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CONSTITUIÇÃO E DIMENSÃO SOCIAL DAS NORMAS JURÍDICAS

Parte II – Função social da processualística como construção da unidade da ordem jurídica

7 O PLANO DO DIREITO MATERIAL E O PLANO DO DIREITO PROCESSUAL

7.2 CONSTITUIÇÃO E DIMENSÃO SOCIAL DAS NORMAS JURÍDICAS

direito (mostrando-se possível, nesse sentido, o cometimento de erros na reconstrução sistemática), mas não se trata de um problema acerca da existência do direito: trata-se, assim, de um problema de “superabilidade” das crenças (ou “superabilidade” epistêmica) acerca de quais são as condições necessárias e suficientes que, para a existência de um direito, impõe o sistema jurídico.297 O que pode ser predicado como superável, portanto, é a reconstrução (ou o conhecimento) das soluções normativas albergadas no sistema jurídico, sendo que os possíveis erros reconstrutivos (ou de conhecimento acerca de tais soluções) reportam-se à falta de informação fundada em nossa limitada capacidade de conhecimento. Nesses moldes, “sujeta a las mismas dificultades cognoscitivas es la reconstrucción elaborada por un doctrinario del derecho como la de un abogado que pretende informar a su cliente respecto de su situación normativa tal como surge de las reglas vigentes, o la de un juez que antes de dictar sentencia se pregunta idéntica cuestión. Lo opuesto a dicha reconstrucción o enunciación de cuáles son las condiciones de aplicación que imponen las reglas es el utilizarlas para adscribir responsabilidad o un derecho u obligación, o para prescribir una cierta acción a una persona, por ejemplo. Pero incluso si se pretende que estas últimas sean fundadas en el derecho deben estar sustentadas en una reconstrucción adecuada del material normativo”.298

7.2 CONSTITUIÇÃO E DIMENSÃO SOCIAL DAS NORMAS JURÍDICAS

O caráter abstrato ou concreto (empírico) das normas jurídicas determina suas condições de existência; da compatibilização dessa consideração com a tese de que a existência do direito depende da existência de determinados fatos sociais complexos exsurge o que se pode chamar de “dimensão social das normas jurídicas” que, de seu turno, importa na compatibilização da intuição de que as normas jurídicas são entidades abstratas com a intuição de que se pode atribuir às normas determinada propriedade própria às entidades

297

A partir do exposto, Germán Sucar assinala que a “doctrina jurídica (que tiene un interes teórico) puede expresarse a través de formulaciones derrotables de las condiciones que establecen las reglas jurídicas para resolver un caso. Es decir, la doctrina puede hacer una reconstrucción a partir de ciertas reglas que más tarde, a la luz de la relación que quepa establecer entre éstas y otras que no habían sido inicialmente tenidas en cuenta pero que a la postre son reputadas relevantes, deba ser revisada”. SUCAR, 2008, p. 327.

concretas, qual seja, o caráter dinâmico - associado à característica institucional da ordem jurídica. Isso porque as entidades concretas caracterizam-se por existir em um espaço e um tempo determinado, e as entidades abstratas, por sua vez, existem independentemente de qualquer referência espácio-temporal. O delineamento da dimensão social das normas jurídicas - equivalente à relação entre normas e comportamento humano - pressupõe, portanto, determinada concepção das normas, ou acerca do tipo de entidades que elas representam ou constituem (determinante das suas condições de existência). A respeito, pode-se conceber as normas como:

(a) significados normativos independentes dos signos linguísticos (formulações textuais) que as expressam;

(b) formulações-tipo significativas (formulações textuais mais seu significado); ou (c) como formulações-caso significativas emitidas ou proferidas por um sujeito em determinada ocasião.

A compatibilização da face dinâmica do direito - em que as normas integrantes do sistema apresentam a propriedade da existência e da cessação da existência dentro de determinadas coordenadas espácio-temporais - com seu caráter sistemático (cuja compreensão depende da concepção das normas como significados, que são entidades abstratas) dá-se a partir de um “princípio de tolerância ontológica”,299 como uma proposta de categorização que se torna aceitável com base no preenchimento de três condições:

(a) a proposta permite o enquadramento de categorias fundamentais e preserva distinções centrais (requisito de utilidade);

(b) a proposta incorpora critérios apropriados para admitir e rechaçar “coisas” (requisito da relevância); e

(c) a proposta impede, com elevado grau de segurança, que se “deixe de fora”, inadvertidamente, algo que não deva ser deixado, além de impedir a formulação de falsas dicotomias (requisito da exaustividade).

Conforme destaca Josep Vilajosana, a forma de construir essa categorização ontológica passa pelo estabelecimento dos modos pelos quais uma entidade depende ou não de estados intencionais e de entidades reais.300 Aliado a isso, a categorização exige a distinção entre dependência histórica (x é dependente historicamente de y se necessariamente, para um determinado tempo t em que x existe, y existe neste momento ou em algum momento anterior)

299 VILAJOSANA, 2010, p. 47.

300 Ibidem, p. 49. O autor explicita que uma entidade real pode ser entendida como sendo aquela que tem uma

definida localização dentro de coordenadas espácio-temporais; por outro lado, algo pode ser entendido como um estado intencional quando tem uma capacidade instrínseca para representar algo mais além de si mesmo.

