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A RELAÇÃO ENTRE FORMALISMO JURÍDICO E DOGMÁTICA PROCESSUAL

3 FORMALISMO-VALORATIVO COMO MODELAGEM DA EXPERIÊNCIA JURÍDICO-PROCESSUAL

3.3 A RELAÇÃO ENTRE FORMALISMO JURÍDICO E DOGMÁTICA PROCESSUAL

A questão atinente aos modelos de tomada de decisão exige o equacionamento dos “efeitos cumulativos”,127 atinentes à referência empírica das condições de superabilidade do entrincheiramento formal do processo, condições estas que implicam uma modelagem institucional concernente ao contexto de decisão judicial (caracterizado por limitações epistêmicas e limites de tempo e de recursos para obtenção de informações relevantes a respeito dos casos). O entrincheiramento formal do processo corresponde à autonomia dos valores formais em relação aos valores materiais: a relação entre decisão hipotética e conflito hipotético reporta-se ao benefício valorativo da vinculação da conduta judicial futura ao seguimento das normas que tornam entrincheirado o procedimento de tomada de decisão concernente à tutela jurisdicional. É assente, no contexto de decisão judicial, a

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Adrian Vermeule insere o seguimento às convenções interpretativas como premissa ao argumento institucional de defesa empírica do formalismo judicial (como postura interpretativa). Para esta defesa, Vermeule assinala que a questão-chave é “quais modelos de tomada de decisão devem certas instituições específicas, com suas capacidades peculiares, utilizar para interpretar determinados textos legais?”. Aduz o autor que, por razões empíricas e institucionais, uma série de teorias do valor convergem (ou podem convergir) no nível operacional, oferecendo respostas similares sobre os procedimentos de tomada de decisão que os juízes devem usar (circunstância que não implica afirmar que as teorias do valor não são importantes; implica ressaltar a importância da referência empírica: capacidades institucionais e “efeitos cumulativos”). VERMEULE, Adrian.

Judging under uncertainty. Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 1.

127 No contexto de entrincheiramento formal do processo, os juízes “devem pensar” em termos de efeitos

cumulativos, atinentes aos efeitos institucionais decorrentes da atuação que supere as normas de entrincheiramento sem a adoção de critérios que possibilitem o controle racional das decisões, em comparação com a atuação que supere as normas de entrincheiramento apenas à luz de critérios de superabilidade. Segundo Alan Goldman, as regras somente operam como genuinamente entrincheiradas a partir da existência de uma meta-regra (não-escrita) pressuposta, que diz respeito ao requerimento, para os juízes, de deferência às normas jurídicas mesmo nas hipóteses em que a moralidade pessoal do julgador confronte aquilo que tais normas determinam em certos casos. GOLDMAN, Alan. Practical rules. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 147.

impossibilidade da obtenção de resultados ótimos no que diz respeito à coordenação social; a partir disso, o “valor agregado” do seguimento das regras processuais não depende de alguma classe de prioridade entre valores formais e materiais, nem da prioridade de determinadas condições instrumentais para a consecução de “finalidades mais elevadas”, mas sim da impossibilidade de se encontrar mecanismos de controle que proporcionem resultados ótimos como solução dos problemas de coordenação social128 no âmbito da experiência processual como prática institucional específica.

Essa problemática pode ser vista a partir do antagonismo entre formalismo e consequencialismo - como diretriz de busca das melhores consequências da decisão - no que diz respeito à tomada de decisões judiciais. A partir disso, a defesa do modelo do formalismo- valorativo, nos termos aqui expostos, passa por sua consideração como uma espécie de consequencialismo de segunda ordem,129 à luz da imprescindibilidade, diante de problemas decisórios recorrentes e complexos, de decisões de segunda ordem130 (anteriores ao momento de tomada de uma decisão específica), para fins de redução do ônus de escolha decisória, bem como redução das possibilidades de erros. Nesse sentido é que a tomada de decisões judiciais baseada no entrincheiramento formal do processo pode ser vista, conforme Schauer,131 como

