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Guerra fiscal, glosa unilateral e glosa proporcional

No documento Incentivos Fiscais (páginas 119-134)

4.3 Perspectiva pragmática dos Convênios ICMS

4.3.4 Incentivos fiscais concedidos à margem do CONFAZ

4.3.4.2 Guerra fiscal, glosa unilateral e glosa proporcional

Para o espaço reservado ao presente tópico é importante estabelecer um corte metodológico, pois do contrário, o desenvolvimento de todas as questões a serem aqui apontadas desnaturaria o escopo do presente capítulo, que é estabelecer, em linhas gerais, as disposições da Lei Complementar nº 24/1975 ao delinear a figura normativa dos convênios ICMS dentro do espectro constitucional.

A despeito dessa análise ter como plano de fundo relações de ordem sintática, desloca-se o ponto para o presente tópico haja vista que por uma opção metodológica a análise pragmática revela contornos de maior relevância à medida que as decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal servem e irão servir para uma melhor identificação das relações sintáticas e definições semânticas, é o que alinhava Sônia Mendes:

Portanto, os limites do intérprete ou a procura do sentido do enunciado normativo deve ser buscado, conforme Wittgenstein (1987, 231), não apenas no sentido literal mas no uso que é feito dentro do contexto jurídico, mas especialmente, no contexto das normas, dos intérpretes/juízes, no qual existe um “jogo de linguagem” particular com suas próprias regras. As “formas de vida” dos contextos dos enunciados normativos e no normativo são diferentes e, portanto, utilizam diferentes jogos de linguagem. Portanto, deve-se buscar os usos, cirando standards., tanto nos paradigmas mais infra-legais; como nos paradigmas jurisdicionais, desde as técnicas até às construções jurisdicionais, como, por exemplo, os princípios277.

Destarte, o ponto que se reserva para o presente tópico analisará o art. 8º da Lei Complementar nº 24/1975 que é, sem sombra de dúvidas, o que mais tem gerado atritos no âmbito da concessão de incentivos fiscais, sem a prévia edição de convênio ICMS. E é aqui que

277 MENDES, Sonia. Interpretação jurídica: um diálogo entre diferentes contextos. In: HARET, Florence;

CARNEIRO, Jerson (coords.). Vilém Flusser e juristas: comemorações aos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2009, p. 192.

se propõe a incisão metódica, analisar-se-á apenas o ponto de toque entre o texto da lei e a Constituição, reservando os aspectos sancionatórios para o item 4.1.4, sem sopesar eventuais aspectos políticos, sociais e econômicos.

Com o cuidado de não perder de mira o que se propõe no presente tópico, cumpre analisar, tão somente sob viés constitucional, as disposições do art. 8º da Lei Complementar nº 24/1975, veja-se o teor de seu texto:

Art. 8º - A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:

I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

Il - a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.

Em uma leitura açodada do disposto no artigo acima citado seria possível concluir que a concessão de incentivos fiscais, sem prévia deliberação pelo CONFAZ, implicaria, cumulativamente, em: i) nulidade do ato beneficiado; ii) ineficácia do crédito fiscal; iii) a exigência do imposto não pago ou devolvido; e iv) ineficácia da lei ou ato que tenha concedido remissão do débito.

Com severas críticas e irresignação destacam Mizabel Derzi e Sacha Calmon que

“A solução alvitrada na Lei Complementar nº 24, editada antes da Constituição de 1988, é iníqua se tomada ao ‘pé da letra’.”, e prosseguem os mestres mineiros:

A uma, não indica como obrigar o Estado que concede ilícitos incentivos fiscais a cobrar o imposto, que deixou de recolher propositalmente.

A duas, deixa absolutamente tranquilo, cível, criminal e tributariamente o contribuinte beneficiado com o incentivo ilícito, situado no Estado infrator.

A três, indica, por que prevê, que depois de o STF julgar ilícito dado incentivo fiscal, o Estado do recebente da mercadoria pode “estornar” o crédito a ele correspondente, punindo-o duplamente. Primeiro porque ele pagou em dinheiro vivo o ICMS destacado na nota fiscal. Segundo porque agora, deve estornar o crédito (pelo qual se desfalcou), refazer o seu conta-corrente fiscal e pagar o ICMS ao seu Estado, com juros, correção monetária e juros.

