• Nenhum resultado encontrado

Parte II – Função social da processualística como construção da unidade da ordem jurídica

7 O PLANO DO DIREITO MATERIAL E O PLANO DO DIREITO PROCESSUAL

7.3 MODELO DE PRÁTICA JUDICIAL

A perquirição a respeito da estrutura e do conteúdo da prática jurídica em geral, e da prática judicial em especial, encontra uma adequada referência explanatória a partir do enquadramento da aplicação judicial do direito como espécie de atividade intencional coletiva. No particular, importa distinguir três níveis de análise em que o conceito de ações coletivas intencionais mostra-se relevante para a finalidade explanatória em relação ao direito como fenômeno social:312 (1) o nível mais geral faz referência ao direito como um todo, e revela-se através da indagação das características que fazem com que o direito corresponda a um sistema normativo institucionalizado (característica que o diferencia da moral, por exemplo). Esta característica é aquela que, fundamentalmente, permite que o sistema jurídico estabeleça as condições para que a criação e a aplicação de normas ocorram de acordo com o próprio sistema. Nesse nível, o direito - como fenômeno social institucionalizado - em termos de ações coletivas engloba as ações relevantes dos particulares (obediência às normas primárias, na terminologia hartiana) e as ações das autoridades normativas (incluindo os

“mundos constitucionalmente possíveis” são aqueles mundos que podem ser gerados a partir da Constituição como “sistema originário”. A Constituição (na condição de “sistema originário” da ordem jurídica) determina um conjunto de sequências de sistemas jurídicos, de molde a dividir os sistemas jurídicos em dois conjuntos: sistemas jurídicos constitucionalmente possíveis e sistemas jurídicos constitucionalmente impossíveis (ou excluídos). A partir disso, articula-se “una imagen del derecho según la cual la Constitución ocupa un lugar de preeminencia para determinar el valor de verdad de las proposiciones jurídicas. En particular, aunque exista una disposición de alguna autoridad infraconstitucional que establezca que determinadas personas tienen determinados deberes o derechos, es posible que la norma expresada por dicha disposición no pertenezca a ningún sistema jurídico de ese orden jurídico, por ejemplo, dicha norma ha sido dictada por una autoridad incompetente. Em este sentido, aquellas normas promulgadas de las que no se puede establecer su relación genética con otras normas no pertenecen a ningún sistema del orden jurídico en cuestión. Más aún, las Constituciones delimitan un perímetro de supuestos en que las autoridades infraconstitucionales son siempre incompetentes, se trata de los supuestos regulados de manera inconsistente com la Constitución”. Ibidem, p. 183.

aplicadores, em sua atuação regulada pelas normas secundárias); (2) o nível intermediário foca, exclusivamente, sobre as ações conformadoras da aplicação judicial do direito; o conceito de ações coletivas intencionais direciona-se à prática de adjudicação de normas; e (3) o nível mais específico (ou concreto) consiste no exame das práticas sociais (em termos de ações coletivas) que dão lugar ao surgimento e à manutenção, especificamente, da regra de reconhecimento. A razão que justifica a distinção dos três níveis de análise corresponde à razão para distinguir entre a tarefa de identificação do direito (caracterizada por uma prática com um componente constitutivo) e o conjunto das ações que realizam os juízes em sua mais ampla tarefa de aplicação de normas jurídicas (que pressupõe a existência de uma regra de reconhecimento). A cláusula convencional de existência do sistema jurídico, anteriormente delineada, diz respeito ao nível (3), como uma prática inserida (mas não assimilável) na prática mais geral de aplicação jurídica, correspondente ao nível (2). Esta prática (mais geral) não esgota seu conteúdo nas tarefas de identificação das normas componentes do sistema jurídico, uma vez que inclui outras questões relevantes no processo tendente a resolver casos concretos mediante o uso justificado de normas juridicamente válidas e/ou aplicáveis, como, por exemplo, todos os atos conducentes à atribuição de um significado determinado às formulações normativas.313 Essa clarificação mostra-se especialmente importante em relação às funções da dogmática jurídica, bem como em relação às condições de verdade dos enunciados jurídicos, tópicos a serem abordados adiante.

