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Convênios ICMS e a internalização nas ordens estaduais

No documento Incentivos Fiscais (páginas 102-109)

4.3 Perspectiva pragmática dos Convênios ICMS

4.3.3 Convênios ICMS e a internalização nas ordens estaduais

expectativas normativas contrafáticas, na dinâmica do ICMS.

Antes do julgamento, e partindo de uma análise sob uma perspectiva de validade das normas enquanto existência, poderia se dizer que com a recepção da Lei Complementar nº 24/1975 as disposições sobre unanimidade estariam dentro de um gênero, o qual a Constituição, por uma abertura semântica do termo “deliberações”, poderia admitir. É o que se extrai do voto do Ministro Roberto Barroso que atribui ao termo deliberações, constante do dispositivo constitucional (art. 155, § 2º, XII, “g”) uma acepção aberta cuja atribuição de sentido deva se dar por meio de política fiscal, por atribuição do Poder Legislativo e não do Judiciário.

Muito embora não tenha sido este ponto objeto do dispositivo da ação, o que pode refletir, por exemplo, na validade das disposições da Lei Complementar nº 160/2017 ao permitir que as deliberações se dessem por maioria, o que se propõe a análise em tópico abaixo.

legalidade e da anterioridade, já que não foram excepcionados pela Carta Magna239.

Segundo observa o Professor Paulo de Barros Carvalho, fazendo coro a um amplo repertório doutrinário, com um breve extrato refletido no tópico 4.1.2, guarda-se para o presente capítulo uma análise a fim de se investigar-se por que os Estados, a exemplo do Estado de São Paulo, não se utilizavam de veículos normativos em que participe a assembleia legislativa.

Um primeiro aspecto, de ordem pragmática é que na ordem constitucional anterior, com uma participação muito mais incisiva do Governo Federal e uma participação preponderante dos poderes executivos locais, na prática, poderia fazer algum sentido normas inseridas no contexto de deliberações ocorridas no CONFAZ a fim de equalizar as normas relativas a incentivos fiscais no âmbito do ICMS. O que se reflete em decisões do próprio Supremo Tribunal Federal ao atribuir caráter impositivo aos Convênios ICMS, consoante se denota do voto do Ministros Cordeiro Guerra:

De fato, é possível conceder uma isenção de imposto ou redução dele por convênio, de acordo com a lei complementar, não, porém, excluindo da tributação uniforme prevista no § 5º do art. 23, algumas operações interestaduais ou interestaduais, pelo fato de ser o destinatário contribuinte ou não, do imposto, ou pela circunstância de destinar o adquirente a mercadoria para consumo ou não240.

No mesmo sentido a posição do Ministro Moreira Alves:

Assim, não há dúvida de que a concessão de qualquer desse benefícios, inclusive a isenção, terá de ser feita diretamente por convênio resultante da decisão unânime dos Estados representados, e sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação d e quatro-quintos, pelo menos, dos representantes presentes.

[...]

Observo, finalmente, que a inadmissibilidade da distinção entre convênio autorizativo e convênio impositivo, em matéria de concessão ou de revogação de isenção, decorre do próprio texto constitucional (o § 6º do art. 23 da Constituição Federal), uma vez que a inovação que ele introduziu em nosso direito constitucional, e que reduz a competência tributária dos Estados individualizadamente, visa – como acentua FERNANDO BROCKSTEDT (O ICMS pá. 163, item 35/2, Porto Alegre, 1975) - a

“que os Estados adotem uma política uniforme a harmônica de isenções, evitando as chamadas ‘guerras fiscais” 241.

Posição do Ministro Moreira Alves pautava-se nas disposições expressas da Lei Complementar nº 24/1975 que apenas excetuava as figuras do art. 10 que poderiam ser objeto de alteração por meio de outras figuras normativas e reforça a ideia de que não se admite a diferença entre convênios autorizativos e convênios impositivos242.

239 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação no direito tributário. V. I. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 159.

240 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 95.784. Tribunal Pleno. Rel. Min. Cordeiro Guerra. Julgado em 01.09.1982. DJ. de 08.10.1982.

241 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 96.545. Tribunal Pleno. Rel. Min. Moreira Alves. Julgado em 01.09.1982. DJ. de 04.03.1983.

242 ICM. Revogação de isenção concedida por convenio. Esta Corte, a partir do julgamento, pelo Plenário, do RE 96.545, firmou jurisprudência no sentido de que isenção de ICM concedida por convenio não e revogavel por Decreto, não se admitindo a distinção entre convenio autorizativo e convenio impositivo. Recurso extraordinário

De fato, a exigência de lei em sentido formal não havia sido agasalhada pelo Supremo Tribunal Federal, fossem em controle difuso, fosse em controle concentrado.

