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Uma proposta de definição do conceito de Convênio ICMS

No documento Incentivos Fiscais (páginas 81-85)

4.2 Perspectiva semântica dos Convênios ICMS

4.2.1 Uma proposta de definição do conceito de Convênio ICMS

Como se viu os termos utilizados para significar determinado objeto padecem de vagueza e ambiguidade dada às mais variadas formas de uso na linguagem natural. Contudo, o significado de base190 é informado por determinado contexto191, por se tratar de um termo que o conceito usual192, pode não contribuir muito para um sentido jurídico preciso, fez-se necessário a contextualização dentro do texto constitucional no tópico anterior. Assim, para além da contextualização, maior precisão na atribuição de sentido é obtida com a utilização e

187 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Art. 37, XXII.

188 BRASIL. Ato das Disposições Constitucionais transitórias. Art. 88, II; Constituição Federal de 1988. Arts. 155,

§ 2º, XII, ”g”, 156, § 3º, III e 195, § 3º.

189 BRASIL. Ato das Disposições Constitucionais transitórias. Art. 36; Constituição Federal de 1988. Arts. 146, p.u., IV, 153, § 4º, III e 187, I.

190 “Stricto sensu, denominaremos significado de base ao núcleo de sentido proveniente da padronização da articulação interna entre o significante e o significado. Simplificando, o significado de base nos mostra os sentidos socialmente estandardizados.” WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. I – Interpretação da lei:

temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994, p. 130.

191 “Examinando-se os discursos encontrar-se-á o fator auxiliar par atingir a compreensão das diversas funções comunicativas dos signos. Também se encontrará o sentido derivado das relações associativas dos signos.

Lato sensu chama-se significado contextual de um signo ou palavra ao sentido que está presente no discurso.”

Ibidem, p. 131.

192 “Convênio s.m. 1 acordo entre pessoas; convenção, pacto (um c. que interessa às partes). 2 contrato entre duas entidades (podendo uma delas ser internacional), para prestação de serviços (c. hospitalar) 3 JUR contrato firmado entre dois ou mais órgão públicos * ETIM lat. Fed. Convenium, l’acordo, pacto, combinação; * sin/var ver sinonímia de pacto.” HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Sales. Dicionário da língua Portuguesa Antônio Houais e Mauro de Salles Villar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 827.

comparação com outras palavras e expressões, nesse sentido advertem Fabiana Del Padre Tomé e Fernando Favacho:

A significação de uma palavra depende, por isso, da convenção que se faz com os outros participantes. Não existe acepção "principal", seguida de outras meramente

"metafóricas". O que há é um uso mais intensivo de determinado termo do que de outro, tal como os dicionários se organizam. A elucidação dos termos pode ocorrer tanto com a substituição por vocábulos mais precisos quanto pela inserção de palavras novas que restrinjam a significação (quanto maior o número de critérios para definir um conceito, menor a denotação possível, visto que menor o número de objetos que possuem todas as características exigidas)193.

Isolando-se o termo “convênio” dentro do contexto constitucional, vê-se que é utilizado em outros contextos que em sua maioria194 denotam acordo firmado por entes políticos ou órgãos da administração pública. Ao se limitar o espectro contextual e inserindo-o no subsistema tributário, é de se verificar que as adjetivações que o termo recebe estabelece possíveis sentidos normativos para referir acordo entre entes para estabelecer formas de compartilhamento de informações fiscais195.

De outra ponta as disposições que se relacionam exclusivamente a incentivos fiscais denotam um tipo específico de convênio, qual seja, aquele já utilizado pela ordem constitucional anterior para referir-se aos Convênios ICMS, veja-se o teor dos dispositivos:

Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.[...]

§ 8º Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, "b", os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria. [...]

Art. 41. Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis. [...]

§ 3º Os incentivos concedidos por convênio entre Estados, celebrados nos termos do art. 23, § 6º, da Constituição de 1967, com a redação da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, também deverão ser reavaliados e reconfirmados nos prazos deste artigo.