A aproximação entre prática judicial e ações coletivas intencionais pressupõe o delineamento das características das instituições (mais precisamente, de determinado tipo de instituições), a saber:

(i) existe um grupo que atua intencionalmente por um significativo período de tempo somente se os seus membros (um número relevante deles) seguem (e estão dispostos a seguir, portanto) determinadas normas durante um significativo período de tempo; (ii) os membros (um número relevante deles) do grupo pensam (ou crêem) que a atividade mostra-se valiosa em relação, primariamente, a eles próprios (membros); ou em relação, primariamente, aos não-membros; mas, em ambos os casos (valiosa aos membros ou valiosa aos não-membros) a atividade realizada é considerada pelos membros (um número relevante deles) como sendo valiosa em relação à comunidade

313 Josep Vilajosana aduz que “la utilización compartida de criterios para determinar cuáles son las fuentes del

derecho de un determinado sistema jurídico es sólo una parte de los actos que conforman el proceso de aplicación del derecho”. VILAJOSANA, 2010, p. 135.

(ou sociedade) como um todo (ou em relação a determinados aspectos da comunidade ou da sociedade); e

(iii) os membros (um número relevante deles) do grupo, na forma descrita (o grupo caracterizado pelos itens (i) e (ii)), pensam (ou crêem) que eles têm um dever qua membros de tal grupo (ou pensam, ou crêem, que têm um dever qua membros da instituição em questão).

Assim, se há uma instância da prática judicial, há um grupo que atua intencionalmente durante um significativo período de tempo: o grupo valora a conduta dos membros da comunidade por meio da aplicação de determinadas normas. Não sendo deste modo, não há instância da prática judicial.314 O grupo atua da maneira indicada somente se os respectivos membros (um número relevante deles) - in casu, as autoridades encarregadas da aplicação de normas - seguem (e estão dispostos a seguir) determinadas normas (que regulam suas condutas) durante um significativo perído de tempo. Se as autoridades aplicadoras cessam suas condutas de seguimento das normas relevantes, a prática judicial deixa de ser reconhecível como tal; assim como deixa de ser reconhecível se os membros simplesmente seguem as normas relevantes cada vez em que surja uma ocasião para tanto, sem que haja a correspondente disposição para a conduta de seguimento das normas relevantes. A atividade deste grupo é considerada pelos membros (um número relevante deles) como valiosa em relação, primariamente, para os não-membros (pessoas que não são autoridades aplicadoras) e, de forma mais geral, em relação à comunidade como um todo. Essa particularidade torna a instituição (judiciária) formada pelo conjunto dos aplicadores de normas uma instituição cuja valiosidade resultante de sua atividade não diz respeito, primariamente, aos próprios membros (da instituição). Ademais, os membros aplicadores (um número relevante deles) crêem que

314 Raimo Tuomela faz referência à “tese da aceitação coletiva”: “proposition S is collectively social (or group-

social) and express a collectively social or institutional state of affairs in a primary sense in a group G if and only if (a) the members of group G collectively accept S for the group, and (b) necessarily, they collectively accept S for G if and only if S is correctly assertable for the members of G functioning as group members”. TUOMELA, Raimo. The philosophy of sociality: the shared point of view. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 187. À base disso, Tuomela formula a seguinte análise das instituições sociais: “(SI) a proposition S express a social institution for a normatively structured group G if and only if, (1a) the operative members of G, say, A1,...,Am, when performing their (we-mode) tasks in their respective positions and due to their exercising the relevant authority system (decision-making system) of G, collectively accept S, and because of this exercise of the authority system they ought to continue to accept it, at least until (new) reasons not to accept it emerge; (1b) collective acceptance for the group entails and is entailed by (the correct assertability of) S; (2) there is a mutual belief among the operative members A1,...Am to the effect that (1a); (3) S express or entails the existence of a G-based social practice (or a system of interconnected social practices) and a system of interconnected norms (including one or more constitutive norms) in force for G, such that the social practice generally is performed at least in part because of these norms; (4) because of (1), the (full-fledged and adequately informed) nonoperative members of G tend to tacitly accept - ora t least ought to accept - obeying the normative contento f S, as members of G; (5) there is generally a mutual belief in G to the effect that (4)”. Ibidem, p. 199.