Em suma, os Estados infratores não são sancionados, os contribuintes beneficiados com aliciantes fiscais ilegais não são molestados, pois decretada a inconstitucionalidade de um benefício, de pronto seu sucedâneo é criado e o Estado do recebente nada perde (cobra de seu contribuinte o crédito indevido com que deveria arcar). Os únicos prejudicados são os indefesos contribuintes de boa-fé, situados em todos os Estados da Federação que não têm obrigação de saber dos incentivos aos milhares vigentes no país. São vítimas civis dos efeitos colaterais da “guerra fiscal”

entre os Estados-Membros da Federação278.

Em contranota, Argos Campos Ribeiro Simões ao discorrer sobre uma possível interpretação do art. 8º da Lei Complementar no sentido de que a administração tributária ao identificar que determinada operação é beneficiada por ato concessivo que não observa a prévia edição de convênio, esta estaria autorizada desconsiderar eventual crédito decorrente dela

278 COELHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Mizabel Abreu Machado. Direito de creditamento do ICMS constante de nota fiscal regularmente paga. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 222, p. 165-194, mar., 2004, p. 165.

decorrente. Destaca o autor que “Operação irregularmente beneficiada deve considerar nulo o ato concessivo do inconstitucional benefício”. 279

Ao se tentar promover uma adequação de tais previsões, sob o lume de princípios e regras constitucionais, como princípios do pacto federativo, princípio da não cumulatividade, inafastabilidade do poder judiciário e separação dos poderes, segurança jurídica, algumas questões vêm à tona: i) Quem pode avaliar a nulidade do ato? i.a) a unidade federada onde se localiza o contribuinte recebedor? Positiva a resposta, caberia falar em glosa do crédito? i.b) o contribuinte recebedor? Em sendo positiva a resposta, teria ele o dever de promover o crédito somente do que foi efetivamente cobrado? ii) Considerando o princípio da não-cumulatividade, seria possível falar em glosa de crédito? ii.a) Em qual situação? Em havendo declaração de nulidade pelo STF?

Sob perspectiva pragmática, é importante recortar o fato da inobservância pelos Estados das disposições na Lei Complementar nº 24/1975 que promoveram edição de normas concessivas de incentivos fiscais sem a prévia deliberação junto ao CONFAZ, com o fito de atrair investimentos para seus territórios. Nessa desconformidade seguiram os Estados, que nos últimos anos assumiu magnitude insustentável, fazendo com que as demais unidades federadas que se sentiram prejudicados a acionar mecanismos no sistema jurídico em contrarreação, o que deu origem a expressão “Guerra fiscal”.

Destarte, como forma de retaliação aos Estados que concediam incentivos à margem da lei complementar, as unidades federadas adotaram medidas no sentido de, estabelecer normas atribuindo para o não reconhecimento de créditos de ICMS decorrente da aquisição de mercadorias contribuintes localizados nos Estados concedentes; ora lavrar autos de infração em cobrança de valores com a imposição de severas multas; e, ainda, acionando o Supremo Tribunal Federal, via controle concentrado, para o fim de reconhecer a inconstitucionalidade dos referidos dispositivos. Segundo anota Osvaldo Santos de Carvalho:

Os entes federados prejudicados na “Guerra Fiscal”, todavia, têm como legítima sua atitude, deixando de aplicar o ato normativo de outro Estado que concede benefícios fiscais de ICMS à margem de Convênio, exigindo de seus contribuintes crédito correspondente ao valor do imposto que não foi efetivamente cobrado por outro Estado, em malsinadas operações interestaduais de circulação de mercadorias.

Entendem não padecer de vício de inconstitucionalidade a norma que repete o comando insculpido no art. 8º da Lei Complementar n. 24/75, que não reconhece o benefício fiscal concedido em outra Unidade Federada sem amparo em convênio280.