É de se verificar que a expressão convênio, em matéria de incentivos fiscais, denotam um tipo específico de ato normativo, qual seja, aquele que orientado pela ordem constitucional anterior teve sua extensão normativa delimitada na Lei Complementar nº 24/1975 e visa regulamentar a forma pela qual os Estados-membros deveriam observar para a concessão de

193 TOMÉ, Fabiana Del Padre e FAVACHO, Fernando Gomes. O que significa pragmático para o constructivismo lógico-semântico: a tríade linguística “sintático, semântico e pragmático” utilizada por Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho na Teoria do Direito. Revista Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, vol. 10, n. 01, 2017, p. 277.

194 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Arts. 39, § 2º, 166-A, § 2º, I, 199, § 1º e 241.

195 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Art. 37, XXII.

incentivos fiscais.

Vê-se, portanto, que os Convênios ICMS são importantes veículos introdutores de normas que introduzem disposições procedimentais para que os Estados-Membros possam promover, em suas ordens internas, a edição de novos veículos introdutores de normas concessivas de incentivos fiscais, como se destacou nos tópicos 4.1.2 e 4.1.3, sob pena de incorrer na invalidade desses últimos dispositivos por violação da norma de competência.

Em uma breve análise sintagmática, cabe destacar que a Carta Política de 1988 traz os dois dispositivos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, sendo que o art. 41 significa expressamente convênios editados para concessão de incentivos fiscais. Já o § 8º do art. 34 disciplina uma figura específica de convênio com a função de fazer as vezes de Lei Complementar exigida pelo art. 155, I, “b”. Nesse ponto, o conteúdo material atribuído a este convênio específico e sua função é mais abrangente do que os convênios em matéria de incentivos fiscais. Como já adiantado em tópicos anteriores196, foi editado o Convênio Interestadual ICMS 66/1988 que sob o pálio da Constituição Federal vigorou com força de lei complementar até a edição da promulgação da Lei Complementar nº 87/1996.

Sob o viés comparativo entre as Cartas Políticas, Salvador Cândido Brandão Júnior, em uma análise semântica, chama a atenção para os termos utilizados nas Constituições de 1967/1969, em seu art. 23, § 6º, que traz a literalidade do vocábulo convênio. De sua vez, a Carta Política de 1988 somente prevê, de forma expressa, o termo convênio ao tratar, no 8º do art. 34 do ADCT, de convênio com finalidade específica de suprir a ausência de lei complementar exigida no art. 155 da CF/88.

Ou seja, a Constituição, para finalidade específica – marcada pela provisoriedade –, permitiu que fosse utilizado o veículo normativo convênio, previsto na forma da Lei Complementar nº 24/1975 somente nesta situação.

Na análise contextual e a busca comparativa do termo convênio com os termos relacionados a incentivos fiscais, muito embora não se tenha avizinhado especificamente uma relação direta, tem-se na dicção do art. 155, § 2º, XII, “g”, que o termo utilizado para estabelecer a forma pela qual os Estados editariam regras sobre isenções, benefícios e incentivos fiscais se daria por meio de deliberação. Nas palavras do citado autor, melhor se conforma:

A diferença entre as expressões “convênios” e “deliberação” consiste no fato de que convênios exigem unanimidade, já que representa um acordo com uma conjugação de interesses e, para isso, necessita da adesão de todos para a expressão da vontade das partes. Este é justamente o ponto que diferencia os contratos dos convênios, na medida em que nos contratos as partes possuem interesses opostos e nos convênios os interesses são paralelos ou convergentes; por isso, todos devem estar de acordo.

196 Item 3.6 e Capítulo 4 e subcapítulo 4.1.

(Destaque no original)197.