têm um dever, qua membros de um grupo institucionalmente caracterizado, de aplicar as normas relevantes. Se os membros não se “autoconcebem” como submetidos a este dever, a instituição (e a prática judicial a partir dela caracterizada) deixa de ser reconhecível como tal.315 Por outro lado, a instituição judiciária não deixa de se caracterizar como tal caso determinados membros deixem de considerar a respectiva atividade como valiosa (no sentido descrito), uma vez que a realização, por tais membros, de uma atividade assim considerada (como não valiosa nos termos aludidos: valiosa em relação aos não-membros e/ou à comunidade em geral), não é suficiente para fazer cessar o dever a que estão submetidos qua autoridades aplicadoras (qua membros da instituição judiciária). Este modelo de prática judicial fornece as características (as “cláusulas” do modelo) cuja conjunção serve à compreensão da unidade da ordem jurídica a partir da dualidade de planos (com base na especificação da interdependência - distinção conceitual e relação teleológica - entre o plano do direito material e o plano do direito processual à luz da relação entre o plano constitucional e a dimensão social das normas jurídicas). Outrossim, o modelo especifica a “experiência de unidade” (capítulo 1, 1.3), no sentido de que a prática judicial conforma uma experiência (jurídico-processual) caracterizada pela unidade normativa correspondente à unidade do dever a que os membros - qua autoridades aplicadoras - da instituição estão submetidos no desempenho de sua atividade ou tarefa, dever este associado à valiosidade do estado de coisas resultante das atitudes e dos atos integrantes da atividade aludida; tal dever exige que as autoridades aplicadoras valorem/avaliem as condutas das pessoas, componentes da comunidade em geral, de acordo com normas que satisfaçam os mesmos critérios, a partir do qual (unificação dos critérios) exsurge a unidade da ordem jurídica a partir da dualidade de planos.

Rodrigo Sánchez Brigido sintetiza o conteúdo daquilo que compõe o modo como os membros do grupo autoconcebem a sua situação individual no âmbito da instituição em questão, nos seguintes moldes:316 “além de mim, há diversas pessoas; há um estado de coisas cuja realização concretiza-se por mim e pelos demais a partir de determinadas atitudes e atos, consubstanciados na disposição a seguir, e no seguimento, de certas normas por um significativo período de tempo (as normas pelas quais os membros do grupo - um número relevante deles - firmaram compromisso em seguir); eu pretendo seguir as normas relevantes (e, portanto, cumprir minha parte no compromisso comum fundado em tais normas), e as sigo,

315 BRIGIDO, Rodrigo Sánchez. Groups, rules and legal practice. Dordrecht: Springer, 2010. [versão

gentilmente cedida pelo autor].

sendo que tal particularidade não é ‘secreta’ (há um ‘acesso público’ a essa intencionalidade); esta consideração (a intenção de seguir as normas relevantes) aplica-se aos demais; eu e os demais concretizamos o estado de coisas, cuja criação (e manutenção) é valiosa em relação às demais pessoas (distintas dos membros do grupo que formam a instituição), e é valiosa, em determinados aspectos, para a vida da comunidade como um todo; nós, portanto, formamos um grupo, e eu sou um membro deste grupo; isso significa, em particular, que eu satisfaço uma propriedade especial: eu firmei compromisso no sentido de realizar determinadas ações que são parcialmente constitutivas (juntamente com outras atitudes determinadas) do estado de coisas em questão; a partir disso, há uma consideração normativa de acordo com a qual o compromisso em questão deve ser mantido e, nesses moldes, eu devo realizar determinadas ações (seguir as normas relevantes); tal consideração normativa aplica-se aos demais (unidade normativa).”

A partir disso, há uma instância da prática judicial (prática de aplicação de normas pelas autoridades investidas de poder jurisdicional) se, e somente se, há um conjunto de indivíduos (definidos de modo extensional ou intensional) a partir do qual se dá o preenchimento das seguintes condições, individualmente necessárias e conjuntamente suficientes (as “cláusulas” do modelo):

(a) cada indivíduo concebe um determinado estado de coisas cuja realização depende de certas atitudes e ações, implementáveis pelo conjunto dos indivíduos em questão: o seguimento, e a disposição ao seguimento, de determinadas normas durante um significativo período de tempo, normas a partir dos quais decorre o requerimento (aos indivíduos em questão) de que as condutas das pessoas, componentes da comunidade em geral, sejam valoradas/avaliadas de acordo com normas que satisfaçam certos critérios, critérios estes que tornam as normas internamente relacionadas (formando um sistema “aberto”, “compreensivo” e “supremo”); as ações relevantes são aquelas que, juntamente com outros fatos (notadamente, o fato de que existe um compromisso quanto ao seguimento de determinadas normas), consubstanciam o antecedente de uma consideração normativa “independente-de-conteúdo”, consideração esta aplicável ao conjunto dos indivíduos;317