Já na atual quadra constitucional, é possível identificar em decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Fux, por ocasião do julgamento do RE nº 709.616/RS, há expresso entendimento de que, sob o fundamento da recepção expressa da Lei Complementar nº 24/1975, a integração do conteúdo dos convênios poderia se dar por meio de decreto executivo em exceção à regra, afastando assim a participação das casas legislativas, veja-se:

A Suprema Corte já decidiu que o art. 4º da LC nº 24/75, o qual prevê que a concessão da isenção será efetivada por decreto estadual, foi recepcionado pela CF/88, mitigando assim a reserva de lei em sentido formal, bem como a necessidade de aprovação pela Assembleia Legislativa através de decreto legislativo243.

Seguindo esse fluxo de ideias, Luciano Garcia Miguel ainda entende que os convênios ICMS são sempre impositivos à medida que a competência para veicular normas que introduza incentivos fiscais é compartilhada e se encerra com sua ratificação:

A Constituição reservou à lei complementar a tarefa de regular a forma como os benefícios fiscais relativos ao ICMS serão concedidos e revogados e não como será autorizada a sua concessão ou revogação.

A Lei Complementar n. 24/75, na mesma linha, dispõe sobre os convênios para a concessão (e revogação) de isenções (e outros benefícios) relativos ao ICMS, e não sobre a autorização para a concessão e revogação desses benefícios.

É por essa razão que, não obstante ser comum no âmbito do CONFAZ a aprovação de convênios que autorizam os Estados e o Distrito Federal a conceder determinados benefícios, pensamos que os convênios são (ou ao menos deveriam ser) sempre impositivos.

[...]

A aprovação do convênio pelo conjunto das unidades federadas é exigida pela necessidade de uniformização dos benefícios fiscais relativos ao ICMS244.

Haja vista a inobservância por parte dos Estados em relação a um dos grandes postulados constitucionais, qual seja o da separação dos poderes; ao deixar à margem a participação do poder legislativo estadual da produção normativa no âmbito das matérias veiculadas e autorizadas por convênios é que se coloca uma questão pragmática de grande relevância.

Muito embora a questão tenha ganhado relevo com a promulgação da Constituição em 1988, é com a edição da Emenda Constitucional nº 03/1993, que a discussão ganha força, motivando a elaboração pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, por solicitação do CONFAZ, de um parecer para analisar a nova disposição do § 6º do art. 150 da Constituição

conhecido e provido. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 100.386. Segunda Turma.

Rel. Min. Moreira Alves. Julgado em 19.08.1983. DJe. de 14.10.1983.

243 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 709.616. Primeira Turma. Rel. Min. Luiz Fux.

Julgado em 19.08.2013. DJe. de 21.08.2013.

244 MIGUEL, Luciano Garcia. Incidência do ICMS nas operações de importação. São Paulo: Noeses, 2013, pp.

85-93.

Federal, ao trazer a necessidade de edição de lei específica para veicular matérias relacionadas a incentivos fiscais. O referido Parecer PGFN/CAT/Nº 329/93 pode ser resumido a partir do seguinte excerto:

E nada mudou também com a edição da prefalada Emenda Constitucional nº 3, de 17.3.93, no particular. O regime de reserva legal no tocante às isenções, antes expresso no CTN, ficou, é certo elevado a nível constitucional de maneira explícita e pormenorizada. Isso, contudo, a todas as luzes, não autoriza pensar tenho o constituinte pretendido mudar a sistemática de isenções do ICMS, que se mantém a mesma, nos termos da Lei Complementar 24/1975.

Ao contrário, a mens constituionis quis deixar fora da norma o regime das isenções e outros incentivos fiscais do ICMS, que continua a merecer disciplina específica, tal como se depreende da ressalva constante da parte final do § 6º retrotranscrito, que faz remissão expressa ao disposto no art. 155, § 2º, XII, g, da Carta Federal245.

