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Parte II – Função social da processualística como construção da unidade da ordem jurídica

5 A UNIDADE DA ORDEM JURÍDICA E A DOGMÁTICA PROCESSUAL

5.2 REGRA DE RECONHECIMENTO

fático externo de que o sistema em geral (e não determinada norma em particular) é eficaz; além disso, os enunciados internos não são verdadeiros nem falsos, pois são normativos (e não descritivos); b) enunciados externos ou descritivos, a partir dos quais se faz referência a uma norma para afirmar que, de acordo com ela, determinada conduta é obrigatória, permitida ou proibida (caso se trate de norma primária) ou para afirmar que certa conduta ajusta-se, ou não se ajusta, aos requisitos por ela estabelecidos para lograr objetivos juridicamente definidos. O significado dos enunciados externos corresponde à existência de uma norma - ou da pertinência da norma em um sistema jurídico existente -, e são verdadeiros quando informam adequadamente o conteúdo das normas, e falsos em caso contrário, podendo haver casos em que não se possa predicar nem verdade nem falsidade a determinados enunciados externos nas hipóteses em que conteúdo das normas for indeterminado.

Importa destacar que, além da circunstância de que a distinção entre regra de reconhecimento, normas de adjudicação e normas de alteração de normas consubstancia uma distinção entre modalidades normativas (e não meramente entre funções normativas), tal distinção entre as modalidades de normas destacadas pela teoria jurídica hartiana resulta como a opção teoricamente preferível às demais concepções do direito, porque, além de apresentar a reconstrução mais adequada da complexidade do fenômeno jurídico, serve como premissa à especificação da função da dogmática processual no que tange à reconstrução da unidade da ordem jurídica a partir da dualidade de planos (material e processual). Entretanto, o delineamento da regra de reconhecimento deve ser feito de molde a infirmar a circularidade anteriormente apontada, com base naquilo que pode ser compreendido como práticas de identificação do direito.

5.2 REGRA DE RECONHECIMENTO

Do exposto, conclui-se que, para a teoria jurídica hartiana, um sistema jurídico consiste em uma regra de reconhecimento mais todas as normas identificadas a partir dos critérios fornecidos por esta regra que, assim, constitui a base que permite predicar unidade ao conjunto normativo - à luz dos critérios de pertinência das normas ao conjunto normativo. Assim, asseverar a validade de determinada norma significa reconhecer que ela satisfaz os requisitos estabelecidos pela regra de reconhecimento; ou seja, para que se possa saber se uma

norma é juridicamente válida, mostra-se imprescindível usar um critério de validade subministrado por outra norma, justamente a regra de reconhecimento. Destarte, a norma que, por proporcionar critérios para a determinação da validade de outras normas, diferencia-se destas por não estar, ela própria, subordinada a critérios de validade estabelecidos por outras normas. Nesse sentido, a regra de reconhecimento caracteriza-se como “regra última” do sistema. Carece de sentido, pois, predicar validade ou invalidade à própria regra de reconhecimento (que subministra os critérios de validade), uma vez que a existência de tal regra coloca-se em termos empíricos, ou seja, existe na medida em que é aceita como tal pelos aplicadores do direito.184 De conseguinte, a regra de reconhecimento deve conter um critério de validade que seja supremo, podendo conter diversos critérios. Todavia, como a regra de reconhecimento tem a função de identificação das normas pertencentes a um mesmo sistema, tais critérios devem estar hierarquizados, de modo a que um deles prevaleça sobre os demais em casos de conflito.

A regra de reconhecimento hartiana associa-se ao conceito de prática social, como convergência de condutas em relação a determinadas ocasiões específicas. Além da convergência de condutas dos membros do grupo, entretanto, a regra de reconhecimento, para ser caracterizada como tal, exige que os desvios de tais condutas sejam considerados, na generalidade dos casos, como faltas suscetíveis de crítica; trata-se da existência de uma espécie de pressão social em favor da conformidade à convergência comportamental. Para a existência da regra de reconhecimento, ademais, tal crítica deve ser considerada legítima ou justificada por parte do grupo em questão, particularidade compatível com a existência de um subgrupo minoritário que não somente transgride a regra, mas a rechaça como critério ou pauta de conduta. Outrossim, a regra de reconhecimento, além do aspecto externo atinente à possibilidade de constatação de uniformidade ou regularidade de conduta dos membros da comunidade, apresenta um aspecto interno: os integrantes do grupo (ou grande parte deles) vêem a conduta convergente como uma pauta geral a ser seguida pelos membros da comunidade como um todo, no sentido de uma atitude reflexiva frente a determinados modelos de comportamento, atitude materializada em exigências (justificadas) de conformidade. Segundo Hart, mostra-se crucial uma aceitação “oficial” (ou seja, dos aplicadores do direito) unificada ou compartilhada de uma regra que contenha os critérios de