317 Os indivíduos seguem (e estão dispostos a seguir) as normas relevantes somente se os demais também o

fazem (e também estão dispostos a fazê-lo: trata-se da característica da convencionalidade); se tais indivíduos seguem as normas relevantes com completa desconsideração a respeito do que os demais fazem em relação ao seguimento das normas relevantes, os indivíduos não se autoconcebem como membros de um grupo (membros que formam uma instituição). Consoante o modelo de prática judicial exposto, portanto, as autoridades aplicadoras se autoconcebem como membros de um grupo. Assim, se há uma instância da prática judicial - como prática de aplicação de normas -, há um complexo estado de coisas cuja obtenção somente se torna possível pelas

(b) para os indivíduos em questão há uma sobreposição - no sentido de que as concepções coincidem ao menos parcialmente - entre suas concepções a respeito do aludido estado de coisas;

(c) os indivíduos pretendem realizar as ações relevantes, e concebem tais ações como (ao menos parcialmente) constitutivas do estado de coisas; suas intenções a respeito são publicamente acessíveis;

(d) os indivíduos “executam” suas intenções durante um significativo período de tempo e, como resultado disso, o estado de coisas mencionado na cláusula (b) é obtido;

(e) os indivíduos (um número relevante deles) crêem que as condições prévias delineadas são obtidas, e que o estado de coisas a ser atingido mostra-se valioso em relação, primariamente, às demais pessoas (distintas dos membros do grupo que formam a instituição), e é valioso, em determinados aspectos, para a vida da comunidade como um todo; e

(f) os indivíduos (um número relevante deles) crêem que a consideração normativa “independente-de-conteúdo” mencionada na cláusula (a) é aplicável ao conjunto dos indivíduos em questão.

Nesse contexto, o modelo pode ser visualizado como um “teste” para estabilizar quando um indivíduo caracteriza-se como membro do grupo formador da instituição judiciária

lato sensu - como uma autoridade investida do poder jurisdicional, portanto - no âmbito de

uma prática caracterizada por ações coletivas intencionais. Destarte, um indivíduo é uma autoridade aplicadora se, e somente se, há um conjunto de indivíduos (definidos de modo extensional ou intensional) a partir do qual o indivíduo em questão:

(i) concebe um estado de coisas cuja realização depende de certas atitudes e ações, implementáveis por ele e pelos demais membros do conjunto: o seguimento, e a disposição ao seguimento, de determinadas normas durante um significativo período de tempo, normas a partir dos quais decorre o requerimento (aos indivíduos em questão) de que as condutas das pessoas, componentes da comunidade em geral, sejam valoradas/avaliadas de acordo com normas que satisfaçam certos critérios, critérios estes que tornam as normas internamente relacionadas (formando um sistema “aberto”, “compreensivo” e “supremo”); as ações relevantes são aquelas que, juntamente com outros fatos (notadamente, o fato de que existe um compromisso

atitudes e atos de diversos indivíduos, que concebem tais atitudes e atos (os seus e os dos demais) como constitutivos deste complexo estado de coisas.

quanto ao seguimento de determinadas normas), consubstanciam o antecedente de uma consideração normativa “independente-de-conteúdo”, consideração esta aplicável ao conjunto dos indivíduos;

(ii) suas ações (e atitudes) são vistas pelos demais, bem como as ações (e atitudes) destes vistas por ele (indivíduo em questão), como relacionadas ao estado de coisas; (iii) sua concepção a respeito do estado de coisas coincide parcialmente com as concepções dos demais indivíduos;

(iv) ele pretende, publicamente, realizar as ações relevantes, assim como os demais indivíduos;

(v) ele “executa” suas intenções, assim como os demais, e o estado de coisas configurado pelas concepções a respeito (parcialmente coincidentes) é obtido;

(vi) ele ou (vi.a) crê que as condições precedentes são preenchidas, e o estado de coisas a ser atingido mostra-se valioso ou (vi.b) não crê em tal valiosidade;

(vii) ele ou (vii.c) crê que a consideração normativa mencionada em (i) é aplicável (a ele) ou (vii.d) não crê em tal aplicabilidade; mas

(viii) um número relevante dos indivíduos do conjunto que satisfaz as condições (i)-(v) deve também satisfazer as condições (vi)(vi.a) e (vii)(vii.c).