279 SIMÕES, Argos Campos Ribeiro. A guerra fiscal no ICMS – Uma questão relevante. In: BERGAMINI, Adolfo; GUIMARÃES, Adriana Esteves; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (org.) O ICMS na história da jurisprudência do Tribunal de Impostos e taxas do Estado de São Paulo. v. 1. São Paulo: MP Editora, 2011, p. 95.

280 CARVALHO, Osvaldo Santos de. Não cumulatividade do ICMS e princípio da neutralidade tributária.

São Paulo: Saraiva, 2013, p. 115.

Com vistas a conferir uma interpretação passível de harmonização com o texto da Carta de 1988, Salvador Cândido Brandão Junior oferece um modelo interpretativo ao artigo 8 no sentido de que a partícula “e” disposta no inciso I do art. 8º281, seja interpretada como conector disjuntivo. De forma que a primeira parte do dispositivo possa ser conciliada da seguinte forma: “A inobservância dos dispositivos desta lei acarretará a nulidade do ato”, o que somente poderia se dar por meio e outra norma, ou ainda, por meio de declaração de inconstitucionalidade, pelo Poder Judiciário, no caso via controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal.

Pela proposta de se conferir uma interpretação disjuntiva à partícula “e”, a segunda parte do dispositivo implicaria na consequente “ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria”, para os casos em que não haja no sistema outra norma de “expurgo” a retirar a validade da norma concessiva de benefício à margem do CONFAZ.

Tal proposta pretende conciliar a noção de que não haveria como se falar em ineficácia do crédito fiscal, caso o ato tenha sido declarado nulo e, por conseguinte, o crédito seria inexistente, de outra ponta, se não houver declaração de nulidade, poder-se-ia falar em ineficácia.

Portanto, não há que se falar em nulidade do ato cumulativamente com a ineficácia do crédito fiscal como apregoa a literalidade do dispositivo. O sentido lógico do texto é no sentido de o crédito fiscal somente ser ineficaz enquanto o ato não é declarado nulo. Com a declaração de inconstitucionalidade da norma que concede o incentivo fiscal, que deverá ocorrer por decisão do Judiciário, a consequência será a cobrança do imposto devido pelo Estado de origem e, consequentemente, haverá de ser reconhecido pelo Estado de destino o crédito correspondente282.

O que se coaduna com a disposição do inciso II, à medida que somente poderia ser compatibilizado com a primeira parte do inciso I, já que o Estado que concedeu benefício irregular, somente poderia cobrar de seus contribuintes, ante a declaração de nulidade pelo Supremo Tribunal Federal, estando impedido de conceder remissão do débito correspondente.

No que toca as questões propostas:

i) Quem pode avaliar a nulidade do ato? A princípio, a nulidade do ato somente poderia se dar por meio de controle concentrado no Supremo Tribunal ao reconhecer a

281 Art. 8º - A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:

I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

Il - a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente. (Destacou-se)

282 CARVALHO, Osvaldo Santos de. Não cumulatividade do ICMS e princípio da neutralidade tributária.

São Paulo: Saraiva, 2013, p. 115.

inconstitucionalidade do ato283.

i.a) a unidade federada onde se localiza o contribuinte recebedor? A unidade federada, em não havendo declaração de nulidade, poderia em uma observação ao sistema promover a interpretação de que o imposto não foi pago na etapa anterior e em razão do princípio da não cumulatividade e decorrente da sistemática do imposto contra imposto e a aplicação do efeito de recuperação284;

i.b) o contribuinte recebedor? O contribuinte recebedor, em sendo possível avaliar a existência de operações realizadas em que tenha sido beneficiada por atos normativos ilegais, poderia avaliar se haveria crédito passível de aproveitamento ou não. Nesse sentido, o crédito passível de aproveitamento somente seria o que teria sido efetivamente cobrado na etapa anterior;

ii) Considerando o princípio da não-cumulatividade, seria possível falar em glosa de crédito? Considerando que o princípio da não-cumulatividade, pela metodologia do imposto-contra-imposto, opera-se tendo por base a dedução de crédito de imposto cobrado na etapa anterior e, no caso de mercadoria beneficiada, ao menos em tese, seria possível, promover a glosa de imposto cobrado em valor menor do que o destacado em nota fiscal em virtude de benefício concedido irregularmente285;

ii.a) Em qual situação? Somente poderia ser objeto de glosa de crédito na eventualidade de não ter sido declarado inconstitucional pelo Supremo;

ii.b) E em havendo declaração de nulidade pelo STF? Nesse caso, além da aplicação da primeira parte do art. 8, I, deveria ser aplicado o inciso II no sentido de que o Estado que concedera benefício irregular, deva promover a cobrança do imposto de seu contribuinte286, de

