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A recepção da Lei Complementar nº 24/1975

No documento Incentivos Fiscais (páginas 91-95)

4.3 Perspectiva pragmática dos Convênios ICMS

4.3.1 A recepção da Lei Complementar nº 24/1975

A jurisprudência da Suprema Corte nacional é bastante clara e incisiva ao prestigiar e proteger a ideia insofismável do núcleo da República Federativa fincada nos princípios republicanos e federativos e da legalidade e que tudo isso permeia a estrutura normativa do ICMS, de forma que reconhecem o relevo da função dos convênios que tratam da matéria.

Não se quer aqui, promover uma análise sintática acerca da ideia do princípio da recepção, mas de outra ponta, analisar como as disposições da ordem constitucional, bem como todo o acervo doutrinário atuam na conformação do que se entende por Convênio de ICMS em matéria de incentivos fiscais.

Nesse diapasão, importa transcrever parte do voto do eminente Ministro Luiz Fux por ocasião do julgamento da ADI nº 4628/DF, in verbis:

“13. Os imperativos constitucionais relativos ao ICMS se impõem como instrumentos de preservação da higidez do pacto federativo, et pour cause, o fato de tratar-se de imposto estadual não confere aos Estados membros a prerrogativa de instituir, sponte sua, novas regras para a cobrança do imposto, desconsiderando o altiplano constitucional. 14. O Pacto Federativo e a Separação de Poderes, erigidos como limites materiais pelo constituinte originário, restam ultrajados pelo Protocolo nº 21/2011, tanto sob o ângulo formal quanto material, ao criar um cenário de guerra

214 TOMÉ, Fabiana Del Padre; FAVACHO, Fernando Gomes. O que significa pragmático para o constructivismo lógico-semântico: a tríade linguística “sintático, semântico e pragmático” utilizada por Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho na Teoria do Direito. Revista Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 10, n. 01, 2017, p. 287.

fiscal difícil de ser equacionado, impondo ao Plenário desta Suprema Corte o dever de expungi-lo do ordenamento jurídico pátrio.”215.

A par da estrutura normativa e das relações sintático-semânticas dos convênios, a pragmática de sua conformação igualmente revela contornos bastante particulares, o primeiro ponto que submetemos à análise sob o viés da aplicação no âmbito do Supremo Tribunal Federal toca à recepção das disposições da Lei Complementar nº 24/1975.

Nesse diapasão, é importante promover cortes históricos a fim de se conferir à leitura da referida lei complementar interpretação que melhor se conforma com o texto constitucional, cuidando para não se tomar de empréstimo eventual conformação com a ordem anterior. Nesse diapasão é o alerta de Jorge Miranda:

A subsistência de quaisquer normas ordinárias anteriores à nova Constituição depende de um único requisito: que não sejam desconformes com ela. Por isso, o único juízo a se estabelecer é o juízo da conformidade (ou compatibilidade) material com a nova Constituição atual e não qualquer outro; nem qualquer juízo sobre a formação dessas normas de acordo com as novas normas de competência e de forma (as quais só valem para o futuro), nem, muito menos, qualquer juízo sobre o conteúdo ou sobre a sua formação de acordo com as antigas normas constitucionais216.

É bem verdade que, desde sua edição, diverge a doutrina sobre a constitucionalidade da referida Lei Complementar nº 24/1975, o que é anotado por Fábio Fanucchi, Wagner Balera, Geraldo Ataliba, Alcides Jorge Costa, José Souto Maior Borges, Sacha Calmon Navarro Coelho, Paulo de Barros Carvalho, dentre outros.

E, tão logo tenha sido publicada, suscitou-se a inconstitucionalidade de seu artigo 1º que além de trazer em seu caput a regulamentação necessária para edição de convênios a tratar de isenções, nos termos do § 6º do art. 26 da Constituição de 1969, trouxe em seus incisos um rol extensivo ao prever redução de base de cálculo; devolução de tributos; créditos presumidos e quaisquer outros incentivos.