Em suma, o conteúdo da prática judicial (como prática atinente aos membros componentes da institução judiciária lato sensu, membros formadores de um grupo com características específicas), decorrente das condições delineadas, pode ser sintetizado do seguinte modo: existe um grupo que valora/avalia as condutas das pessoas, integrantes da comunidade em geral, por meio da aplicação de normas que satisfazem determinados critérios, critérios a partir dos quais se dá a relação entre tais normas (relação esta que, por sua vez, conforma o sistema jurídico). A estrutura da prática em questão (as atitudes reveladas pelos participantes de tal prática), de seu turno, sintetiza-se do seguinte modo: o conjunto dos indivíduos concebe a atividade praticada como constituída por um conjunto complexo de atitudes e ações (ações coletivas intencionais), em cujo âmbito exsurge uma consideração normativa impositiva da realização, pelos indivíduos em questão, das ações relevantes associadas a determinado estado de coisas, cuja valiosidade serve de referência à consideração normativa, embora o correspondente dever dos membros subsista ainda que um número relevante deles não tenha uma atitude, ou estado mental, cujo conteúdo mostre-se diretamente relacionado com a valiosidade aludida, circunstância esta que justifica a inclusão, nas cláusulas (a) e (f) do modelo, da crença quanto à aplicabilidade, ao conjunto dos indivíduos, de uma consideração normativa “independente-de-conteúdo”.

A análise de Raimo Tuomela é em sentido semelhante: segundo o autor, a relação entre membros do grupo (instituição social), aceitação de normas e estados de coisas (institucionais) tidos como valiosos pode ser assim descrita:318

(1) G aceita (por meio de grande parte dos seus membros, ou por meio da aceitação coletiva de grande parte dos seus membros) a norma que dispõe para fazer X em C (cada membro do grupo deve fazer X em C), porque a situação em que todos fazem X em C é tida por coletivamente melhor - mais valiosa - do que as demais alternativas possíveis ou existentes;

(2) eu, membro do grupo, dou valor para aquilo que os demais membros do grupo pensam a meu respeito ou esperam que eu faça;

(3) os membros de G têm a expectativa mútua ou recíproca (do ponto de vista normativo e fático) no sentido de que todo e qualquer membro fará X em C;

(4) eu, membro do grupo, dou valor à realização de X mais do que à realização de uma conduta alternativa - nas circunstâncias em que (1), (2) e (3) são aplicáveis -, ainda que, todavia, eu fosse dar mais valor à realização de uma conduta alternativa a X caso não estivessem envolvidas determinadas expectativas sociais;

(5) eu atuo com base naquilo que dou valor e, portanto, pretendo fazer X em C; (6) C se dá; logo,

(7) eu faço X. Assim:

(1) nós, os membros do grupo G, coletivamente aceitamos a norma expressável por “todo membro do grupo deve fazer X em C” para G;

(2) eu pretendo atuar como um membro do grupo e tenho a crença de que isso me exige a realização de X em C;

(3) C se dá; logo,

(4) eu faço X (ou participo na realização de X, seja fazendo X propriamente, seja fazendo Y que consiste na minha parcela de contribuição à realização de X).

Tuomela complementa o modelo analítico com as seguintes cláusulas:319

(RN) uma norma N expressável por “todo membro em G deve realizar X nas circunstâncias C” é uma norma autoritativamente formulada, motivacionalmente atuante no grupo (instituição) G se e somente se:

318

TUOMELA, 2010, p. 206.

(1i) N (ou uma prescrição de cuja derivação lógica ou conceitual obtenha-se N) resulta aceita ou formulada para G por uma autoridade (internamente autorizada pelos membros operativos de G);

(1ii) os membros de G podem adquirir a crença mútua ou recíproca no sentido de que eles devem realizar X em C - à base de sua (tácita) aceitação de (1i) - a partir de uma informação linguística tornada publicamente avaliável, pela autoridade, aos membros de G;

(2i) a maioria dos membros de G realizam X em C (ou ao menos assim se dispõem), e (2ii) pelo menos alguns deles, na maioria das vezes, realizam X com base na crença - em parte devida aos fatores especificados em (1) e (3) - do seu dever de realizar X em virtude da existência de uma norma em G, e que a maioria dos membros tem a expectativa (do ponto de vista normativo e fático) de que eles realizarão X em C; (3) existe em G uma espécie de “pressão” - a partir de crenças mútuas e recíprocas existentes em pelo menos parte dos membros referidos em (2ii) - no sentido da realização de atos de desaprovação ou de aplicação de determinadas sanções em relação àqueles que desviam da conduta de realizar X em C, e essa circunstância confere suporte, ao menos em parte, para (2i) e (2ii).