283 “[...] apenas uma via para seja anulada uma norma colocada no ordenamento jurídico, mormente quando se tratar de normas emanadas por outros entes da Federação. Esta via é o Poder Judiciário. OLIVEIRA, Julio Maria de;” MATTA, Soraia Monteiro da. Guerra Fiscal e a glosa de créditos. In: SOUZA, Priscila de (coord.). VI Congresso Nacional de Estudos Tributários. São Paulo: Noeses, 2009, p. 545.

284 “Segundo, porque, para a glosa de créditos, não se faz necessária nenhuma declaração de inconstitucionalidade de lei, é justamente o contrário, pressupõe-se que a norma é válida pra que se possa tornar ineficaz o montante do crédito correspondente ao benefício fiscal [...]. Supor que a glosa do crédito necessita de prévia declaração de inconstitucionalidade da norma representa uma contradição.” BRANDÃO JUNIOR, Salvador Cândido.

Federalismo e ICMS: Estados-Membros em “Guerra Fiscal”. Série doutrina tributária v. XIV. São Paulo:

Quartier Latin, 2014, p. 241.

285 “É tão legítimo esse controle da legalidade da apropriação do crédito do ICMS que o Estado-membro pode fazê-lo insista-se – independentemente de qualquer ato normativo expresso. Só no exercício do seu dever de fiscalizar.” BORGES, José Souto Maior. Incentivos fiscais e financeiros. Revista Trimestral de Direito Público, n. 08. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 104.

286 “Por isso, entendemos que, havendo descumprimento da forma exigida para concessão de isenção, benefício ou incentivo fiscal, compete ao Judiciário apreciar sua constitucionalidade, e, sendo ela declarada inconstitucional, incumbe ao Estado de origem da mercadoria ou do serviço a exigência do tributo que este deixou de cobrar, sendo inadmissível a vedação ao aproveitamento do crédito do contribuinte ou a cobrança do ICMS pelo Estado destinatário do bem ou serviço.” TOMÉ, Fabiana del Padre. A jurisprudência do STF sobre Guerra Fiscal. In:

forma a garantir a manutenção do crédito do contribuinte adquirente.

Sem ignorar uma série de questões de ordem política, econômica e social, bem como questões jurídicas que conferem à pragmática da concessão de incentivos uma análise muito mais complexa, o que se pretende analisar aqui é que, em virtude de uma concessão irregular de benefício, o Estado “lesado” deveria buscar junto ao Supremo o reconhecimento de nulidade de tal benefício, o que ensejaria a consequente cobrança do ICMS devido pelo contribuinte localizado no Estado que deixou de observar a lei complementar, mantendo-se legítimo o crédito tomado pelo adquirente.

Dessa forma, em que pese todos os argumentos levantados pela doutrina no sentido de ser inconstitucional o inciso I do art. 8º, apresentar-se-ia como possível a escorreita aplicação do referido dispositivo em conformidade com a Constituição Federal de 1988, contudo, a dinâmica com que os incentivos são concedidos de forma irregular e a demora com que o Supremo reage às manifestações dos Estados, associados a manobras, de duvidosa legitimidade, em que alguns Estados revogam os dispositivos atacados via ADI, para provocar um julgamento sem análise de mérito, demanda uma análise com viés pragmático.

De proêmio, com o fito de melhor situar as relações, de um lado, Estados que não observam as disposições da referida lei complementar e editam normas concedendo incentivos fiscais sem prévia edição de convênio ICMS; de outro, os entes federados que, ao se sentirem lesados não reconhecem os créditos de ICMS nas operações interestaduais oriundas daqueles Estados “transgressores” e no meio deste “cabo de guerra” encontram-se os contribuintes, o que remete mercadorias para outros Estados com destaque de ICMS em operações subsidiadas por incentivos ilegais (por via reflexa inconstitucionais) e o contribuinte que recebe as mercadorias cujo crédito é questionado pela unidade federada de destino, que não o reconhece. Eis a instauração da denominada “Guerra Fiscal”.

