• Nenhum resultado encontrado

Convênios em matéria de ICMS e o CONFAZ

No documento Incentivos Fiscais (páginas 46-50)

Introduzido na Constituição de 1946, pela Emenda nº 18/1965, o ICM teve por escopo inicial introduzir na tributação sobre o consumo técnica de não cumulatividade e acomodar os interesses dos Estados, que já enfrentavam dificuldades causadas por seu antecessor – o Imposto sobre Vendas e consignações (IVC) –, imposto multifásico e cumulativo, que projetava para as unidades federadas as distorções econômicas oriundas do comércio interestadual e da concentração de incidência nos chamados Estados produtores e os ditos consumidores80.

O ICM, portanto, já nasce com a árdua tarefa de amenizar os efeitos da tributação sobre o consumo exercida, de forma descentralizada, por meio da competência impositiva estadual.

Ocorre que, diante de sucessivas alterações em seu plano normativo, seja nos planos constitucional81 e infraconstitucional82, suas características básicas permanecem as mesmas83, sempre temperada pelas disputas entre os Estados, que se agravava com a utilização, nem sempre adequada, dos institutos de isenções e benefícios fiscais.

Sob a motivação de promover harmonização na política nacional junto aos Estados e a relevância das matérias relativas a isenções e benefícios fiscais no contexto econômico e social, então fundamentada no Ato Institucional nº 2, o Presidente da República “baixou” o Ato Complementar nº 34 em 30 de setembro de 1967, trazendo a previsão de celebração de convênios, nos termos do art. 213 do Código Tributário Nacional, com escopo de se estabelecer

80 COSTA, Alcides Jorge. O ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 10.

81 Promulgação da Constituição em 24 de janeiro de 1967.

82 Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 e Decreto-lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968.

83 “No plano constitucional, a Constituição de 1946, e com ela a Emenda n.º 18, foram substituídas pela Constituição de 24 de janeiro de 1967. Esta, por seu turno, foi alterada de modo profundo pela Emenda n. o 1, que também introduziu modificações no capítulo dedicado ao sistema tributário. Estas sucessivas mudanças não modificaram as características básicas do ICM, tal como originariamente implantado.” Op. cit., p. 52.)

uma política comum a reger especificamente a matéria de isenções.

A despeito da canhestra figura dos atos complementares, vê-se no conteúdo do texto do Ato Complementar nº 34/1967 uma tentativa inicial de conformação do regramento do ICM dentro de uma ordem normativa nacional. O referido ato normativo trazia a necessária celebração de convênios, fixando para tanto o prazo de 30 (trinta) dias, em que se formatasse uma política comum entre Estados e Territórios de uma mesma região geo-econômica, de forma que toda matéria relativa às isenções e benefícios fiscais somente poderia ser editada, alterada ou revogada nos termos dispostos nesses convênios. No mesmo ato foram revogadas todas as disposições anteriores, ainda que dispostas em leis, decretos ou quaisquer outros atos normativos que concederam isenções ou benefícios fiscais.

Nessa compostura histórica relativa aos convênios ICMS, merece destaque o silêncio em relação à matéria, na redação original do Decreto-Lei nº 406 de 31 de dezembro de 1968, o que denota a forma incipiente na utilização dos referidos veículos normativos, que somente ganha corpo com a Emenda nº 01/1969.

Cumpre observar que não havia nos textos constitucionais, até a Emenda nº 01 de 17 de outubro de 1969, disposições sobre a forma pela qual os Estados deveriam dispor sobre isenções e benefícios fiscais, o que foi inaugurado pela Emenda nº 01/1969 em seu art. 23, § 6º estabelece, de certa forma, que os Estados e o Distrito Federal teriam sua competência para instituir isenções limitadas, haja vista que estas deveriam ser fixadas em convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, cuja disposição se daria por meio de lei complementar.

Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

§ 6º As isenções do impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos têrmos fixados em convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar.

Houve à época quem proclamasse84 a recepção do Ato Complementar nº 34, de 30 de janeiro de 1967, o que foi contraposto por Alcides Jorge Costa85 ao argumentar que tal ato normativo teve por objetivo vigência temporária e se limitava a disciplinar a necessidade de uniformização de alíquotas entre Estados de uma mesma região econômica.

De fato, o ato complementar nº 34/1967 foi o precursor dos convênios em matéria de

84 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Parecer. In: Direito Tributário. 5ª Coletânea. São Paulo: Editora José Bushatsky, 1973, p. 109 apud COSTA, Alcides Jorge. O ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 127.

85 “O Ato Complementar nº 34 falava em convênios de Estados da mesma região geo-econômica, enquanto que a Constituição atual refere-se a convênio de Estados, sem aludir a regiões geo-econômicas. Desta discrepância decorreria, de qualquer modo, a inadequação do artigo 1º do Ato Complementar nº 34 à Constituição (Emenda nº 1), se outros fatores não levassem a concluir que o artigo 19 deste Ato era norma de vigência temporária.” COSTA, Alcides Jorge. O ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 127.

ICMS (à época ICM) com a finalidade de estabelecer uma forma de uniformização e harmonização entre as unidades federadas ao dispor sobre matérias de isenções e benefícios fiscais.

