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Incentivos fiscais irregulares e o STF

No documento Incentivos Fiscais (páginas 111-119)

4.3 Perspectiva pragmática dos Convênios ICMS

4.3.4 Incentivos fiscais concedidos à margem do CONFAZ

4.3.4.1 Incentivos fiscais irregulares e o STF

São muitos os precedentes do Supremo Tribunal Federal ao considerar inconstitucional norma estadual editada sem prévia edição de Convênio ICMS257, fe não raras vezes em análises de medidas cautelares o tribunal determinava a suspensão imediata de seus efeitos258, nos termos do art. 10 da Lei nº 9.868/1999:

Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.

§ 1o O relator, julgando indispensável, ouvirá o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, no prazo de três dias.

§ 2o No julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada sustentação oral aos

257 ADI nº 2.213. Tribunal Pleno. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 04.04.2002. DJ. 23.4.2004; ADI nº 1.967.

Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ. 15.4.2005; ADI nº 286. Tribunal Pleno. Rel. Min. Maurício Corrêa. Julgado em 22.5.2002. DJ. 30.8.2002; ADI nº 1.247. Tribunal Pleno. Rel. Min. Dias Toffoli. Julgado em 01.06.2011. DJe.

17.8.2011; ADI nº 4.152. Tribunal Pleno. Rel. Min. Cezar Peluso. Julgado em 01.06.2011. DJe. 21.09.2011; ADI nº 2.549. Tribunal Pleno. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Julgado em 01.06.2011. DJ. 03.11.2011; ADI nº 3.936-MC. Tribunal Pleno. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julgado em 19.9.2007. DJ. 09.11.2007; ADI nº 3.410. Tribunal Pleno. Rel. Min. Joaquim Barbosa. Julgado em 22.11.2006. DJ. 08.06.2007; ADI nº 3.429. Tribunal Pleno. Rel.

Min. Ayres Britto. Julgado em 22.11.2006. DJ. 27.4.2007; ADI nº 3.312. Tribunal Pleno. Rel. Min. Eros Grau.

Julgado em 16.11.2006. DJ. 09.03.2007; ADI nº 2.722. Tribunal Pleno. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julgado em 22.11.2006. DJ de 09.12.2006.

258 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2.097/PR-MC. Tribunal Pleno. Rel. Min. Moreira Alves. Julgado em 04.05.2000. DJ. 16.06.2000. No mesmo sentido verificar: ADI nº 1999-MC. Tribunal Pleno. Rel. Min. Octavio Gallotti. Julgado em 30.06.1999. DJ. 31.03.2000; ADI nº 2021-MC. Tribunal Pleno. Rel. Min. Maurício Corrêz.

Julgado em 25.08.1999. DJ. 25.05.2001.

representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato, na forma estabelecida no Regimento do Tribunal.

§ 3o Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.

Aspecto bastante peculiar, nesses casos, é que Estados que tinham seus atos normativos afastados, promoviam a revogação desses atos provocando a perda do objeto das ADIs e editavam por meio de outros veículos introdutores os mesmos incentivos.

É o que destaca Osvaldo Santos de Carvalho:

No tocante à propositura de ADINs pelos Estados prejudicados junto ao STF, não raras vezes, quando aquele Tribunal Constitucional Maior lhes concedem liminares favoráveis, suspendendo a eficácia da medida política (o STF, instado a manifestar-se sobre a matéria, construiu reiterado entendimento sobre a inconstitucionalidade da concessão, pelo Estado, de benefícios fiscais sem Convênio prévio celebrado nas hostes do CONFAZ), os Estados mudam formalmente o instrumento legislativo, continuando a conceder os mesmo favores fiscais sob outra roupagem259.

É o caso, por exemplo, da ADI nº 2429260 em que o governador do Estado do Paraná questionava dispositivos do Regulamento de ICMS do Estado de São Paulo, aprovado pelo Decreto nº 45.490/2000, que concedia redução de base de cálculo, regime especial, crédito presumido para produtos da cesta básica e softwares.

