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Quórum deliberativo: unanimidade vs. maioria e a ADPF 198

No documento Incentivos Fiscais (páginas 95-102)

4.3 Perspectiva pragmática dos Convênios ICMS

4.3.2 Quórum deliberativo: unanimidade vs. maioria e a ADPF 198

O que se reforça nas lições de Luciano Garcia Miguel ao afirmar a constitucionalidade da exigência de votação unânime:

De fato, a despeito do ICMS (assim como o ICM) ser um imposto de índole nacional, que exige disciplina dessa ordem, a lei complementar procurou preservar os interesses individuais das unidades federadas na aprovação de benefícios fiscais relativos a esse imposto.

Permite, de um lado, que seja atendido interesse que não é do conjunto dessas pessoas políticas, uma vez que “os convênios podem dispor que a aplicação de qualquer de suas cláusulas seja limitada a uma ou a algumas unidades da Federação” (art. 3º). De outro lado, preserva o interesse das demais unidades federadas, ao exigir que a concessão de benefícios dependa sempre de decisão unânime dos Estados representados (art. 2º, § 2º)225.

Reforçando a ideia da necessária unanimidade, a posição de Ives Gandra da Silva Martins é no sentido de que o consenso obrigatório entre os Estados, decorreria da própria ordem constitucional, ao ponto até de asseverar tratar-se de cláusula pétrea nos termos do art.

60, § 4º da Constituição da República de 1988, constituindo uma garantia dos Estados a oporem-se diante de estímulos fiscais que lhes prejudiquem diretamente.

A meu ver, retirar o direito de – dentro das regras constitucionais de que os Estados não estão obrigados a suportar políticas destinadas a promover o reequilíbrio regional, cabendo esta atribuição exclusivamente à União – o Estado opor-se a incentivos fiscais de ICMS de outra unidade que lhe prejudiquem diretamente, é abolir o verdadeiro pacto federativo, mantendo-se uma Federação apenas formal, o que, manifestamente, não desejaram os constituintes, ao instituírem a regra da unanimidade em nível de Lei Suprema, hoje como conformação legislativa e jurisprudencial.

A unanimidade exigida para a concessão de incentivos, estímulos ou benefícios fiscais de todos os Estados e Distrito Federal é, a meu ver, cláusula pétrea constitucional, não podendo ser alterada nem por legislação inferior e nem por emenda constitucional, por força do §4º. inciso I, do artigo 60 da CF/88226.

Noutra toada, a análise desenvolvida pelo Professor Paulo de Barros Carvalho pondera que eventual justificativa da exigência de unanimidade projetada pela Constituição de 1967/1969 não é a mesma na qual deve ser analisada nos dias atuais, admitindo-se sua mitigação para casos específicos, justificadas por disparidades socioeconômicas dos entes federados, in verbis:

É preciso considerar, porém, que a Lei Complementar n. 24/75 foi produzida sob o manto da Carta de 1967, tendo por base contexto socioeconômico diverso daquele que se verifica hoje, no âmbito da vigência da Constituição de 1988. Se, àquela época, a aprovação por unanimidade era requisito indispensável para conferir ao ICM a uniformidade então constitucionalmente preconizada, hoje esse pressuposto não deve estar presente com tanta rigidez, sendo admissível mitigá-lo em situações peculiares, quando as disparidades socioeconômicas dos Estados e o objetivo de reduzi-las assim

225 COSTA, Alcides Jorge. O ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 130.

226 MIGUEL, Luciano Garcia. Incidência do ICMS nas operações de importação. São Paulo: Noeses, 2013, pp.

86-87.

justificarem227.

E é nesse ponto que o “voto da discordância”, nas palavras de Drummond228, vem sendo reclamado pela doutrina, que pode ser sintetizado no seguinte questionamento: A Constituição Federal, em seu art. 155, § 2º, XII, “g” ao utilizar o termo deliberação ao invés de convênio, o fez de forma a estabelecer um gênero, do qual o convênio seria uma espécie admitida, ou ao utilizá-lo especifica uma espécie autônoma, distinta dos convênios, sendo estas inadmissíveis dentro do sistema constitucional por reclamar unanimidade?