184 Liborio Hierro aduz que a existência da regra de reconhecimento como “questão de fato” - ou como questão

empírica em cujo contexto torna-se possível a formulação de enunciados de validade - tem o condão de romper com a circularidade anteriormente apontada, na medida em que se tem como ponto de partida uma afirmação fática, afirmação esta cuja verdade não depende da verdade das afirmações dela derivadas. HIERRO, Liborio. La

validade do sistema jurídico, critérios que, portanto, formam o conteúdo da regra de reconhecimento.

A existência da regra de reconhecimento, assim, identifica-se com a existência do sistema jurídico, que exige duas condições necessárias e suficientes: 1) as normas de conduta válidas segundo o critério de validade último do sistema devem ser geralmente obedecidas ou levadas em consideração (condição relativa aos cidadãos ou particulares), sendo que tal obediência pode se dar a partir de quaisquer motivos; e 2) a regra de reconhecimento do sistema, bem como as normas de alteração de normas e as normas de adjudicação, devem ser efetivamente aceitas pelos aplicadores jurídicos como pautas ou modelos públicos ou comuns de conduta “oficial” (condição relativa aos aplicadores-agentes, que devem apreciar, de forma crítica, como erros os desvios em relação às pautas aceitas de forma generalizada, adotando um “ponto de vista interno” a respeito das normas secundárias). A divisão “cidadão- aplicador” reflete o caráter complexo do sistema jurídico, formado por normas primárias e secundárias, particularidade que exige a separação entre a questão atinente à aceitação das normas como pautas críticas da questão atinente à obediência de tais normas por motivos de conveniência (ou outros motivos quaisquer), separação esta relevante para estabelecer a distinção entre o dever jurídico de obedecer e o dever jurídico de aplicar normas jurídicas.

A partir destas considerações a respeito da construção hartiana, mostra-se imprescindível delinear a interpretação da regra de reconhecimento que sirva de modelo analítico de sistema como instrumental conceitual para dar conta da função social da dogmática jurídica185 e, em especial, da dogmática processual. No ponto, cumpre registrar que o labor dogmático - ou, ao menos, boa parte dele - consiste em especificar e eleger uma determinada base axiomática, determinando, a partir disso, quais soluções normativas correspondem aos distintos suportes fáticos das normas, o que pressupõe a determinação prévia do conjunto de todas as circunstâncias fáticas ou casos possíveis (universo de suportes fáticos hipotéticos) e do conjunto de todas as soluções normativas admissíveis (universo de soluções). Tal atividade permite determinar se existe algum suporte fático hipotético, ou “caso genérico”, em que não exista uma solução normativa correlacionada, ou determinar se existe algum caso genérico com soluções incompatíveis correlacionadas, ou, ainda, determinar se existe algum caso genérico com soluções redundantes correlacionadas.

185 Isso porque, consoante exposto, a noção hartiana de sistema não se constitui como um instrumento conceitual

de identificação de normas jurídicas, tendo em vista que os critérios (conceituais) de pertinência de normas ao sistema não podem, eles próprios, integrar o sistema.