Como se viu no tópico anterior, ora Estados beligerantes se enfrentam em Ações Diretas de Inconstitucionalidade visando o reconhecimento, pela Corte Suprema, da inconstitucionalidade de incentivos concedidos à margem da Lei Complementar; ora os contribuintes que têm seus créditos glosados se contrapõe à atividade administrativa, seja em âmbito administrativo ou judicial, com a finalidade de ver reconhecido seu direito constitucional ao crédito de ICMS a fim de preservar a não cumulatividade do imposto.

A ausência de edição dos convênios tem uma consequência sintática estrutural extremada e, atualmente, faz do Supremo Tribunal Federal palco de intensas e numerosas

MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coord). Incentivos Fiscais.

Questões Pontuais nas Esferas Federal, Estadual e Municipal. São Paulo: MP EDITORA, 2007, p. 135.

disputas entre Estados que questionam entre si a edição de normas estaduais à margem dos convênios de ICMS. Exigindo-se a intervenção do Poder Judiciário com a finalidade de garantir as disposições constitucionais.

Para o que importa no presente ponto cabe uma observação sob o prisma pragmático que se pretende identificar a partir de análises de alguns casos postos a julgamento nos tribunais superiores a partir da perspectiva dos adquirentes de mercadorias oriundas de Estados de que instituíram de incentivos fiscais sem prévia edição de Convênio ICMS e seus reflexos no que toca a norma de crédito do imposto.

É uma fórmula de difícil equacionamento dadas às circunstâncias fáticas que podem graduar cada caso concreto. Apenas a título de destaque, cumpre transcrever, em dois momentos distintos, a posição do Professor Paulo de Barros Carvalho que inicialmente havia se manifestado no seguinte sentido:

Quando perceber que as regras superiores estão sendo transgredidas ou simplesmente ameaçadas, cabe-lhe aplicar a legislação pertinente, preservando a ordem que ele mesmo instituiu, debaixo de valores constitucionais. Ora, as sanções do art. 8º da Lei Complementar nº 24/1975 lá estão para serem aplicadas. Entendeu o legislador complementar que tais cominações seriam adequadas para manter a integridade de seus desígnios motivo pelo qual os entes tributantes devem fazê-las incidir, toda vez que se verificarem infrações. Esses argumentos me autorizam a concluir que não somente podem ser aplicados pelos Estados, como estes deverão realiza-los, com o intento de preservar a organização uniforme desse tributo. Tenho para mim que o procedimento omissivo, estando bem caracterizada a transgressão, implicará até ofensa ao princípio da indisponibilidade do interesse público, provocando sérias lesões ao erário.

E na mesma direção o asserto: violência contra o pacto federativo seria cometido se o Estado sentindo-se prejudicado no comércio interestadual e tendo à sua disposição aqueles preceitos sancionatórios, deles não seria desequilíbrio na relação entre as unidades federadas, com sérios detrimentos para o o pacto federativo. Sobremais, não fora os Estados e o Distrito Federal, a quem seria cometido o poder jurídico de fazer incidir as normas secundárias estabelecidas naquela Lei Complementar?

[...]

A Lei Complementar de que tratamos não só é auto-aplicável, na condição de diploma recepcionado pela ordem jurídica em vigor, como sempre o foi, desse seu advento, sob o pálio da Constituição de 1967. Ser auto-aplicável quer significar ser bastante-em-si para irradiar os efeitos que lhe são imanentes, isto é, acontecidos os pressupostos de fato previstos nos antecedentes normativos, as consequências jurídicas se propagarão automática e infalivelmetne (Becker), entre dois ou mais sujeitos de direito287.

Note-se que o primeiro posicionamento datado dos idos do ano de 1994, o contexto bastante diverso do atual, o citado confere força dispositiva às disposições da Lei Complementar.