Sob ponto de vista de Regis Fernandes de Oliveira ao argumento de que a exigência da unanimidade na deliberação dos Estados, no que toca a concessão de incentivos fiscais, viola frontalmente a Constituição Federal na medida que não se coaduna com o Estado Democrático de Direito em decorrência do princípio da supremacia da vontade da maioria. Destaca-se em seu posicionamento:

A regra da unanimidade é incompatível com o Estado federativo que pressupõe, até mesmo por decorrência histórica a desigualdade de seus integrantes. Daí se conclui a absoluta inconstitucionalidade do parágrafo 2º do art. 2º da lei complementar n.

24/75.

Ademais os critérios são soberbos e revelam não a discrição do legislador, mas sua arbitrariedade. Recolhe a unanimidade para a concessão de benefícios, mas maioria de quatro quintos para revogação229. (Destaque no original)

Apontando para a inconstitucionalidade da regra da unanimidade na edição de convênios, Fernando Facury Scaff, de forma bastante contundente atribui à disposição do art.

2º, § 2º da Lei Complementar nº 24/1975 e sua recepção pela Constituição o que ele denomina de “contrabando normativo autoritário”, veja-se em seu contexto original:

Mantendo viva uma legislação do período autoritário, a Lei Complementar 24/75 (artigo 34, parágrafo 8º, ADCT), foi colocado nas mãos de um órgão fazendário, o CONFAZ, a harmonização do sistema (“regular provisoriamente a matéria”) — porém esse órgão não entendeu muito bem o que quer dizer “harmonização do sistema” e acabou por se tornar um legislador positivo, muitas vezes criando incidências — o que é inconstitucional —, em especial nos primórdios de sua atuação pós-88.

4. Ainda decorrente desse processo de aproveitamento da legislação do período anterior, incorporou-se à legislação democrática que deveria advir com a Constituição de 1988 um contrabando normativo autoritário da Lei Complementar 24/75, que previa a unanimidade das deliberações do Confaz referente às renúncias fiscais230.

227 CARVALHO, Paulo de Barros. A concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito de ICMS. In: CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 58.

228 ANDRADE, Carlos Drummond. O avesso das coisas: aforismos. Rio de Janeiro: Editora Record, 1990, p.

151.

229 OLIVEIRA, Regis Fernandes. Exigência da unanimidade na concessão de estímulos fiscais e a constitucionalidade de LC n 24/75. In: COSTA, Alcides Jorge et al.. Sistema Tributário Nacional e a Estabilidade da Federação Brasileira. São Paulo: Noeses, 2012, p. 849.

230 SCAFF, Fernando Facury. A inconstitucional unanimidade do Confaz e o surpreendente Convênio 70.

Conjur, 2014. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-ago-12/contas-vista-inconstitucional-unanimidade-confaz-convenio-70. Acesso em: 15 jul. 2020.

De um e de outro lado socorrem sólidos argumentos que se colocam, essencialmente, em contraposição a ideia da proteção do pacto federativo e ante a realização do princípio republicano, este aparente conflito reclama uma definitividade, emanada do próprio sistema positivo a fim de se conferir estabilidade às expectativas normativas. A proposta de Paulo de Barros Carvalho aponta para uma redução no quorum de deliberação:

Sendo facultado aos Estados e Distrito Federal conceder isenções, incentivos ou benefícios de ICMS autorizados em convênios pelo CONFAZ, mostra-se inócua a exigência de unanimidade para sua aprovação sempre que estiver em pauta o estímulo ao desenvolvimento de unidades federativas que, comprovadamente, se encontrem em situação econômico-produtiva precária. Tal regime tem gerado obstáculos, em face dos interesses dissonantes e, muitas vezes, contrapostos, dos entes federados. Solução razoável seria reduzir, para esses casos específicos, o quórum de aprovação para dois terços, cumprindo, desse modo, sua função de tornar factível o estímulo para desenvolvimento de Estados menos favorecidos, com consequente redução das desigualdades regionais, como desejado pela Constituição de 1988231.