Ponto este que é superado com a edição da CRFB de 1988 e a redação da alínea “g”, do inciso XII, do § 2º do art. 155.

De outra ponta, situação bastante peculiar em que a pragmática influi nas construções das relações sintáticas e extensão semântica voltada para os Convênios ICMS em matéria de incentivos fiscais é a levada a julgamento na ADI nº 310, pelo Supremo Tribunal Federal.

Na referida ação, o Estado do Amazonas questiona a edição dos convênios 01, 02 e 06 firmados em 30/05/1990 que tinham por objeto excluir benefícios fiscais do ICMS sobre o

215 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Distrito Federal). Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4628. Tribunal Pleno. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 17.09.2014. DJe. de 24.11.2014.

216 MIRANDA, Jorge de. Manual de Direito Constitucional, tomo II/244-45, item 62. Coimbra: Coimbra Ed., 1983. Apud FEITOSA, Celso Alves. Da remissão e anistia da Lei 8.198/92 – redução da alíquota de ICMS sobre o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 13, p. 23-29, out. 1996, p. 27.

açúcar de cana (Convênio ICMS 01/1990); por haver revogado isenção concedida pelo Convênio 65/1988 (Convênio ICMS 02/1990) e por cancelar benefício de manutenção de crédito para operações de remessa à Z.F.M. Argumenta que sob o fundamento de que sob o pálio art. 40 do ADCT217 ao Decreto nº 288/1967 teria sido recepcionado com status de Lei Complementar, de forma que o CONFAZ não teria competência normativa para editar normas cujo objeto estivessem relacionados aos incentivos ficais da ZFM.

Na outra ponta a Ministra da Economia e os secretários dos Estados do Rio de Janeiro, Distrito Federal, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Alagoas, São Paulo, do Rio Grande do Sul, da Bahia e de Minas Gerais (fl. 271-280) manifestaram-se pela constitucionalidade dos Convênios e pela improcedência da presente ação sob o fundamento de que o art. 40 estabeleceria apenas a manutenção da ZFM com características de área de livre comércio e que as disposições contidas no art. 155, § 2º, XII, “g”, trouxeram conteúdo expresso e direito no sentido de estabelecer, de forma obrigatória, a deliberação por meio dos Convênios ICMS para se conceder incentivos fiscais.

Ao apreciar a medida liminar o Supremo em voto da lavra do Ministro Sepulveda Pertence defere a medida cautelar para suspender até o julgamento final da ação a vigência dos referidos convênios, sem antes, contudo, ponderar que:

O artigo 40 ADCT não teria a eficácia de recepção que lhe atribui a inicial, tanto mais quanto os preceitos infraconstitucionais, cuja recepção se pretende, fizeram-se incompatíveis com o sistema constitucional do ICMS, imposto novo, sujeito a disciplina diversa, em cujo bojo se insere a ilimitada e privativa competência das unidades federativas, mediante convênio, para dispor sobre isenção do novo tributo, assim como sobre incentivos fiscais a ele relativos218.

O julgamento da ADI nº 310 é emblemático para se incursionar sobre a perspectiva pragmática, pois coloca em suspensão a questão sintática da recepção, para na composição da extensão semântica do art. 40, inserto nas disposições transitórias, trabalhar todo um escorço histórico sobre os objetivos da Zona Franca de Manaus e os benefícios que foram concedidos para desenvolvimento da região, que cotejados com as novas disposições trazidas, igualmente trazidas pelo constituinte de 1988 (art. 155, § 2º, inc. XII, al. g, da Constituição de 1988), tenta219

217 Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição.

218 Ação Direta de Inconstitucionalidade. Convênios ICMS 1, 2 e 6, de 1990. Alegação plausível de ofensa ao artigo 40 ADCT/88 que, em face da ponderação dos riscos contrapostos, oriundos da pendência do processo, aconselha a suspensão liminar dos atos normativos impugnados. liminar deferida. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Convênios interestaduais sobre o ICMS, celebrados em reunião do CONFAZ - Conselho Nacional de Política Fazendária: Litisconsórcio passivo dos Estados pactuantes. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Distrito Federal). Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 310-MC. Tribunal Pleno. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Julgado em 25.10.1990. DJ. de 16.04.1993.