A fim de melhor ilustrar o panorama, sob a perspectiva dos Estados, à época somente 26 das 27 unidades federadas previam em suas constituições estaduais a necessidade de edição de lei ou ato normativo com participação da assembleia legislativa. Somente o Estado do Rio Grande do Sul trazia revisão nesse sentido:

“Art. 53. Compete exclusivamente à Assembléia Legislativa, além de outras atribuições previstas nesta Constituição: XXIV - apreciar convênios e acordos em que o Estado seja parte, no prazo de trinta dias, salvo se outro prazo for fixado por lei;”

Cabe aqui o registro do Parecer nº 35/2007246 da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo que analisa a exigência disposta no art. 150, § 6º, com nova redação data pela EC nº 03/1993, no que tange a edição de dispositivos que regulem a concessão de incentivos fiscais mediante lei específica. No referido parecer, aduz o subscritor que a edição da Emenda Constitucional nº 03/1993 não teria alterado o contexto normativo do ICMS, haja vista a exceção em sua porção final ao referir-se ao art. 155, § 2º, XII, “g”, e por não haver manifestação expressa do STF, além de uma série de argumentos de praticabilidade, conclui por estarem plenamente válidas as disposições contidas na Lei Complementar nº 24/1975.

Todavia, a jurisprudência do STF não perdeu de mira que cabe à casa legislativa estadual promover na ordem interna a introdução ou não do conteúdo autorizado pelo convênio iniciou uma alteração de entendimento:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL QUE OUTORGA AO PODER EXECUTIVO A PRERROGATIVA DE DISPOR, NORMATIVAMENTE, SOBRE MATÉRIA TRIBUTARIA - DELEGAÇÃO LEGISLATIVA EXTERNA - MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO - POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PRINCÍPIO DA RESERVA ABSOLUTA DE LEI EM SENTIDO FORMAL - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - CONVENIENCIA DA SUSPENSÃO DE EFICACIA DAS NORMAS LEGAIS IMPUGNADAS - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - A essência do direito tributário - respeitados os postulados fixados pela própria Constituição - reside na integral submissão do poder estatal a rule of law. A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada

245 MIGUEL, Luciano Garcia. Incidência do ICMS nas operações de importação. São Paulo: Noeses, 2013, pp.

85-93.

246 Processo nº GDOC-23752-70592/2007

aos postulados subordinantes do texto consubstanciado na Carta da Republica, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributária. [...] O legislador, em consequência, não pode deslocar para a esfera institucional de atuação do Poder Executivo - que constitui instância juridicamente inadequada - o exercício do poder de regulação estatal incidente sobre determinadas categorias temáticas - (a) a outorga de isenção fiscal, (b) a redução da base de cálculo tributária, (c) a concessão de crédito presumido e (d) a prorrogação dos prazos de recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente submetidas, em razão de sua própria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal. - Traduz situação configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae - tendo em vista o sistema constitucional de poderes limitados vigente no Brasil - só pode residir em atos estatais primários editados pelo Poder Legislativo247.

Na mesma senda do que já se alinhavou anteriormente os convênios ICMS não se tratam de veículos introdutores de normas que inauguram a ordem jurídica estadual, de forma automática, tratam-se de autorizações para que as unidades federadas, respeitado o processo legislativo, introduza (ou não) seu conteúdo na ordem jurídica interna.

O que nas palavras do ilustre Ministro Dias Toffoli melhor se amolda:

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. ICMS. Benefício fiscal.

Ausência de lei específica internalizando o convênio firmado pelo Confaz.

Jurisprudência desta Corte reconhecendo a imprescindibilidade de lei em sentido formal para dispor sobre a matéria. 1. As razões deduzidas pela agravante equivocam-se quanto às razões de decidir do juízo monocrático. Não ficara asequivocam-sentada naquela decisão a impossibilidade de o convênio autorizar a manutenção dos créditos escriturais. O que se reconhecera fora a impossibilidade de o benefício fiscal ser implementado à margem da participação do Poder Legislativo. 2. Os convênios são autorizações para que o Estado possa implementar um benefício fiscal. Efetivar o beneplácito no ordenamento interno é mera faculdade, e não obrigação. A participação do Poder Legislativo legitima e confirma a intenção do Estado, além de manter hígido o postulado da separação de poderes concebido pelo constituinte originário. 3. Agravo regimental não provido248.

Também o Superior Tribunal de Justiça por ocasião da análise do REsp. nº 556.287/RN exarou decisão em que

TRIBUTÁRIO - ISENÇÃO - INSTRUMENTO LEGISLATIVO PRÓPRIO - DECRETO DO GOVERNADOR DO ESTADO - ILEGALIDADE. 1. A isenção, de acordo com o art. 97 do CTN, obedece ao princípio da legalidade, não podendo ser concedido senão por lei em sentido material. 2. Nos termos da Lei Complementar 24/75 (expressamente mencionada no veto presidencial ao art. 27 da LC 87/96), somente por convênio, chancelado por decreto legislativo, é que se podem os Estados outorgar isenções. 3. Ilegalidade de isenção concedida por decreto do Governador do Estado. 4. Recurso especial improvido249.