Em observação de segunda ordem produzida no âmbito da dogmática jurídica, enquanto operação interna ao sistema de direito positivo, por certo, provoca, por meio de irritações recíprocas entre o sistema do direito e o sistema político ao ponto de suas estruturas promoverem operações necessárias, por meio de seus programas e códigos específicos, a fim de que se realizem operações com a finalidade de garantir para cada um dos sistemas o exercício de funções diferenciadas.

A exemplo disso, tramitaram no âmbito do Congresso Nacional, dois projetos de lei complementar, o primeiro em 2006 sob nº 240232 em cuja justificativa destaca-se que “ao condicionar a concessão de um benefício à concordância unânime dos Estados da Federação, na prática, inviabiliza-a”. E, em outra passagem, considera o Senador Flexa Ribeiro, autor do projeto, que tal dispositivo “foi além dos limites constitucionais, ferindo de morte a autonomia federativa”. O segundo, o Projeto de Lei do Senado nº 85, de 2010 (Complementar)233, sob a relatoria do Senador Marconi Perilo, tem em sua justificativa o seguinte:

No contexto do federalismo cooperativo apregoado pela Constituição de 1988, a regra da unanimidade estabelecida pela Lei Complementar nº 24, de 1975, não tem mais razão de ser, pois inviabiliza a promoção dos mais básicos princípios democráticos,

231 CARVALHO, Paulo de Barros. A concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito de ICMS. In: CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 58.

232 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei do Senado nº 240, de 2006. Altera a Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, para que isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) sejam concedidos por maioria qualificada. Disponível em:

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/78731. Acesso em: 14 mar. 2020.

233 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei do Senado nº 85, de 2010. Altera a Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, para que isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) sejam concedidos por maioria qualificada. Disponível em:

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/96273. Acesso em: 14 mar. 2020.

ao favorecer a ditadura da minoria sobre a maioria. Afinal, basta um único Estado discordar para que não sejam concedidas desonerações fiscais que, muitas vezes, têm como objetivo principal induzir agentes econômicos a realizarem ações necessárias ao atendimento do interesse público.

No primeiro a proposta inicial para o quórum deliberativo atribuía-se uma maioria qualificada de quatro quintos, posteriormente reduzido, em emenda, para três quintos e com a inclusão de um inciso no qual condicionava-se a aprovação dos incentivos, além da votação qualificada, votação em maioria simples dos representantes de cada região. No segundo projeto, a redação sobre a autorização para deliberação sobre estímulos fiscais, se daria por meio de decisão da maioria absoluta dos Estados e do Distrito Federal. Ambos os projetos de lei foram arquivados, permanecendo, portanto, a redação original da Lei Complementar nº 24/1975.

É patente que a “monotonia da unanimidade” vem reclamando “votos de discordância” não só na dogmática jurídica e no sistema político, como também nos tribunais, questionamento que foi levado ao Supremo Tribunal Federal em 13/11/2009 por ocasião da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF nº 198. Nela o governador do Distrito Federal propugna o reconhecimento da inconstitucionalidade da regra que estabelece com quórum de deliberação para edição de Convênio ICMS a composição e votação por todos os membros que compõe o CONFAZ, de forma que a exigência de unanimidade feriria a autonomia dos Estados Federados em ofensa aos princípios federativo e democrático, não tendo sido recepcionada pela nova ordem constitucional.

A ação, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, foi julgada improcedente por voto inaugurado pela relatora, seguida pelos votos dos Ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso e Dias Toffoli, ficando vencidos os Ministros Edson Fachin, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, acórdão assim ementado:

Ementa: Arguição de Descumprimento De Preceito Fundamental. § 2º do art. 2º e art.