Nesse contexto, a interpretação da regra de reconhecimento como critério de identificação exige a distinção entre os conceitos de sistema jurídico e de ordem jurídica, distinção fundamental para dar conta tanto do caráter estático quanto do caráter dinâmico do fenômeno jurídico. O sistema jurídico está referido a um ponto temporal determinado: é um conjunto (estático) de normas jurídicas186 (em que todo ato de promulgação e de revogação converte o conjunto em outro distinto). A ordem jurídica, por seu turno, é um conjunto (dinâmico) de conjuntos de normas ou uma sequência temporal de conjunto de normas; é, portanto, uma sequência de sistemas jurídicos, de molde que os atos de promulgação e de revogação não alteram a identidade da ordem. Da distinção entre sistema e ordem jurídica exsurge o problema da determinação a respeito de quando uma sequência de sistemas pertence à mesma ordem, e de quando se interrompe tal sequência para dar surgimento a uma nova ordem jurídica, distinta da anterior: trata-se do problema atinente aos critérios de pertinência dos sistemas à ordem. Da distinção em tela exsurge, ainda, o problema que consiste em determinar o conteúdo de um sistema jurídico correspondente a um determinado intervalo temporal, questão para o qual se exige a determinação dos critérios de pertinência das normas ao sistema em questão. Ambos os problemas referem-se à identidade, tanto do sistema quanto da ordem jurídica.

A respeito, e conforme Ricardo Caracciolo,187 dois são os critérios básicos de pertinência: 1) critério de legalidade e 2) critério de dedução ou de inferência lógica. De acordo com o critério de legalidade, uma norma pertence ao sistema caso tenha sido promulgada por uma autoridade competente deste sistema, e uma autoridade é competente para promulgar uma norma quando existe outra norma, que pertence ao sistema em questão, que outorga competência à autoridade. Segundo o critério da inferência lógica, uma norma pertence ao sistema quando ela é uma consequência lógica das normas pertencentes ao sistema. Assim, existe uma relação de legalidade entre as normas do sistema e uma relação de dedução ou de inferência lógica entre tais normas, e ambas as relações determinam a estrutura do sistema.

186 Tais normas jurídicas restringem-se às normas gerais; os problemas atinentes à inclusão das normas

individuais (notadamente, as decorrentes das decisões judiciais) no modelo conceitual de sistema jurídico serão abordados no Capítulo 12.

187 Ricardo Caracciolo. As distintas formas de combinação dos critérios permitem distinguir quatro modelos

analíticos de pertinência: o primeiro baseado no critério da legalidade, o segundo baseado no critério da dedução ou inferência lógica, o terceiro baseado na conjunção de ambos os critérios e o quarto baseado na disjunção de ambos os critérios. CARACCIOLO, Ricardo. El sistema jurídico. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1988. p. 57.

Os critérios de dedução lógica e de legalidade, entretanto, são insuficientes para dar conta da pertinência de todas as normas do sistema, pois pressupõem que em tal sistema já existam normas, cuja pertinência não depende dos critérios aludidos: tais normas, assim, são “independentes” e, nesse sentido, constituem a base de uma ordem jurídica. O conjunto das normas independentes pode ser perspectivado como sendo o “sistema originário” ou como sendo a “primeira Constituição” da ordem jurídica. Isso implica que toda ordem jurídica origina-se em um sistema de normas independentes que, a menos que sejam revogadas ou modificadas no futuro por autoridades competentes, pertencem a todos os sistemas subsequentes desta ordem.188

Nesses moldes, uma ordem jurídica exige como ponto de partida uma “primeira Constituição”, como um conjunto de normas que se decide adotar como base da ordem, e aqui se coloca, de modo crucial, a função social da dogmática, qual seja, o delineamento - a partir da construção de modelos - e fixação da base axiomática da ordem jurídica. Tal conjunto de normas identifica-se extensionalmente ou por enumeração (N1, N2,..., Nn). As normas contidas na “primeira Constituição” (e todas suas consequências lógicas) formam o primeiro sistema de uma série temporal de sistemas jurídicos. A existência desta série temporal exige que a “primeira Constituição” contenha ao menos uma norma de competência que autorize determinada autoridade normativa a promulgar novas normas (e, eventualmente, a revogar as existentes). O segundo sistema da série surgirá no momento em que a autoridade competente - de acordo com o primeiro sistema – promulgue e/ou revogue uma norma. Conclui-se, assim, que a todo intervalo temporal entre dois atos normativos corresponde um sistema, e que todo ato de promulgação ou revogação, realizado por uma autoridade competente, dão lugar a um novo sistema que integra a série. Destaque-se que a modificação ou reforma de uma norma pode ser analisada como revogação e promulgação simultâneas.