É então que, aos 07 de janeiro de 1975, com a edição da Lei Complementar nº 24 que se introduz, no sistema normativo, a forma pela qual serão firmados, celebrados e ratificados os convênios de ICMS.

Em seu preâmbulo tem-se delimitado que referido veículo introdutor de normas adstringir-se-á a regular o processo de edição de convênios que regulem, em essência, isenções e benefícios fiscais.

É importante anotar que o momento histórico e político no qual foi editada, durante o 4º regime militar brasileiro, pelo então presidente Ernesto Geisel, período o qual era marcado por forte influência política federal, o que denota considerável déficit democrático que tempera, em certa medida, o conteúdo da Lei Complementar nº 24/1975.

Destarte, a Constituição de 1967/1969 elege como veículo normativo próprio a regular os Convênios ICMS sob o procedimento formal de lei complementar, o que demonstra, em contranota, a preocupação do legislador constituinte ante o impacto direto em princípios caros à República e ao Pacto Federativo.

Um parêntese bastante peculiar remonta a criação e natureza do órgão deliberativo que reúne os membros da Federação a fim de firmarem o consenso necessário à uniformização das disposições relativas aos incentivos fiscais do ICMS. Nesse particular exsurge a figura do Conselho Nacional de Política Fazendária, o CONFAZ, originalmente criado sob a denominação de Conselho de Política Fazendária, que somente veio a receber o nome atual na vigência da Constituição de 198886, adstrito ao Ministério da Fazenda.

É fato que tem suas atribuições e finalidades delimitadas na Lei Complementar nº 24/1975, contudo, não foi “criado” pelo referido instrumento, nem mesmo por qualquer outra lei em sentido formal, veja-se que a Lei nº 8.028/1990 apenas promoveu a estruturação desse

“órgão” integrante do Ministério da Fazenda. Tem sua “instituição” veiculada no Convênio 08/1975 que dispõe sua regência a partir do regimento aprovado por ocasião do mesmo convênio. De tão curiosa formação em lição do Prof. José Eduardo Soares de Melo é cunhada

86 IV - no Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento:

Art. 23. São órgãos específicos dos Ministérios Civis:

IV - no Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento:

a) o Conselho Nacional de Política Fazendária;

a expressão “órgão de geração espontânea” relembrada por Aroldo Gomes de Matos87 nessa esteira, pede-se dizer que é órgão de criação autopoiética. Desde então, toda estruturação do Governo Federal tem sua previsão expressa enquanto órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, atualmente Ministério da Economia.

É nesse contexto que se deve interpretar as disposições da Constituição Federal de 1988 que, além das atribuições à lei complementar, atribuiu-se aos Estados e ao Distrito Federal, em deliberação conjunta, estabelecer regras necessárias para definição de alíquotas e concessão de benefícios fiscais e isenções, nos termos do art. 155, § 2º, VI e XII, “g”; § 4º, IV e § 5º:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...]

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

[...]

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

XII - cabe à lei complementar:

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

§ 4º Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte:

IV - as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte: [...]

§ 5º As regras necessárias à aplicação do disposto no § 4º, inclusive as relativas à apuração e à destinação do imposto, serão estabelecidas mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g.

Para o espaço reservado neste item do capítulo cabe apenas fixar a noção de que a Constituição estabeleceu a necessidade de deliberação prévia entre os Estados para disporem sobre determinadas matérias, sob condições específicas delimitadas em Lei Complementar.

Firmes nas palavras do Professor paulista da PUC e da USP, Paulo de Barros Carvalho:

[...] os convênios não se fazem em detrimento da legislação própria de cada Estado e do Distrito Federal sobre o ICMS. Trata-se de faixas de competências diversas, que não se confundem.88[...]

É direito subjetivo de cada um desses entes federativos exercer a competência tributária do ICMS, inclusive a instituição de isenções, incentivos ou benefícios fiscais. No entanto, sempre que assim pretenderem, têm que, antes, buscar a produção de convênio, sem o qual, não se pode reputar apropriado o procedimento legislativo89.

87 MELO, José Eduardo Soares. Palestra proferida no IX Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Revista de Direito Tributário, n. 67, São Paulo: Malheiros, 1995, p. 172. apud MATTOS, Aroldo Gomes de. A Natureza e o Alcance dos Convênios em Matéria do ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 79, p. 07-18, abr., 2002, p. 9.

88 CARVALHO, Paulo de Barros. A concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito de ICMS.

In: CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 57.

89 Ibidem, p. 60.

Vê-se, pois, que além de toda a estrutura normativa que se delineia a partir do texto constitucional, estabeleceu-se uma forma para que, em determinadas hipóteses, as pessoas políticas detentoras da competência tributária para instituir o ICMS e promover alterações na legislação, possam, por meio do veículo normativo Convênio ICMS, deliberar sobre a possibilidade, ou não de se promover alterações em suas legislações internas.

É de se destacar, no estrito limite do presente tópico que eventual problemática relacionada a tais instrumentos normativos fica reservada ao capítulo 4 em que se analisará a figura normativa dos Convênios ICMS em suas relações sintáticas, seu espectro semântico e como se dá no âmbito da aplicação, o viés pragmático.

No documento Incentivos Fiscais (páginas 46-50)