4º da Lei Complementar N. 24/75. Normas anteriores à constituição de 1988.

Cabimento da ADPF. ICMS. Exigência de unanimidade entre os entes federados representados no CONFAZ para a celebração de convênio concessivo de benefício fiscal. Ratificação posterior do acordo por decreto local. Efetividade do disposto na al. g do inc. XII do § 2º do art. 155 da Constituição de 1988. Recepção das normas impugnadas pelo ordenamento constitucional vigente. Precedentes. Ausência de afronta ao princípio federativo e democrático. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada improcedente234.

Destaca a Ministra Relatora, em seu voto, a feição do ICMS como tributo nacional o que obtempera a limitação do exercício da competência e autonomia dos Estados Federados ao exercê-la com a finalidade de editar veículos introdutores de normas concessivas de incentivos fiscais e pontua que a Constituição Federal teve por escopo instituir mecanismos para impedir

234 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 198. Tribunal Pleno. Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgado em 18.08.2020. DJe. de 05.10.2020.

ou diminuir a relação conflituosa entre eles, equilibrando com isso o pacto federativo.

Estabelece que a relação sintática havida entre a Lei Complementar nº 24/1975 e a Constituição Federal (Art. 155, § 2º, XII, “g”) permanece válida tendo sido a primeira recepcionada pela ordem constitucional como importante dispositivo para atuar no controle de concessão de incentivos fiscais inconstitucionais, o que é fortemente rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal.

Além de identificar o princípio federativo como “base da cooperação das unidades regionais”, traz ainda, por força do art. 152 da Constituição Federal que os entes políticos não podem, entre si, estabelecer tratamento tributário a ponto de criar discriminações em decorrência da origem das mercadorias e serviços. Nesse ponto, são suas palavras:

Daí a impossibilidade da instituição de incentivos, isenções e benefícios fiscais de imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços sem a obediência do mecanismo posto como para se assegurar a unidade federativa, fora do qual se instaura a disputa predatória por recursos entre entes de idêntica dignidade constitucional235.

Sob o princípio democrático, argumenta que a exigência da alínea g, do inciso XII, do

§ 2º do art. 155 funciona para o ICMS como “primado do equilíbrio da unidade federativa” o que impossibilita a dissidência de qualquer dos entes federados e conclui que tal sistemática

“seria incompatível com critérios majoritários ou juízos de proporcionalidade”, de forma que não há que se falar em consenso sem a concordância de todos os Estados.

Acompanhando o voto da relatora, o Ministro Alexandre de Moraes acrescenta, em suscinto voto, que a atividade legiferante reflita a vontade de todos que compõe o pacto federativo para o equilíbrio da federação, o que já estava sendo altamente impactado pela concessão unilateral de incentivos à margem de deliberações do CONFAZ:

Na hipótese analisada, como bem destacado pela eminente relatora, o § 2º do art. 2º e o art. 4º da Lei Complementar 24/1975 nada mais fazem do que fortalecer o modelo de pacto federativo adotado pela Constituição Federal, que preceitua o necessário consenso de todos os Estados membros quando em discussão a concessão de benefício fiscal de ICMS, de modo a evitar a indesejável guerra fiscal236.

Chama-se atenção aqui para um possível efeito pragmático da inobservância das regras constitucionais para conformação da interpretação da exigência ou não de unanimidade para deliberação pelos Estados. No voto do Ministro Alexandre de Moraes fica mais patente a noção de que o estado de beligerância já existente entre os Estados, que de certa forma, implicam em inobservar uma maioria, no que toca ao tema de incentivos fiscais, teve peso relativo na identificação de um critério uniforme para deliberação na qual se exige unanimidade.

235 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 198. Tribunal Pleno. Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgado em 18.08.2020. DJe. de 05.10.2020.

236 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 198. Tribunal Pleno. Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgado em 18.08.2020. DJe. de 05.10.2020.