Destarte, toda ordem jurídica tem, por definição, uma “primeira Constituição”, que pode ser modificada, total ou parcialmente, dando lugar a novas Constituições (derivadas da primeira), sempre que nela exista um procedimento de reforma. Assim, da mesma forma que os critérios conceituais de pertinência de normas ao sistema não podem, eles próprios, integrar o sistema, não há sentido em colocar o problema de se a “primeira Constituição” pertence ou não à ordem, porquanto esta ordem define-se em termos de uma “primeira Constituição” dada: não há necessidade de “ir além” desta Constituição, uma vez que começa nela a cadeia

188 Como se percebe, todos os sistemas pertencentes à ordem em questão, salvo o primeiro sistema, originam-se a

partir do sistema imediatamente anterior mediante adição de novas normas (como consequência de atos de promulgação) ou por meio da subtração de normas (como consequência de atos de revogação) e, em última instância, a partir do sistema originário de normas independentes.

de derivação dinâmica. Trata-se, por definição, do primeiro elo desta cadeia.189 Conforme anteriormente exposto, a interrupção da indagação (inegabilidade dos pontos de partida das séries de indagações acerca dos fundamentos das normas ou vinculação a pontos de partidas fixados), próprio à dogmática, conecta-se com a determinação de critérios conceituais de identificação das normas componentes do sistema jurídico.

A partir de tais pressupostos é que a regra de reconhecimento hartiana coloca-se como critério conceitual de identificação da ordem jurídica, que especifica as características que as normas devem apresentar para que se possa afirmar que se trata de uma norma componente do conjunto normativo. O critério conceitual, diferentemente da regra de reconhecimento nos moldes como formulada na teoria hartiana, carece de conteúdo normativo, e formula-se do seguinte modo:190 1) o conjunto de normas independentes {N1, N2,..., Nn} consubstancia o sistema originário da ordem jurídica Oj; 2) se uma norma de competência Nc, válida no sistema S1 (no tempo t), que pertence à ordem Oj, autoriza a autoridade A a promulgar a norma N, e A promulga N no tempo t, então N é válida no sistema S2 (t+1) de Oj (correspondente ao momento seguinte a t); 3) se uma norma de competência Nc, válida no sistema S1 (t), que pertence à ordem Oj, autoriza a autoridade A a revogar a norma N, que é válida em S1 (t), e A revoga N no tempo t, então N não é válida no sistema S2 (t+1) de Oj (correspondente ao momento seguinte a t); 4) as normas válidas no sistema S1 (t), que pertence à ordem Oj, que não foram revogadas no tempo t, são válidas no sistema S2 (t+1) de Oj (correspondente ao momento seguinte a t); e 5) todas as consequências lógicas das normas válidas do sistema S1 (t), que pertence à ordem Oj, também são válidas em S1 (t).191

189 BULYGIN, Eugenio; MENDONÇA, Daniel. Normas y sistemas normativos. Madrid: Marcial Pons, 2005. p.

49.

190 Ibidem, p. 50. Conforme Bulygin e Mendonca, o critério de identificação constituído pelas cláusulas 1) a 5),

ao definir a ordem jurídica Oj, determina a sua estrutura. Esta estrutura está dada pelas cláusulas 2) a 5). As cláusulas 2), 3) e 4) condicionam o caráter dinâmico da ordem, e a cláusula 5) é responsável pelo caráter sistemático dos sucessivos conjuntos de normas (sistemas). A cláusula 1) é a que identifica a ordem considerada; outras ordens distinguem-se de Oj não por sua estrutura (que é idêntica), e sim por ser distinto o seu “sistema originário”. Assinalam os autores que normalmente a dogmática direciona seu labor em relação à ordem que é efetiva ou vigente em certa sociedade em um tempo determinado, por ser esta a que interessa para fins de resolução dos problemas práticos. O critério de identificação, como esquema conceitual, não especifica de maneira concreta quais normas fazem parte da “primeira Constituição”, sendo este o ponto em que a definição de uma ordem difere de outra. Tal particularidade permite distinguir entre o critério de identificação genérico (esquema conceitual) - que determina a estrutura das ordens jurídicas - e a definição específica de uma ordem determinada.

