente alguns setores estratégicos do país, como os metalúrgicos e o de autopeças, e mais tarde outras áreas, como a têxtil e a de bancos e instituições financeiras.

Embora o auge da crise do emprego tenha sido a década de 1980, dando à questão do desemprego uma grande visibilidade social, seus efeitos continuavam a serem sentidos em toda a década de 1990, apesar dos mecanismos do setor público já estarem mais desenvolvidos e atuantes e a conjuntura econômica do país ter apresentado uma melhora sensível a partir da implementação do Plano Real (POCHMANN, 2010).

Nesse contexto deve-se ressaltar o papel exercido pelos sindicatos, demonstrando, no campo político, a legitimidade social necessária para visibilizar as demandas dos trabalhadores por melhorias nas políticas de geração de emprego. Apesar de na década de 1990 ter proliferado a economia informal decorrente da crise do emprego dos anos 1980, os trabalhadores desempregados continuavam a demonstrar a identidade de seus empregos anteriores, contribuindo para que a ação dos sindicatos não fosse arrefecida pela diminuição da arrecadação proveniente da massa trabalhadora (ANTUNES, 2006).

A pressão exercida pelos sindicatos ancorava-se, por um lado, pelas tentativas de proteger os trabalhadores do desemprego e, por outro, pela demanda por políticas que fizessem frente aos problemas enfrentados pela classe trabalhadora. Além disso, havia também uma movimentação política no sentido de preencher cargos públicos ofertados nos processos eleitorais por representantes dos trabalhadores ou candidatos por eles apoiados, com o objetivo de implementar políticas socialmente mais justas.

Com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao escalão mais alto do governo, abriu-se uma frente de oportunidades, ensejando maior participação popular e criando mais canais de diálogo em várias áreas.

Os depoimentos mostram que o contexto que permitiu a emergência do Trabalho Decente como oportunidade de política estava ancorado em problemas de ampla magnitude decorrentes da crise econômica mundial na época, suscitando discussões em nível local e internacional sobre os reflexos da crise sobre a realidade brasileira.

À luz dos documentos e dos depoimentos dos informantes, nota-se que a janela de oportunidades para a inclusão do Trabalho Decente como pauta governamental ocorre quando o novo governo assume em 2003, época em que as discussões sobre o tema no cenário internacional incidem sobre a crise mundial de emprego e o arrefecimento do crescimento econômico, havendo a convergência entre o problema, as soluções e as propostas de políticas, acionando o fluxo das alternativas de soluções.

No caso da ANTD, o que se verifica tanto nos documentos como nos depoimentos dos informantes é que o período de estabilidade econômica que o Brasil vinha atravessando desde o final da década de 1990, aliado ao crescimento de seu papel político no plano internacional fez com que houvesse a incorporação, pelos atores governamentais, da proposta de promoção do Trabalho Decente promovida pela OIT, visibilizada tanto em suas instâncias internas, como a Conferência Internacional do Trabalho, como também por sua inclusão nas metas de redução da pobreza mundial preconizadas pelas Metas de Desenvolvimento do Milênio, lançadas no ano 2000 pela ONU.

As prioridades do governo Lula, focadas na redução da pobreza e combate à fome, por meio da inclusão produtiva e da expansão e fortalecimento do emprego também foram fatores que contribuíram para que o tema fosse devidamente assumido pelas instâncias tripartites que promovem a discussão e a formulação de políticas de trabalho e emprego.

Essa adoção, pelos atores envolvidos, das diretrizes do Trabalho Decente significou uma oportunidade de sistematizar e fomentar as diversas iniciativas que vinham sendo promovidas, além de congregar as prioridades estabelecidas por várias áreas de governo para o estímulo ao desenvolvimento pela via do trabalho.

A janela de oportunidades prevista por Kingdon ocorre no momento em que prevalecem no governo autoridades provenientes de instituições representantes da classe trabalhadora, cujas idéias e prioridades propostas estão ancoradas na inclusão produtiva, na redução das desigualdades e na promoção do emprego. Além disso, o fato de, nessa época, a autoridade máxima do país ser um Presidente oriundo das classes trabalhadoras, traz consigo certo simbolismo que facilitou a emergência de temas relacionados ao trabalho nas discussões.

Conforme ressaltado por um informante-chave, o país vivia um cenário de expectativas em torno do governo em prol da classe trabalhadora, que ansiava por deflagrar políticas para a melhoria das condições de trabalho.

No modelo de correntes múltiplas de Kingdon, ele estabelece que o esforço dos atores participantes do jogo político está centrado em convencer os outros atores sobre a gravidade de determinados problemas em detrimento de outros. Os mecanismos utilizados, além dos indicadores que retratam o problema, podem incluir também eventos de grande magnitude, como crises, desastres ou símbolos que concentram a atenção da sociedade sobre determinado tema.

Kingdon reforça que é importante compreender que os problemas são construídos socialmente. Nesse sentido, os dados da pesquisa mostram que um fator relevante que contribuiu para que o tema do Trabalho Decente fosse incluído na pauta pública foi a participação do Presidente Lula na CIT42, aproveitando o momento político de grande visibilidade que vinha ocorrendo desde sua posse em 2002. Além da expectativa internacional sobre os rumos que o país iria adotar dessa época em diante, a tradicional atuação do Brasil nesse fórum, marcadamente proativa, alavancou o tema, cooptando a articulação já existente para as discussões sobre emprego para uma nova possibilidade, a de promover o Trabalho Decente no Brasil.

Conforme informado por outro informante-chave, no plano político, também influíram o ineditismo de um trabalhador chegar ao posto de Presidente da República e a estabilidade política do novo governo, fortalecendo o diálogo social por meio das instâncias tripartites nacionais e internacionais, o que forneceu as bases para a discussão de políticas que priorizassem a geração de empregos e a redução da pobreza e da desigualdade social.

Deve-se ressaltar o papel exercido pelos grupos de interesse, a articulação das ideias e das instituições que participaram do movimento e que foram responsáveis pela formação dessa agenda e pela formação da agenda do Trabalho Decente a partir de 2003, discorridos a seguir.

No documento ANA LÚCIA DE OLIVEIRA MONTEIRO (páginas 178-181)

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