Ao julgar improcedente a ADPF, o Ministro Roberto Barroso, tece duas considerações importantes, a uma, a possibilidade de uma das unidades federadas, arbitrariamente, exercer a dissidência com flagrante poder de veto o que poderia, ao menos em tese, deflagrar a violação dos princípios democrático, da isonomia e mesmo do pacto federativo; a dois que o atual cenário de “guerra fiscal”, com a concessão unilateral de incentivos fiscais, poderia ter sido provocado pela exigência da unanimidade. No entanto, acompanha o voto da relatora para julgar improcedente a ação por entender que o critério de unanimidade deve ser objeto de deliberação pelo Congresso Nacional, o que melhor atenderia aos princípios constitucionais.

O julgamento da ADPF nº 198 fixa um precedente bastante impactante no que toca ao quórum deliberativo pelo CONFAZ, em especial no que se pode abstrair dos votos dos Ministros Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. Faz-se parecer que o art. 155, § 2º, XII, “g”

da Constituição Federal teve uma interpretação conformada para que o quórum deliberativo, quando se tratar de matérias de incentivos fiscais, deveria se dar de forma unânime, por todo o contexto informado pelo princípio federativo e voltado para a mitigação dos efeitos do que se denomina “guerra fiscal”.

Uma análise sob o viés pragmático poderia dar a falsa impressão da existência de um paradoxo em que a unanimidade provoca a concessão de incentivos unilaterais ou a concessão de incentivos unilaterais é que reclama a unanimidade. Mas nesse caso haveria uma confusão entre aspectos alheios ao sistema jurídico, de forma que a utilização de elementos oriundos do sistemas social, político e do sistema econômico não podem, por si só, atuarem como elemento de composição do sistema jurídico. Nesse aspecto é importante a análise da Professora Fabiana Del Padre Tomé, ao trabalhar a interdiciplinariedade para o conhecimento científico e correlacionar que o sistema jurídico é sensível a elementos externos, mas essa abertura cognitiva somente se dá, quando o próprio direito estabelece formas para a internalização de comunicações externas:

A concepção da autonomia do sistema jurídico não exclui a existência de interdependências entre este e os outros subsistemas sociais. O que se pretende salientar, com tal assertiva, é a necessidade de que os elementos dos sistemas extrajurídicos sejam por ele interpretadas e inseridas no ordenamento, mediante o filtro por ele estabelecido. Assim, as normas econômicas, políticas, éticas etc., só adquirem validade jurídica após sua seleção pelo código interno do próprio sistema jurídico237.

Tem-se para o presente estudo que a unanimidade é regra jurídica válida, com o escopo de promover a generalização congruente – nos sentidos temporal, social e material-, das

237 TOMÉ, Fabiana Del Padre. O objeto do conhecimento científico e o paradoxo da interdisciplinaridade. In:

CARVALHO, Paulo de Barros; CARVALHO, Aurora Tomazini de. Constructivismo lógico-semântico. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 102.

expectativas normativas contrafáticas, na dinâmica do ICMS.

Antes do julgamento, e partindo de uma análise sob uma perspectiva de validade das normas enquanto existência, poderia se dizer que com a recepção da Lei Complementar nº 24/1975 as disposições sobre unanimidade estariam dentro de um gênero, o qual a Constituição, por uma abertura semântica do termo “deliberações”, poderia admitir. É o que se extrai do voto do Ministro Roberto Barroso que atribui ao termo deliberações, constante do dispositivo constitucional (art. 155, § 2º, XII, “g”) uma acepção aberta cuja atribuição de sentido deva se dar por meio de política fiscal, por atribuição do Poder Legislativo e não do Judiciário.

Muito embora não tenha sido este ponto objeto do dispositivo da ação, o que pode refletir, por exemplo, na validade das disposições da Lei Complementar nº 160/2017 ao permitir que as deliberações se dessem por maioria, o que se propõe a análise em tópico abaixo.

No documento Incentivos Fiscais (páginas 95-102)