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Mecanismos que intentar obstaculizar os efeitos cumulativos das ações individuais que se mostram racionalmente justificadas, efeitos estes produzidos quando as decisões, racionais e prudentes sob o ponto de vista individual, tornam-se “não-prudentes” sob o ponto de vista coletivo, ou quando decisões, moralmente corretas sob o ponto de vista individual, dão ensejo, cumulativamente, a resultados “não-ótimos” ou não- aceitáveis sob o ponto de vista social e generalizado. Os resultados subótimos de coordenação social vinculam-se à assimetria da autoridade (o que é racional para os que desenham as instituições e emitem as regras pode não ser racional para os que são os destinatários de tais regras): “levando em consideração o fenômeno da assimetria da autoridade, o responsável pelo desenho institucional deve colocar mecanismos capazes de aumentar as razões prudenciais para que os juízes levem as regras a sério”. STRUCHINER, Noel. Posturas interpretativas e modelagem institucional: a dignidade (contingente) do formalismo jurídico. In: SARMENTO, Daniel (Coord.).

Filosofia e teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 477.

129 O formalismo pode ser visto como a postura ético-normativa que privilegia o respeito aos direitos subjetivos

sobre as considerações de consequências sociais; sob tal paralelo é que se coloca o respeito ao entrincheiramento formal do processo como uma estratégia de segunda ordem consequencialista, à luz do “valor agregado” (“efeitos cumulativos”) do seguimento às regras processuais. Nesse sentido, Martin Farrell assinala que “el legislador (al menos el legislador ideal) tiene siempre en cuenta a las consecuencias cuando sanciona una ley que consagra ciertos derechos. Si la ley se considera como una regla, hay buenas razones consecuencialistas para que el juez la obedezca, puesto que es probable que de la obediencia estricta del juez a la ley se sigan, precisamente, las mejores consecuencias. De donde el deontologismo de la ética judicial serviría en definitiva al consecuencialismo más general que se encuentra ínsito en el propósito del legislador. El juez debería seguir comportándose como un deontologista, pero ahora lo haría por motivos consecuencialistas”. FARRELL, Martin. La ética de la función judicial. In: MALEM, Jorge (Org.). La función judicial. Barcelona: Gedisa, 2003. p. 162.

130 Decisões de segunda ordem são aquelas centradas na fixação de estratégias capazes de reduzir os problemas

vinculados a decisões de casos específicos (de primeira ordem, portanto). As decisões de segunda ordem caracterizam-se por seu caráter contingente e contextual (levam em consideração o contexto em que as decisões de primeira ordem são ou serão emitidas). Sobre o tema, SUNSTEIN, Cass; ULMANN-MARGALIT, Edna.

Second-order decisions. Chicago working papers in law and economics, Chicago, v. 57, 2004.

131 Schauer aduz que quando se desenham instituições reais de tomada de decisões para juízes reais, o

procedimento ótimo de decisão para uma soma delas às vezes é aquele que renuncia à busca do ótimo no caso individual. Segundo o autor, as instituições de tomadas de decisões desenhadas para que se decida melhor em

uma aplicação da teoria do “segundo melhor”, particularidade que agrega um elemento institucional ao modelo do formalismo-valorativo.132

Esse elemento desdobra-se nas “capacidades” institucionais dos tomadores de decisão e nos efeitos dinâmicos relacionados à adoção de uma determinada decisão de segunda ordem em um dado cenário. A decisão de segunda ordem intenta equacionar, fundamentalmente: (a) os custos de decisão, que são aqueles custos (não estritamente econômicos) envolvidos para se tomar uma decisão e se obter determinado resultado, que exigem investimento de recursos (lato sensu) no processo de tomada de decisão; e (b) os custos de erro, aqueles que envolvem a quantidade e a magnitude dos erros que possam advir de uma decisão. A perquirição, no processo judicial, por mais dados e informações capazes de criar novas combinações e novos resultados envolve custos crescentes de oportunidade, de tal modo que, a partir de certo ponto, o prosseguimento em tal intento torna-se inclusive irracional à luz da exigência da alocação dos custos para outras atividades e processos decisórios. Por isso uma estratégia de segunda ordem (que dá ensejo à determinada postura interpretativa) tem como referência empírica os “efeitos sistêmicos” ou “cumulativos” relacionados ao aumento (ou diminuição) dos custos decisórios, no sentido especificado. Nesses moldes, uma estratégia maximalista (ou perfeccionista) de segunda ordem caracteriza-se como a busca da maximização cumulativa que implica resultados (no caso concreto) inferiores (subótimos) à estratégia maximalista de primeira ordem, que visa, de seu turno, à maximização do resultado no caso concreto em particular.133 Pode-se concluir que, a partir da consideração dos custos, de decisão e de erro, e