Segundo consta dos andamentos processuais da referida ADI, os autos foram remetidos ao relator em 22/06/2006, com julgamento pautado para o dia 07/12/2006, em 30 de janeiro de 2007 o governo Paulista editou o Decreto nº 51.520/2007, informando no mesmo dia o STF que em fevereiro julga prejudicada a ADI por perda superveniente de objeto.

Ocorre que, em 08 de fevereiro, o Estado de São Paulo edita o Comunicado CAT 04/2007 com a intenção de “restaurar” a alíquota reduzida de 7% para determinados itens:

Comunicado CAT-4, de 7-2-2007 (DOE de 08-02-2007)

Esclarece sobre efeitos do Decreto 51.520, de 29 de janeiro de 2007, que revogou dispositivos do Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação concernentes à cesta básica

O Coordenador da Administração Tributária, considerando que o Decreto 51.520, de 29 de janeiro de 2007, revogou o artigo 53 do Regulamento do ICMS e tendo em vista o disposto nos itens 3, 11, 14, 16 e 17 do § 1º do artigo 34 da Lei 6.374, de 1° março de 1989, esclarece que permanece aplicável a alíquota de 7% às operações de que tratam os referidos dispositivos da Lei 6.374/89.

Em agosto de 2007 é protocolada a ADI nº 3935-AM, pelo governador do Estado do Amazonas em que um dos pontos questionados, são justamente os itens 07 e 11 da Lei bandeirante nº 6.374/1989, objeto de reestabelecimento pelo Comunicado CAT 04/2007, o que

259 CARVALHO, Osvaldo Santos de. Guerra fiscal no âmbito do ICMS. In: CAMPILONGO, Paulo Antonio Fernandes (coord.). ICMS: Aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 250

260 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. ADI nº 2429. Rel. Min. Gilmar Mentes. Julgado em 01/02/2007. DJ. 07.02.2007.

leva novamente o governo do Estado de São Paulo a manobrar instrumentos normativos a fim de não ver tais dispositivos declarados inconstitucionais, edita a Lei estadual 12.785 em dezembro de 2007, o que levou o STF julgar a ação prejudicada por perda de objeto:

É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal quanto à prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade, por perda superveniente de objeto e de interesse de agir do Autor, quando sobrevém a revogação da norma questionada em sua constitucionalidade.

10. No julgamento da Questão de Ordem na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.859, Relator o Ministro Marco Aurélio, o Plenário do Supremo Tribunal, por unanimidade, entendeu que, “uma vez revogados os preceitos legais, cumpre concluir pela perda de objeto da ação direta de inconstitucionalidade” (DJ. 26.11.1999).

Não bastasse os questionáveis métodos adotados pelos Estados, utilizavam-se do disposto no § 1º do art. 11 para manter válidas as normas para os períodos anteriores à concessão das medidas liminares, de forma que normas inconstitucionais, permaneciam no sistema jurisdicizando fatos passados.

Art. 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I deste Capítulo.

§ 1o A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa.

A exemplo do Estado de São Paulo, muitos outros Estados atuaram no mesmo sentido o que geraram um número incontável de decisões nesse sentido261. Apesar de haver demorado a partir de 2011 parece que o STF percebe a manobra e passa a julgar as ações, segundo destaca Fernando Facury Scaff:

Nos enfrentamentos da guerra fiscal realizados no STF até 2011 o Tribunal simplesmente deixava de julgar as ADIs que eram propostas quando os Estados, malandramente, revogavam as normas impugnadas e editavam outras semelhantes, que possuíam os mesmos efeitos em concreto. O destino dessas ações era o de extinção da ADI em razão de perda de objeto, pois, em um raciocínio lógico e direto, se a norma havia sido revogada, então, não havia motivo para declará-la inconstitucional. E o julgamento era encerrado.