Cumpre destacar que em controle concentrado, em análise da Medida Cautelar da ADI

247 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1296-MC. Tribunal Pleno. Rel.

Min. Celso de Mello. Julgado em 14.06.1995. DJ. de 10.08.1995.

248 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 630.705-AgR. Primeira Turma. Rel. Min. Dias Toffoli. Julgado em 11/12/2012. DJe. 13.02.2013. No mesmo sentido, verificar: RE nº 539.130. Segunda Turma. Rel. Min. Ellen Gracie. Julgado em 04/12/2009, DJe. 05.02.2010 e RE nº 501.877-AgR. Segunda Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julgado em 05/02/2013, Dje, 28.02.2013.

249 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 556.287/RN. Segunda Turma. Rel. Min. Eliana Calmon.

Julgado em 04.11.2004. DJ. 17.12.2004.

nº 1247 o Ministro Celso de Melo destaca que:

a outorga de qualquer subsidio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de calculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributaria só podem ser deferidas mediante lei especifica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias tematicas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa250.

Muito embora haja posicionamento na doutrina no sentido de se entender a natureza impositiva dos convênios justamente com a finalidade de diminuir a arbitrariedade dos entes políticos, em contranota, a maioria da doutrina encontra coro na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ao reconhecer a expressa necessidade de participação das casas legislativas dos Estados-membros e do Distrito Federal para a edição e alteração de incentivos fiscais.

Em recentes decisões, uma da lavra da Ministra Rosa Weber por ocasião do julgamento da ADI nº 3936 julgou parcialmente procedente ação que declarava inconstitucional Lei Estadual do Paraná que autorizava o Poder Executivo a conceder, de forma unilateral incentivos fiscais. No caso além de apontar violação do art. 155, § 2º, XII, “g”, também indicou afronta ao art. 150, § 6º da Constituição Federal251.

Outra importante e recente decisão é a proferida na ADI nº 5929, também pelo Supremo Tribunal Federal, contudo em outro contexto, já que não se analisa aqui eventual edição de norma ao arrepio do art. 155, § 2º, XII, “g”, mas sim a situação específica da Lei Orgânica do Distrito Federal que prevê que os convênios autorizativos somente produziriam efeitos após homologação pela Câmara Legislativa252.

250 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 1247-MC. Tribunal Pleno. Relator(a):. Min. CELSO Celso de Mello. Julgado em 17.08.1995. DJ. 08.09.1995.

251 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ICMS. GUERRA FISCAL. DISPOSITIVOS REVOGADOS. PREJUÍZO. ARTIGO 2º DA LEI 10.689/1993, DO ESTADO DO PARANÁ, QUE AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A ADOTAR MEDIDAS SIMILARES NA HIPÓTESE DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS POR OUTRO ESTADO DE FORMA IRREGULAR.

ARTIGOS 150, § 6º, E 155, § 2º, XII, g, DA CARTA POLÍTICA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A revogação superveniente de dispositivos legais impugnados acarreta a perda ulterior do objeto da ação direta, restando esta prejudicada quanto a esses. Precedentes: ADI 748-QO, Relator Ministro Celso de Mello; ADI 2.220, Relatora Ministra Cármen Lúcia. 2. O artigo 2º da Lei 10.689/1993 do Estado do Paraná, com vigência suspensa pela concessão da medida cautelar em 19 de setembro de 2007, padece de inconstitucionalidade porque autoriza o Executivo do aludido Estado-Membro a conceder, de forma unilateral, benefícios fiscais relativos ao ICMS, violando o princípio da legalidade específica das exonerações tribunais (art. 150, § 6º, da Constituição) e a exigência de deliberação prévia dos Estados e do Distrito Federal estabelecida no art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição. 3. Ação julgada prejudicada quanto aos incisos XXXII e XXXIII e aos §§ 36, 37 e 38 do Decreto 5.141/2001, incluídos pelo Decreto 986/2007, e, no mérito, parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei nº 10.689/1993, do Estado do Paraná. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 3936. Tribunal Pleno. Rel. Min. Rosa Weber. Julgado em 25.10.2019. DJe. 06.11.2019.

252 “Art. 135. O Distrito Federal fixará as alíquotas do imposto de que trata o artigo anterior para as operações internas, observado o seguinte:

§ 6º As deliberações tomadas nos termos do § 5º, VII, no tocante a convênios de natureza autorizativa, serão estabelecidos sob condições determinadas de limites de prazo e valor e somente produzirão efeito no Distrito Federal após sua homologação pela Câmara Legislativa.”.