191 O critério conceitual dissocia-se em: a) um critério de pertinência (direta) das normas independentes ou

originárias; b) um critério de pertinência das normas regularmente produzidas (legalidade); e c) um critério de pertinência das normas derivadas ou implícitas (normas como consequências lógicas de outras normas). O modelo pode ser complementado mediante outros dois critérios: d) critério de pertinência para as normas persistentes: uma norma N pertencente ao último sistema jurídico da ordem jurídica Oj1, pertence a um sistema jurídico da ordem jurídica Oj2 da mesma ordem estatal se o seu conteúdo é compatível com as normas do primeiro sistema jurídico de Oj2; e e) critério de pertinência para as normas irregulares resistentes à anulação (ou

Nesses moldes, conforme Bulygin e Mendonca,192 o conteúdo de cada sistema pertencente à ordem em questão está determinado (em parte) pelas cláusulas 1) a 5), que constituem, conjuntamente, uma definição recursiva da expressão “norma válida em um sistema S da ordem O”, no sentido de que, mediante aplicação sucessiva destas cláusulas, torna-se possível estabelecer, em um número finito de passos (sem circularidade), se uma determinada norma pertence ou não a um determinado sistema da ordem considerada. Importa destacar que o esquema conceitual de ordem jurídica reflete um uso desta expressão, segundo a qual a identidade da ordem funda-se na continuidade dos sistemas que a ela pertencem, o que implica a continuidade da Constituição, que não significa sua imutabilidade, e sim a legalidade de sua mudança: toda mudança ilegal da Constituição - ou “revolução jurídica” - conduz à ruptura da ordem existente, e a nova Constituição dará origem a uma nova ordem jurídica.193

Por conseguinte, o ponto fundamental à função social da processualística como construção da unidade da ordem jurídica diz respeito à particularidade de que as cláusulas componentes do modelo de identificação (e unidade) consubstanciam critérios conceituais, e não normas de conduta (como normas que ordenam, proíbem ou permitem determinadas condutas ou estados de coisas resultantes das condutas). Ou seja: os critérios conceituais nada ordenam, nem permitem e nem proíbem. Significa dizer: a unidade da ordem jurídica (e de cada um dos sistemas a ele pertencentes) está constituída por meio de critérios conceituais de identificação, e não por norma de conduta, cujo caráter corresponde ao seu conteúdo normativo. Disso decorre a seguinte asserção: não há deveres jurídicos que não sejam estabelecidos por normas jurídicas, e para saber quais são as normas jurídicas válidas precisa- se de um critério de identificação de tais normas. Nesses moldes, o critério de identificação da ordem jurídica - bem como identificação das normas que pertencem aos diversos sistemas integrantes desta ordem -, como exposto, consubstancia um critério conceitual. Importa destacar: podem existir distintos critérios; distintas pessoas podem usar diferentes definições - especialmente em relação à cláusula 1 do modelo, ou seja, a respeito da Constituição, no

eliminação): uma norma N, cujo ato de promulgação em um momento t pode ser considerada irregular conforme aos parâmetros de legalidade do sistema jurídico Sjt, pertencerá a um sistema jurídico posterior (Sjt+n), e a todos os sistemas sucessivos, até que seja revogada, se conforme as normas do sistema Sjt+n já não for mais possível a sua anulação (ou eliminação), e sempre que seu conteúdo seja compatível com as normas superiores do sistema Sjt+n.

192 BULYGIN; MENDONÇA, 2005, p. 51.

193 O exposto no texto mostra que o conceito de ordem jurídica não se identifica com o de “direito estatal” ou de

“direito nacional”. Pode-se reconstruir o conceito de “ordem estatal” como sendo um conjunto de ordens jurídicas sucessivas (conceito necessário à inclusão, no modelo conceitual, do critério de pertinência para as normas persistentes).

sentido de “sistema originário”, adotado como ponto de partida -, mas só haverá uma ordem jurídica quando os cidadãos em geral, e os juízes em especial, compartilharem a mesma definição. Assim, a unidade da ordem jurídica depende do fato de que uma (e a mesma) definição (ou esquema conceitual) seja efetivamente usada em um grupo social;194 é dizer: trata-se de um modelo conceitual em uso. A unidade, portanto, vincula-se aos critérios que identificação que a dogmática jurídica usa para identificar as normas pertencentes ao sistema,