cada caso particular podem gerar maior incidência de erros (à luz da assimetria acerca de informações ou incapacidades cognitivas) em relação a procedimentos de decisões com ambições mais modestas. SCHAUER, 2004, p. 215. Por isso é que a escolha de modelos de decisão “deve passar necessariamente por uma investigação empírica das capacidades institucionais daqueles que criam e aplicam regras, pelo reconhecimento de que aqueles órgãos responsáveis por tomar decisões trabalham, no mundo real, dentro de um cenário de racionalidade circunscrita. Uma teoria preservadora de regras é, mais do que qualquer outra coisa, uma teoria acerca da ‘confiabilidade comparada’”. STRUCHINER, 2009, p. 479. A “confiabilidade comparada” pode ser vista em termos de (in)existência de razões empíricas suficientes para confiar aos juízes o poder de transitar livremente entre a perspectiva de quem decide dentro de instituições e a perspectiva de quem decide como desenhar as instituições.

132 “Cuando consideramos a las tareas de los jueces como productoras de soluciones a conflitos hemos aceptado

que la instancia legal constituye una justificación suficiente, tenemos que admitir que este hecho deriva de un acuerdo que busca minimizar los costos de tales soluciones mediante la aceptación del valor decisional de los procedimientos legales”. BARRAGÁN, Julia. Decisiones judiciales y desempeño institucional. In: MALEM, Jorge (Org.). La función judicial. Barcelona: Gedisa, 2003. p. 193.

133 Além da estratégia maximalista de primeira ordem, há a estratégia interpretativa de “otimização” e a de

“satisfação”. Para a estratégia de otimização, a resposta mais adequada para um problema envolve necessariamente a confrontação entre os custos de decisão e os custos de erro decisório envolvidos na busca por solução. Para a estratégia de satisfação, a orientação devida não visa à melhor resposta (ainda que esteja considerada nos limites das restrições empíricas e institucionais), visando à seleção da interpretação reputada como boa o suficiente, à luz de determinado critério. Nesse sentido, o formalismo-valorativo pode ser visto como modelo de caráter “satisfatório” para fundar decisões a partir de decisões prévias (de segunda ordem): o entrincheiramento formal leva em consideração a identificação dos elementos presentes nos predicados fáticos

das capacidades institucionais de aquisição, assimilação e processamento de informações por parte de quem decide no contexto do processo judicial, revela-se preferível uma decisão de segunda ordem que vai de encontro à tomada de decisões sempre exigentes de condições de detalhamento de circunstâncias em todos os casos (decisões perfeccionistas de primeira ordem, portanto). Isso porque a tentativa de antecipação das consequências atreladas à adoção de uma estratégia de decisão específica, como modo de fixar o ônus de decisão, é uma forma de reduzir, no tempo, possíveis erros e custos envolvidos no processo decisório como contexto institucional caracterizado por informações limitadas ou incompletas (contexto em que nem sempre as melhores consequências, pois, são alcançadas por meio da adoção de estratégia consequencialista de primeira ordem).

Nesse contexto, a contraposição entre formalismo judicial e consequencialismo decisório envolve a consideração (a) dos custos vinculados à possibilidade de erro na busca por decisões que intentam promover sempre as melhores consequências; (b) dos custos associados à busca pela quantidade de informações necessárias para que o juiz possa tomar aquelas decisões; (c) da oportunidade de investir tempo e recursos escassos na busca permanente por melhores resultados, ainda que a probabilidade de erro mostre-se elevada; e (d) da definição de estratégias (de segunda ordem) a respeito de posturas de decisão (de primeira ordem) que sejam caso a caso as mais adequadas (d.1) para reduzir os problemas relacionados a um modelo decisório consequencialista e (d.2) para lidar adequadamente com as capacidades institucionais referentes ao contexto em que as decisões são tomadas.134 Nessa