Ocorre que em junho de 2011 o STF se deu conta das manobras que vinham ocorrendo e passou a analisar estas ações mesmo havendo a revogação das normas estaduais contrárias ao CONFAZ, pois elas possuíam efeitos no tempo, isto é, mesmo revogadas

261 ADI nº 3.873/AC. Decisão Monocrática. Rel. Min. Carmen Lúcia. DJ. 13.03.2009; ADI nº 3.319/RJ. Decisão Monocrática. Rel. Min. Carmen Lúcia. DJ. 27.6.2008; ADI nº 3.209/SE. Decisão Monocrática. Rel. Min. Carmen Lúcia. DJ. 27.03.2008; ADI nº 1.821/DF. Decisão Monocrática. Rel. Min. Carmen Lúcia. DJ. 14.03.2008; ADI nº 1.898/DF. Decisão Monocrática. Rel. Min. Carmen Lúcia.DJ. 14.03.2008; ADI nº 1.461/AP. Tribunal Pleno. Rel.

Min. Maurício Corrêa. Redator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. DJ 19.10.2007; ADI nº 1.920/BA.

Tribunal Pleno. Rel. Min. Eros Grau. DJ. 2.2.2007; ADI nº 3.513/PA. Decisão Monocrática. Rel. Min. Ellen Gracie. DJ. 22.08.2005; ADI nº 1.442/DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Celso de Mello. DJ. 29.04.2005; ADI nº 2.436/PE. Decisão Monocrática. Rel. Min. Joaquim Barbosa. DJ 26.08.2005; ADI nº 380/RO. Decisão Monocrática. Rel. Min. Celso de Mello. DJ. 04.03.2005; ADI nº 1.995/ES. Decisão Monocrática. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ. 17.11.2005; ADI nº 254-QO/GO. Tribunal Pleno. Rel. Min. Maurício Corrêa. DJ. 5.12.2003; ADI nº 1.815/DF. Decisão Monocrática. Rel. Min. Sydney Sanches. DJ. 07.03.2002; ADI nº 2.001-MC/DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Moreira Alves. DJ. 03.09.1999; e ADI nº 221/DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Moreira Alves. DJ.

22.10.1993.

tinham gerado efeitos concretos que necessitavam ser apreciados262.

É interessante analisar que o STF, em reiteradas decisões263, ao declarar a inconstitucionalidade dos atos normativos que inobservam as disposições acerca da prévia edição de Convênios de ICMS – em ponderação ao princípio federativo e do princípio da nulidade na norma inconstitucional – retira-lhes a validade, sem modulação de efeitos264. Cumpre transcrever um dos diversos julgados265 que representa o posicionamento do Tribunal:

EMENTA: EMBARGOS DE DECLAÇÃO EM ADI. OMISSÃO. PEDIDO DE MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI QUE CONFERIU BENEFÍCIOS EM MATÉRIA DE ICMS SEM QUE HAJA CONVÊNIO DO CONFAZ. EMBARGOS CONHECIDOS PARA NEGAR-LHES PROVIMENTO. 1. Não comprovadas razões concretas de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, requisitos estipulados pelo art. 27 da Lei n.º 9.868/99, descabe a modulação dos efeitos da decisão. 2. A jurisprudência desta Suprema Corte não tem admitido a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em casos de leis estaduais que instituem benefícios sem o prévio convênio exigido pelo art. 155, parágrafo 2º, inciso XII, da Constituição Federal – Precedentes. 3. A modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade no presente caso consistiria, em essência, incentivo à guerra fiscal, mostrando-se, assim, indevida. 4. Embargos de declaração conhecidos para negar-lhes provimento266.

Questão que se colocou é que a vigência desses dispositivos inconstitucionais acabava por reger um grande universo de relações jurídicas, consolidando expectativas dos contribuintes sobre incentivos fiscais, o que, segundo posição do Ministro Roberto Barroso “geraria um grande impacto e um impacto injusto para os contribuintes”267.