Contudo, revendo seu posicionamento anterior, com clara influência pelo aspecto

287 CARVALHO, Paulo de Barros. ICMS – incentivos -conflitos entre Estado – interpretação. Revista de direito tributário, n. 66. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 108-109.

pragmático envolvendo o contexto da “Guerra Fiscal”, o Professor Paulo de Barros Carvalho, aponta para a inafastabilidade do poder judiciário o reconhecimento da inconstitucionalidade das leis; violação ao princípio da não-cumulatividade; locupletamento indevido por parte do estado que promove a glosa. É o que se evidencia de suas palavras:

Ademais, como já anotei, o art. 8º da Lei Complementar nº 24/1975 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

A Carta Magna atualmente me vigor no Brasil assegura às pessoas políticas o direito de propor ações diretas de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal visando a extirpar do ordenamento jurídico as normas que ilegitimamente tenham por objeto a concessão de benefícios fiscais unilaterais. Não faria senso admitir, portanto, que um Estado pretenda afastar os efeitos da concessão de benefícios fiscais que considera indevidos mediante simples glosa de créditos, elegendo o contribuinte como

“inimigo” nessa “guerra fiscal”, e não o Estado que teria editado norma violadora do Texto Superior. Até mesmo porque o adquirente das mercadorias e serviços situado no Estado destinatário, possuindo amparo documental que contenha todos os elementos do negócios mercantil, não tenha a obrigação nem as condições necessárias para pesquisar eventual existência de incentivo fiscal concedido ao fornecedor288.

Dentro de um contexto geral o judiciário teve por mira a proteção de expectativas dos contribuintes e sobre a tônica de que a “Guerra Fiscal” envolveria por parte dos Estados recebedores um reconhecimento de inconstitucionalidade de norma para promover a “Glosa de créditos”. Nesse aspecto, ao que parece é que a pragmática da “Guerra Fiscal” associada a

“interpretação de inconstitucionalidade por parte do executivo” e a “Glosa de créditos” é que influenciou as decisões no sentido de afastar o não reconhecimento dos créditos fiscais, o que se pode evidenciar da decisão proferida nos autos do RMS nº 31.714/MT:

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. OPERAÇÃO INTERESTADUAL. CONCESSÃO DE CRÉDITO PRESUMIDO AO FORNECEDOR NA ORIGEM. PRETENSÃO DO ESTADO DE DESTINO DE LIMITAR O CREDITAMENTO DO IMPOSTO AO VALOR EFETIVAMENTE PAGO NA ORIGEM. DESCONSIDERAÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL CONCEDIDO. IMPOSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO. LEI. AUTORIZAÇÃO.

AUSÊNCIA.

1. O mandamus foi impetrado contra ato do Secretário de Estado da Fazenda, com o objetivo de afastar a exigência do Fisco de, com base no Decreto Estadual 4.504/04, limitar o creditamento de ICMS, em decorrência de incentivos ou benefícios fiscais concedidos pelo Estado de origem da mercadoria. Deve-se destacar que a discussão travada na lide não diz respeito à regularidade do crédito concedido na origem, mas à possibilidade de o ente estatal de destino obstar diretamente esse creditamento, autuando o contribuinte que agiu de acordo com a legislação do outro ente federativo.

2. Admite-se o mandado de segurança quando a impugnação não se dirige contra a lei em tese, mas contra os efeitos concretos derivados do ato normativo, o qual restringe o direito do contribuinte de efetuar o creditamento do ICMS.

3. Na hipótese, o Secretário de Estado da Fazenda possui legitimidade para figurar no feito, porquanto, nos termos do art. 22 da Lei Complementar Estadual nº 14/92, compete-lhe proceder à arrecadação e à fiscalização da receita tributária, atribuições que se relacionam diretamente com a finalidade buscada na ação mandamental.

4. O benefício de crédito presumido não impede o creditamento pela entrada nem impõe o estorno do crédito já escriturado quando da saída da mercadoria, pois tanto a

288 CARVALHO, Paulo de Barros. A concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito de ICMS. In: CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 81.

No documento Incentivos Fiscais (páginas 119-134)