das normas processuais, dispensando, prima facie, o conhecimento de algum conjunto de elementos que contenham todas as circunstâncias relevantes (ou mesmo um conjunto ótimo), com consideração dos custos (de decisão e de erro) envolvidos. A otimização e a satisfação, como estratégias de segunda ordem não- maximalistas, diferem em suas pressupostas “regras de parada”, regras que determinam quando novas informações tornam-se irrelevantes para a tomada de decisão: a otimização exige a “parada” quando o benefício marginal de encontrar uma opção melhor, considerada a probabilidade de encontrar tal opção, é igual ou menor ao custo adicional de continuidade da busca (importa saber, portanto, se a continuidade da busca por melhor solução em relação àquela disponível compensa os custos envolvidos, verbi gratia, na produção de outra prova ou no aumento do tempo para a decisão); a satisfação, de seu turno, exige a “parada” no momento em que é encontrada uma opção boa o suficiente, à luz de determinado critério, quando, então, não se investe mais tempo e recurso.

134 Cass Sunstein alude que a referência empírica do formalismo judicial diz respeito ao enfrentamento,

basicamente, de três problemas: (a) se o formalismo judicial pode ou não produzir mais erros e injustiças; (b) se o Poder Legislativo vai antecipar possíveis erros ou injustiças, e se ele as corrigirá, a um custo relativamente baixo, antes de ocorrerem; e (c) se a ausência de formalismo judicial aumentará o custo de decisão para os tribunais, partes e os jurisdicionados em geral, aumentando, por conseguinte, os custos sociais associados à imprevisibilidade decisória. Nesse sentido, conforme Sunstein, o formalismo judicial envolve três questões fundamentais: (i) quanta imprecisão adicional seria introduzida a partir da perspectiva não-formalista?; (ii) que tipo de incentivos ex ante são criados pelas perspectivas formalista e não-formalista e como o Poder competente para ditar leis responderia a tais incentivos? O formalismo judicial teria repercussão quanto à legislação, no sentido de torná-la, verbi gratia, mais clara?; (iii) quanta incerteza adicional seria introduzida por uma perspectiva não-formalista, considerando que incerteza inclui necessidade de litigância e dificuldade de planejamento? Qual seria o custo (de decisão e de erro) desta incerteza? SUNSTEIN, Cassa. Must formalism be

ordem de ideias, cumpre referir que a exigência de racionalidade na justificação das decisões judiciais vincula-se à circunstância de que a perquirição, para além de determinado limite, por dados e informações, em um contexto institucional de racionalidade limitada, não é sempre justificável em todos os casos, do ponto de vista racional. A diretriz de que os juízes devam sempre adotar as consequências como critério decisório não é independente, portanto, das conseqüências da adoção desta diretriz pelos órgãos judiciais. O formalismo-valorativo, na inserção teórica aqui delineada, visa a dar conta, de forma não-maximalista, da questão atinente aos efeitos cumulativos e das capacidades institucionais dos órgãos de aplicação, justificando-se no sentido de que sua adoção (como um consequencialismo de segunda ordem) promove melhores consequências,135 tendo como critério os benefícios valorativos à promoção dos ideais do Estado de Direito.

A inserção do formalismo-valorativo nesse quadro de análise permite, pois, sua associação à função social da processualística na atividade de “domesticação” dos juízos acerca das relações de determinação entre decisões possíveis e consequências, à luz da função da dogmática, ressaltada por Luhmann, de incremento do grau de flexibilidade (no sentido de “distanciamento” do problema real proporcionado pela abstração conceitual) no “trato com experiências e textos”, “permitindo distanciamento também e precisamente ali onde a sociedade espera vinculação”.136

defended empirically?. Chicago: University Chicago Law review, 1999. p. 641. Adrian Vermeule, por seu turno,

alude, a respeito da referência empírica do formalismo judicial, ao efeito das regras de interpretação judicial no comportamento legislativo e administrativo, na possibilidade de ausência de coordenação entre diferentes juízes e nos custos associados a essa coordenação, bem como no efeito de práticas judiciais no cumprimento das normas pelos cidadãos e instâncias administrativas, além do comportamento de outros tribunais. Assim, o formalismo judicial, quanto à articulação entre decisões de segunda e de primeira ordem, pode ser perspectivado de acordo com a forma como os custos totais (de decisão e de erro) distribuem-se entre o ex ante da decisão de segunda ordem e o ex post da decisão de primeira ordem. Destarte, o formalismo pode representar (como estratégia contraposta a um “perfeccionismo de primeira ordem”), por exemplo, uma estratégia do tipo “alto- baixo”, ou seja, que requer um esforço inicial significativo para viabilizar, no estágio seguinte, um custo de decisão relativamente pequeno (em termos ilustrativos: alto custo de elaboração de uma regra e baixo custo de implementação da regra). VERMEULE, 2006, p. 74.