Para melhor ilustrar os fundamentos para atribuição de efeitos prospectivos às declarações de nulidade, Betina Treiger Grupenmacher destaca a importância da proteção do contribuinte que, de boa-fé, praticou seus atos em confiança na validade dos atos normativos, o que deve ser preservado. Assevera a autora:

Assim, sendo certo que ao atuar de acordo com o que está previsto no ordenamento jurídico, recolhendo o tributo com aplicação de benefício e incentivo fiscal, ainda que a norma exonerativa fundamentadora de tal postura agrida o pacto federativo e por

262 SCAFF, Fernando Facury. A inconstitucional unanimidade do Confaz e o surpreendente Convênio 70.

Conjur, 2014. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-ago-12/contas-vista-inconstitucional-unanimidade-confaz-convenio-70. Acesso em: 15 jul. 2020.

263 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2345. Tribunal Pleno. Rel. Min. Cezar Peluso. Julgado em 30.06.2011. DJe. 05.08.2011; ADI nº 2.906. Tribunal Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em 01.06.2011.

DJe. 29.06.2011; ADI nº 1.247. Tribunal Pleno. Rel. Min. Dias Toffoli. Julgado em 01.06.2011. DJe. 17.08.2011;

ADI nº 2458-MC. Tribunal Pleno. Rel. Min. Ilmar Galvão. Julgado em 21.11.2001. DJ. 19.12.2002.

264 Pois bem, o acórdão do STF, ao constituir a inconstitucionalidade da RMIT, introduz norma que se entrechoca com ela, mutilando a sua vigência futura (desde que não preveja a possibilidade de continuar a surtir efeitos), e, eventualmente, retirando-a do sistema, ceifando-lhe a validade. LINS, Robson. Controle de constitucionalidade da norma tributária: decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 175.

265 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 38.041/MG. Primeira Seção. Rel. Min. Eliana Calmon. Rel. p/

Acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 28.08.2013. DJe 04.11.2013.

266 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 3794-ED. Tribunal Pleno. Rel. Min. Roberto Barroso. Julgado em 18.12.2014. DJe. 24.02.2015.

267 BRASIL. Supremo Tribumal Federal. ADI nº 4.481. Tribunal Pleno. Rel. Min. Roberto Barroso. Julgado em 11.03.2015. DJe. 19.05,2015.

esta razão seja desencadeadora de GUERRA FISCAL, ainda assim, não se admite a possibilidade dos efeitos retroativos da decisão que reconhece a inconstitucionalidade da norma quando o sujeito passivo pautou seu comportamento no convencimento de que sua postura estava em conformidade com o direito aplicável. Sua intenção não foi em nenhum momento recolher valor menor do que o efetivamente devido, e assim sendo, não é admissível que se lhe exija o tributo retroativamente268.

Nesse mesmo palmilhar, é o que motivou a tentativa de trazer a orientação para julgamentos nos casos que envolvam incentivos fiscais irregulares conforme registro no voto proferido pelo Ministro Roberto Barroso nos autos da ADI nº 4481:

A minha sugestão, nesses casos que envolvem guerra fiscal e benefícios fiscais indevidos, por violação do art. 155, § 2º, XII, é que o Tribunal e cada Relator procure se pronunciar, cautelarmente e no primeiro momento possível, em seguida trazendo à bancada, pela suspensão da lei, quando seja o caso, por violação desse dispositivo, para que ela não vigore por nenhum prazo significativo269.

Razão pela qual o STF altera seu entendimento e opta por modular os efeitos das decisões, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99270, e limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, retirando-lhe a vigência futura:

Ementa: I. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL QUE INSTITUI BENEFÍCIOS

FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. AUSÊNCIA DE CONVÊNIO

INTERESTADUAL PRÉVIO. OFENSA AO ART. 155, § 2º, XII, g, DA CF/88. II.

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS. 1. A instituição de benefícios fiscais relativos ao ICMS só pode ser realizada com base em convênio interestadual, na forma do art. 155, §2º, XII, g, da CF/88 e da Lei Complementar nº 24/75. 2. De acordo com a jurisprudência do STF, o mero diferimento do pagamento de débitos relativos ao ICMS, sem a concessão de qualquer redução do valor devido, não configura benefício fiscal, de modo que pode ser estabelecido sem convênio prévio. 3. A modulação dos efeitos temporais da decisão que declara a inconstitucionalidade decorre da ponderação entre a disposição constitucional tida por violada e os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, uma vez que a norma vigorou por oito anos sem que fosse suspensa pelo STF. A supremacia da Constituição é um pressuposto do sistema de controle de constitucionalidade, sendo insuscetível de ponderação por impossibilidade lógica. 4.