Anota Eros Grau importante distinção entre a figura dos convênios e os contratos e pontua que para esses últimos as notas de contradição de interesses justifica haver uma necessária conciliação, diferente do que ocorre nos convênios em que a vontade das partes concorre para um desígnio comum, não havendo que se falar em divergência, ou ainda em interesses opostos. Veja-se:

Distinguem-se, assim, os contratos, - através dos quais se instrumenta a composição de interesses opostos – dos convênios, onde se formaliza o concurso de interesses concordantes. Descrevemos o contrato, dessa sorte como instrumento de declaração de vontades que se encontram e se integram, dirigindo-se uma contra a outra; no contrato há oposição de interesses contraditórios e a sua celebração supõe a conciliação entre eles. Já o convênio, devemos referi-lo como instrumento de declaração de vontades que se encontram e se integram, dirigindo-se, todas elas, a um objetivo comum, sem que, portanto, umas às outras se oponham; não há, no convênio oposição, mas sim conjugação de interesses198. (Destaque no original)

Com efeito, é possível identificar que existe no sistema de direito positivo, veiculada na Lei Complementar nº 24/1975, a exigência da edição de convênio para concessão de isenções e benefícios fiscais.

A despeito de o art. 155, § 2º, XII, “g” não trazer expressamente o termo convênio, há uma abertura semântica no termo deliberações que possibilita a construção, a partir do princípio da recepção, como se pode alinhavar no tópico 4.1., a permitir a utilização do convênio cujo procedimento formal está disposto na Lei Complementar nº 24/1975.

Vê-se pois que não há uma definição normativa do conceito de convênio, mas à guisa de conclusão parcial pode se verificar que o conceito normativo de convênio em matéria de incentivos fiscais do ICMS pode ser construído a partir de um significado de base que, inserido no contexto do subsistema constitucional tributário, pode ser qualificado como procedimento formal de deliberação a ser observado pelos Estados membros para concessão de incentivos fiscais.

Ainda dentro desse espectro conceitual, pode-se destacar uma outra figura, ainda que tenha por fundamento de validade diverso, no que toca à Lei Complementar nº 24/1975, mas ainda sob o mesmo fólio constitucional, seria o convênio 190/2017 que editado nos termos da Lei Complementar, traz previsões específicas sobre deliberação dos Estados sobre a remissão de créditos tributários, incentivos fiscais, em desacordo a alínea “g” do inciso XII do § 2 do art.

155 da Constituição Federal, bem como a reinstituição das respectivas isenções, incentivos e

197 BRANDÃO JUNIOR, Salvador Cândido. Federalismo e ICMS: Estados-Membros em “Guerra Fiscal”.

Série doutrina tributária, v. XIV. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 130.

198 GRAU, Eros Roberto. Convênio e contrato. In: Enciclopédia Saraiva do Direito. V. 20. São Paulo: Saraiva, 1978, pp. 379-380.

benefícios fiscais ou financeiro-fiscais.

Foi caro ao legislador constituinte estabelecer um procedimento específico a ser observado pelos Estados-membros, limitando-lhes a competência para editar normas concessivas de incentivos fiscais, ao ponto de existir, no ordenamento um ato normativo específico para tanto o que cunha-se para melhor adequação semântica ao presente trabalho Convênios Interestaduais de Incentivos Fiscais de ICMS, utilizado ao longo do trabalho apenas como Convênio ICMS.

Evidentemente, os convênios de que aqui estamos cogitando devem limitar-se a dispor sobre isenções de ICMS. Não lhes é dado, a este pretexto, cuidar de questões estranhas. Muito menos possibilitar o descumprimento de princípios constitucionais, máxime se isto vier em detrimento dos contribuintes199.

Sob a acepção de convênios, portanto, não estariam contemplados convênios que tenham o objetivo de estabelecer formas de cooperação entre os entes políticos para compartilhamento de informações fiscais; o Convênio 66/1988, que muito embora tenha equivalência formal, não guarda correspondência por seu conteúdo material; em suma, convênios que versem sobre matéria diversa a incentivos fiscais (fixação de alíquotas internas inferiores às interestaduais; fixação de alíquotas de combustíveis e forma de apuração e destinação de imposto; sobre substituição tributária e outras matérias) sobre esses últimos, embora não perfaçam objeto do presente trabalhado, vê-se que buscam fundamento diverso na Constituição Federal, à medida tomam de empréstimo a forma do convênio do art. 155, § 2º, XII, “g” que trata, especificamente, de incentivos fiscais.

No documento Incentivos Fiscais (páginas 81-85)