O Ministro Relator, Edson Facchin, apresentou o voto a partir de dois fundamentos, quais sejam: i. a necessidade de observância do princípio da legalidade tributária para a concessão de incentivos fiscais de ICMS; e ii. respeito ao princípio da transparência fiscal.

Ao fazer uma interpretação de forma sistêmica da Constituição Federal, e reforçando o caráter eminentemente nacional do ICMS, estabelece a premissa de que os convênios de ICMS constituem ato normativo complexo e devem ser integrados pelos órgão dos Poderes Executivo e Legislativo, em a atuação deste se dá como meio de controle daquele. Cumpre transcrever breve trecho de seu voto:

Nessa perspectiva, convênios, isoladamente, não concedem isenção de ICMS, mas sim atuam como um pressuposto para que a concessão aconteça. A edição de incentivos fiscais de ICMS constitui, então, um ato normativo complexo, demandando a integração de órgãos dos Poderes Executivo e Legislativo.

Dessa forma, pode-se adotar a interpretação segundo a qual a concessão de benefícios de ICMS não dispensa lei específica. Alerta Lucas Bevilacqua, em obra dedicada ao tema, que “não são os convênios que dão força normativa às deliberações tomadas, sendo esses conteúdos meramente autorizativos e demandando, assim, um procedimento de internalização em cada um dos Estados, até mesmo como medida de controle do Poder Legislativo” (BEVILACQUA, Lucas. Incentivos fiscais de ICMS e desenvolvimento regional. São Paulo: Quartier Latin/IBDT, 2013, pp. 71-72)253.

A partir das decisões do STF fatalmente as relações sintáticas havidas entre as normas concessivas de incentivos fiscais, bem como o conteúdo semântico em torno dos Convênios de ICMS serão altamente influenciados para o fim de compor novos sentidos. Sob esse particular são oportunas as palavras de Maria Ângela Lopes Paulino:

Vimos de ver que os textos jurídicos vão ganhando sentido por meio da atuação e interpretação contínua dos aplicadores do direito, que detêm o poder de prescrever condutas. Como sistema autopoiético que é, o direito positivo transforma-se e amplia-se pelo fluxo progressivo de decisões proferidas pelas autoridades competentes, revelando-se em novas leis, novas sentenças, novos atos administrativos, novos contratos e várias outras espécies normativas254.

Para ficar no exemplo do Estado de São Paulo é que, após o julgamento da ADI em um projeto de Lei Estadual (PLC 529/2020), de iniciativa do governador, que visava a aprovação de um pacote de medidas visando ajuste fiscal das contas do estado, é que a Assembleia Legislativa aprovou a Lei nº 17.293/2020 que trouxe em seu art. 23:

Artigo 23 - A partir da publicação desta lei, os novos benefícios fiscais e financeiros-fiscais somente serão concedidos após manifestação do Poder Legislativo.

§ 1º - No prazo de 15 (quinze) dias contados da publicação, no Diário Oficial do Estado, de decreto do Poder Executivo ratificando os convênios aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ, a Assembleia Legislativa manifestar-se-á sobre a sua implementação no âmbito do Estado de São Paulo.

§ 2º - Havendo concordância do Poder Legislativo ou, em caso de ausência de

253 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 5929. Tribunal Pleno. Rel. Min. Edson Fachin. Julgado em 14.02.2020. DJe. 06.03.2020.

254 PADILHA, Maria Ângela Lopes Paulino; FAVACHO, Fernando Gomes. A pragmática no constructivismo lógico-semântico e sua importância pra o estudo do direito. In: CARVALHO, Paulo de Barros; CARVALHO, Aurora Tomazini. Constructivismo Lógico-Semântico. V. II. São Paulo: Noeses, 2018, p. 237.

manifestação no prazo assinalado no § 1º deste artigo, o Poder Executivo fica autorizado a implementar os convênios aprovados, desde que haja previsão da despesa na Lei Orçamentária Anual e sejam atendidos os requisitos da Lei Complementar federal nº 101, de 4 de maio de 2000.

Vê-se que o julgamento da ADI nº 5929 teve forte influência no processo de produção de normas o que conferiu grande poder argumentativo para introduzir emendas ao projeto de lei enviado pelo governador à Assembleia para introdução de mecanismo de participação do Poder Legislativo no processo de introdução de normas concessivas de incentivos fiscais.

No presente tópico objetivou-se identificar como se deu a evolução da comunicação jurídica em torno da natureza dos Convênios ICMS a fim de melhor depreender o que se entende por atos autorizativos ou impositivos e suas consequências para a estruturação da edição de incentivos fiscais no âmbito do ICMS.

No documento Incentivos Fiscais (páginas 102-109)