Procedência parcial do pedido. Modulação para que a decisão produza efeitos a contatar da data da sessão de julgamento271.

É de se observar que a inobservância de norma de competência implica na positivação de uma norma sancionatória que tem por objetivo ver reconhecida sua nulidade (lato sensu) retirando-lhe a validade (excluindo-a do sistema), ou ainda, mantendo sua vigência e eficácia

268 GRUPENMACHER, Betina Trieger. A guerra fiscal, guerra dos portos e princípio federativo. In: COSTA, Alcides Jorge. Sistema Tributário Nacional e a estabilidade da federação brasileira. São Paulo: Noeses, 2012, p.

151.

269 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4.481. Tribunal Pleno. Rel. Min. Roberto Barroso. Julgado em 11.03.2015. DJe. 19.05.2015.

270 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

271 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 3794-ED. Tribunal Pleno. Rel. Min. Roberto Barroso. Julgado em 18.12.2014. DJe. 24.02.2015.. Conferir no mesmo sentido: ADI nº 4.481. Tribunal Pleno. Rel. Min. Roberto Barroso. Julgado em 11.03.2015, DJe. 19.05.2015; ADI nº 2.663. Tribunal Pleno. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 08.03.2017. DJe. 29.05.2017.

para fatos já jurisdicizados, retirando-lhe o vigor para incidir sobre fatos futuros, o que a análise de cada caso concreto vai orientar a aplicação ou não do princípio da nulidade constitucional em complexa ponderação ante outros princípios de grande valia como o da segurança jurídica e o princípio federativo.

Vê-se que uma análise sob aspecto pragmático permite identificar que as relações sintáticas e semânticas relativas à figura normativa dos Convênios de ICMS é construída à medida que os casos práticos vão se apresentando para julgamento e ante a suas idiossincrasias acaba por conformá-los, dando-lhes novas perspectivas de aplicação. O que fica mais claro ao se analisar na última década o aumento substancial de ajuizamentos de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas e julgadas.

Conforme registra o repórter Luiz Orlando Carneiro na coluna Jota:

O tema é polêmico e foi alvo nos últimos dois anos, entre 17/8/2012 e 28/7/2014, de nada menos do que 33 ações diretas de inconstitucionalidade contestando benefícios fiscais unilaterais instituídos por diversos estados e pelo Distrito Federal, com base no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Essa guerra fiscal é alimentada, principalmente, pelo estado de São Paulo, o mais rico e industrializado da Federação. Na mais recente batalha, o governador Geraldo Alckmin protocolou 10 ações de uma só vez contra normas legais de seis estados (TO, MA, SC, MG, MS, PE) e do DF. Somam-se a esses feitos três ADIs (4.985, 4.972, 4.969) de iniciativa da Procuradoria-Geral da República, cujos autos já estão conclusos com o relator, ministro Teori Zavascki272.

A incidência de novos casos relativos à “Guerra Fiscal” além de provocar o Poder Legislativo273 a necessidade de editar novas normas a fim de combatê-la, também implicou em uma movimentação do Poder Judiciário para analisar Proposta de Súmula Vinculante nº 69, elaborada pelo Ministro Gilmar Mendes em março de 2012, que teve a seguinte redação:

Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), é inconstitucional.