135 Cumpre consignar, no ponto: o raciocínio prático baseado em consequências exige um critério valorativo

(ordenador) para avaliar as opções disponíveis da ação de acordo com as situações que produzem; é dizer: um critério valorativo como padrão de avaliação das consequências. Importa frisar que os órgãos judiciais operam com informação limitada e sob incerteza a respeito dos efeitos de suas decisões; além disso, a capacidade de tais órgãos de processar a informação necessária à qualidade das decisões é prejudicada pelo contexto de racionalidade circunscrita à própria abordagem caso a caso que é própria à jurisdição, bem assim pelos limites temporais para a tomada de decisão.

136 LUHMANN, Niklas. Sistema giuridico e dogmática giuridica. Il Mulino: Bologna, 1978. p. 18. Sobre o

ponto, Humberto Ávila assinala que “a tarefa da dogmática jurídica consiste em substituir a determinação e a certeza pela determinabilidade e plausibilidade, sob pena de os princípios jurídicos nunca serem aplicados ou terem um caráter meramente ilustrativo”. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 574.

A “domesticação” de juízos corresponde à “tecnicização”, ínsita à dogmática, que, por sua vez, coloca-se em termos de condicionalização, no sentido de (a) especificação das correlações entre casos hipotéticos e decisões hipotéticas e (b) especificação de critérios de superabilidade de tais correlações. Essa condicionalização traduz-se como oferecimento de critérios operacionalizáveis de decisão.137 Significa dizer: a condicionalização dogmática vincula a decisão a normas cuja implementação dependa, substancialmente, do recurso a fatos passados para a enunciação de prognósticos acerca de eventos futuros, condicionando a atividade de aplicação de tais normas nos casos concretos. Nesse contexto, as consequências das decisões judiciais devem ser tomadas como critérios decisórios na medida do delineamento, pela dogmática processual, das condições de superabilidade das normas de entrincheiramento formal, entrincheiramento cuja (in)flexibilidade determina a medida do formalismo judicial. Assim, a função social da processualística vincula-se à condicionalização da correlação entre antecedentes e consequentes das normas processuais, que diz respeito, a rigor, à própria reconstrução sistemática do direito processual levada a efeito pela dogmática.138 Nesse contexto, por exemplo, se a superabilidade das normas de entrincheiramento formal redunda em prejuízo valorativo à segurança jurídica,139 incumbe à processualística (como instância de controle racional) manter um grau de “incerteza socialmente suportável”.140 É a dogmática, nesse sentido, que permite a controlabilidade das decisões.

137 É dizer: como preparação das premissas normativas para as inferências que sustentam as decisões.

138 Jorge Rodríguez destaca que a finalidade da reconstrução sistemática aponta a determinar as consequências

que se seguem de certas normas com respeito a determinado problema jurídico teórico ou prático, ou seja, busca- se reconstruir as soluções que se derivam do direito vigente a respeito de um caso hipotético ou real (essa reconstrução sistemática corresponde ao tipo de operação levada a cabo pela dogmática). RODRÍGUEZ, Jorge. En torno a las condiciones de verdad de los enunciados jurídicos, prefácio. In: SUCAR, Germán. Concepciones

del derecho y de la verdad jurídica. Madrid: Marcial Pons, 2008. p. 23.

139 “A estruturação racional de ponderações jurídicas serve ao detalhamento necessário dos problemas jurídicos,

sem que a própria segurança jurídica seja afetada. Mas ela deve ser complementada abstratamente por um modo de apreciação orientado para a aplicação, referido à práxis jurídica, segundo o qual podemos obter, além da explicação e do ordenamento da matéria jurídica, também nexos de fundamentação conteudística para a tomada de decisões corretas”. ÁVILA, 2005, p. 575. Assim, segundo o autor, consubstancia “uma tarefa da dogmática jurídica encontrar conexões de fundamentação. Mas a resposta à pergunta a respeito de quais normas jurídicas devem participar de uma conexão de fundamentação depende da natureza das relações existentes entre os seguintes elementos que produzem efeitos recíprocos, uns sobre os outros: o efeito das normas analisadas; os