219 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONVÊNIOS SOBRE ICMS NS. 01, 02 E 06 DE 1990: REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS INSTITUÍDOS ANTES DO ADVENTO DA ORDEM

estabelecer um racional para aplicação de um ou de outro dispositivo em matérias de incentivos fiscais de ICMS relacionados a ZFM. Nesse ponto cabe destacar uma passagem do voto da Ministra Cármen Lúcia, relatora da ação:

Talvez em decorrência da incerteza sobre a recepção da legislação pré-constitucional referente à Zona Franca de Manaus, editou-se o Convênio ICM n. 65, de 9.12.1988, tornando expressa a isenção do imposto sobre circulação de mercadorias às saídas de produtos industrializados de origem nacional para comercialização ou industrialização naquela região, desde que o estabelecimento destinatário tivesse domicílio no Município de Manaus220. (Destacou-se)

Cabe aqui o destaque pois fortemente carregado de aspectos pragmáticos, a Ministra ao tentar promover uma equalização na interpretação do art. 40 do ADCT com o art. 155, § 2º, XII, “g”, a fim de determinar que os incentivos fiscais relacionados à ZFM não estariam sujeitos às deliberações e Convênios ICMS firmados no âmbito do CONFAZ. No mérito, a ação foi julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos referidos convênios por implicar em ofensa direta ao art. 40 do ADCT.

Ademais, outras disposições da sistemática na edição de convênios, à época e nos dias atuais, vêm provocando grandes embates na doutrina e na jurisprudência, especificamente no que toca ao quórum deliberativo com votação unânime; a ratificação do convênio por meio de decreto editado pelo chefe do poder executivo e, ainda, a glosa de créditos de contribuintes que adquiriram mercadorias oriundas de Estados da federação que concedem incentivos fiscais à margem das “autorizações” do CONFAZ, o que se propõe em uma análise articulada nos subtópicos seguintes.

CONSTITUCIONAL DE 1998, ENVOLVENDO BENS DESTINADOS À ZONA FRANCA DE MANAUS. 1.

Não se há cogitar de inconstitucionalidade indireta, por violação de normas interpostas, na espécie vertente: a questão está na definição do alcance do art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a saer, se esta norma de vigência temporária teria permitido a recepção do elenco pré-constitucional de incentivos à Zona Franca de Manaus, ainda que incompatíveis com o sistema constitucional do ICMS instituído desde 1988, no qual se insere a competência das unidades federativas para, mediante convênio, dispor sobre isenção e incentivos fiscais do novo tributo (art. 155, § 2º, inciso XII, letra ‘g’, da Constituição da República). 2. O quadro normativo pré-constitucional de incentivo fiscal à Zona Franca de Manaus pré-constitucionalizou-se pelo art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, adquirindo, por força dessa regra transitória, natureza de imunidade tributária, persistindo vigente a equiparação procedida pelo art. 4º do Decreto-Lei n. 288/1967, cujo propósito foi atrair a não incidência do imposto sobre circulação de mercadorias estipulada no art. 23, inc. II, § 7º, da Carta pretérita, desonerando, assim, a saída de mercadorias do território nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus. 3. A determinação expressa de manutenção do conjunto de incentivos fiscais referentes à Zona Franca de Manaus, extraídos, obviamente, da legislação pré-constitucional, exige a não incidência do ICMS sobre as operações de saída de mercadorias para aquela área de livre comércio, sob pena de se proceder a uma redução do quadro fiscal expressamente mantido por dispositivo constitucional específico e transitório. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Distrito Federal). Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 310. Tribunal Pleno. Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgado em 19.02.2014. DJe. de 08.09.2014.

220 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Distrito Federal). Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 310. Tribunal Pleno. Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgado em 19.02.2014. DJe. de 08.09.2014.

No documento Incentivos Fiscais (páginas 91-95)