É então que em abril de 2014 o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, envia parecer favorável à edição da súmula, que em suma considera:

O que se percebe é que, atualmente, os Estados que se sentem prejudicados pela lei concessiva de benefícios relativos ao ICMS aprovada à revelia do CONFAZ podem adotar dois caminhos: ingressar com ADI, recorrendo ao STF para questionar as leis do outro ente federativo, ou glosar os créditos dos contribuintes de seus territórios, o que deságua em um litígio judicial que, não raro, também chega ao Supremo. Dados

272 CARNEIRO, Luiz Orlando. Proposta de Súmula Vinculante sobre Guerra Fiscal está pronta para ser apreciada pelo STF. JOTA, 2014. Disponível na internet em https://www.jota.info/justica/materias59-proposta-de-sumula-vinculante-sobre-guerra-fiscal-esta-pronta-para-ser-apreciada-pelo-stf-02102014. Acesso em: 10 out.

2020.

273 BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei do Senado (Complementar) nº 130/2014, de autoria da Senadora Lúcia Vânia. Convalida os atos normativos de concessão de benefícios fiscais e concede remissão e anistia de créditos tributários referentes ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). Disponível em:

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/116962. Acesso em: 13 out. 2010.

os benefícios do novo caminho, mais célere, que pode ser inaugurado com a aprovação da proposta, não há razões para postergá-lo; pelo contrário, deve-se permitir a sua imediata utilização274.

A despeito de todo movimento causado no tecido social em torno da “Guerra Fiscal” o que causou uma série de atritos nas comunicações dos sistema político e do sistema jurídico, ao ponto de se veicular a possibilidade de edição de súmula vinculante fato é que ela ainda não foi aprovada e, possivelmente, teria sido superada pelo evento da edição da Lei Complementar nº 160/2017.

Outro ponto a ser analisado sob uma perspectiva pragmática, que ainda remanesce sem uma posição clara do Supremo Tribunal Federal, são quais os limites para se considerar adstrito ao regime de deliberação prévia e edição de Convênio de ICMS para concessão de incentivos que envolvam necessidade de discrímen a fim de afastar determinadas situações da denominada “Guerra Fiscal”, o que foi identificado incidentalmente pelo Ministro Luiz Fux ao considerar que

Impende considerar que não se desconhece o entendimento de que o aludido vício de inconstitucionalidade apenas exsurge diante da possibilidade, ainda que potencial, de se gerar a competição entre os Estados-membros pela atração de investidores e agentes econômicos em geral, tal como afirmado na ADI 3.421 (rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe de 28/5/2010).

É o caso, consubstanciado, do julgamento da ADI nº 3421 em que o Ministro Marco Aurélio ao analisar os incentivos fiscais concedidos pelo Estado do Paraná para afastar “a cobrança de ICMS nas contas de serviços públicos estaduais a igrejas e templos de qualquer culto”:

ICMS - SERVIÇOS PÚBLICOS ESTADUAIS PRÓPRIOS, DELEGADOS, TERCEIRIZADOS OU PRIVATIZADOS DE ÁGUA, LUZ, TELEFONE E GÁS - IGREJAS E TEMPLOS DE QUALQUER CRENÇA - CONTAS - AFASTAMENTO - "GUERRA FISCAL" - AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. Longe fica de exigir consenso dos Estados a outorga de benefício a igrejas e templos de qualquer crença para excluir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços nas contas de serviços públicos de água, luz, telefone e gás.275.

Em contranota a ADI nº 429-CE teve por objeto a concessão de incentivos fiscais destinados a micro e pequenas empresas e pequenos produtores rurais, e empresas que absorvessem deficientes em seus quadros de pessoas e, ainda, atividades relacionadas à fabricação e comercialização de aparelhos para portadores de deficiência. Nesse caso o Supremo Tribunal Federal manifestou-se pela inconstitucionalidade dos incentivos ante a falta

274 BRASIL. Procuradoria-Geral da União. BARROS, Rodrigo Janot Monteiro de. Parecer nº 2686, de 31 de março de 2014. Proposta de Súmula Vinculante nº 69. Benefício fiscal. ICMS. Convênio. CONFAZ. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcesso Peca.asp?id=4239018&tipoApp=.pdf. Acesso em 13 out.

2020.

275 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 3421. Tribunal Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em 05.05.2010. DJe. 27.05.2010

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