e dependência constante (x é constantemente dependente de b se necessariamente, para cada intervalo de tempo t-tn em que x existe, y existe em t-tn).301 Outra diferenciação mostra-se imprescindível para os fins da categorização aludida: dependência em relação a um indivíduo concreto (“dependência individual”) e dependência relativa à existência de algum membro de uma classe determinada (“dependência genérica”). Assim, para determinar do que depende a existência de uma entidade importa estabelecer se ela depende (e o tipo de dependência de que se trata) da existência de entidades reais (localizadas no espaço e no tempo) ou não; importa, ainda, estabelecer se ela depende (e o tipo de dependência de que se trata) da existência de estados intencionais ou não. Nesse contexto, os casos que podem ocorrer, então, são os seguintes:

(a) dependência constante e individual de entidades reais;

(b) dependência genericamente constante e historicamente individual de entidades reais;

(c) dependência meramente individual de entidades reais;

(d) dependência genericamente constante, mas não individual, de entidades reais; (e) dependência meramente genérica de entidades reais;

(f) independência de entidades reais;

(g) dependência constante e individual de estados intencionais;

(h) dependência genericamente constante e historicamente individual de estados intencionais;

(i) dependência genericamente constante, mas não individual, de estados intencionais; (j) dependência genericamente histórica, mas não individual, de estados intencionais; (l) dependência meramente genérica de estados intencionais; e

(m) independência de estados intencionais.

Tal categorização permite dar conta de determinadas entidades cuja existência depende de certa combinação de elementos físicos e intencionais, como é o caso dos fatos sociais complexos, a partir dos quais se predica a existência das normas jurídicas, como entidades supervenientes àqueles fatos. O par entidades reais/estados intencionais possibilita a compreensão a respeito de qual a extensão da intervenção humana na criação, manutenção e cessação da existência das normas jurídicas de determinada sociedade. A respeito, importa destacar que a existência continuada do direito exige não somente a dependência de estados intencionais coincidentes, mas também de práticas convergentes associadas a estes estados

intencionais (utilização efetiva de determinados critérios de identificação de normas): tais práticas são um conjunto de ações - associadas a estados intencionais -, e estas ações são eventos que modificam o estado de coisas do mundo real, e nesse sentido são classificáveis como entidades reais. Por sua vez, a incorporação da variável temporal, a partir das duas classes de dependência (histórica e constante) permite dar contar do direito enquanto fenômeno dinâmico. Por fim, a distinção entre dependência individual e genérica permite a compreensão das diferenças entre as “normas de criação deliberada” e as “normas de criação não deliberada”:302 as primeiras correspondem àquelas normas cuja existência depende historicamente de estados reais (ações) e intencionais (certas práticas, que compreendem ações e estados intencionais, por parte de determinados indivíduos - legisladores, lato sensu -, dão lugar a este tipo de normas); as segundas correspondem àquelas cuja criação não reside em um ato deliberado de determinada autoridade (normas cuja existência não depende historicamente de uma entidade real: caracterizam-se pela propriedade da ausência de criação por um ato concreto e deliberado; tais normas não podem ser consideradas dentro das entidades individualmente dependentes, seja de entidades reais ou de estados intencionais). Dentro das normas de criação não deliberada incluem-se as normas assim consideradas em virtude de dedução lógica (“normas inferidas”) - critério de inferência lógica de pertinência ao sistema jurídico -, e as normas consuetudinárias (entidades cuja existência depende de maneira constante e genérica, mas não individual, de estados intencionais, além da dependência de determinados atos físicos, correspondentes aos comportamentos dos sujeitos relevantes).303

A categorização ontológica, assim, serve para dar conta da classificação dos modos em que o comportamento humano é determinante (ou não) para a existência do direito em geral, e das normas em particular (dimensão social das normas jurídicas: relação entre normas e fatos sociais os quais elas existencialmente se vinculam). A importância da combinação entre entidades reais e estados intencionais está no fato de que as práticas sociais em geral - e a

302 VILAJOSANA, 2010, p. 55.

303 A caracterização de norma consuetudinária pode ser feita nos seguintes moldes: em uma situação recorrente

S, subsiste um costume entre os membros de um grupo G se, e somente se, dado um certo tipo de ação A, tal que possa ser cumprida intencionalmente, cada um dos membros (ou um subgrupo relevante) de G: (1) realiza A em S; (2) porque considera que deve realizar A em S; e (3) conclui que deve realizar A em S porque considera que, para cada um dos membros de G, aplicam-se as condições (1), (2) e (3). A cláusula (3) especifica-se como (3’): cada um dos membros de G (ou um subgrupo relevante) conclui que tem o dever de realizar A porque: (a) considera que tem o dever de realizar aquilo que se realiza normalmente e que sempre tem se realizado no passado; e (b) considera que normalmente se realiza A e que no passado sempre tem se realizado A. A caracterização pode ser complementada com a noção de “conhecimento comum”, sob a seguinte forma: p é conhecimento comum entre os membros de um grupo G se, e somente se, cada um dos membros: (1) sabe que p; (2) sabe que cada um dos membros de G sabe que p; e (3) sabe que cada um dos membros de G sabe que cada um dos membros de G sabe que p, e assim sucessivamente.

prática de identificação do direito em particular - são um compêndio de ambas as categorias; outrossim, a incorporação das distinções entre dependências histórica e constante, por um lado, e genérica e individual, por outro, permite capturar, de modo adequado, o aspecto dinâmico-institucional da ordem jurídica. A partir desta categorização, portanto, compreende- se a existência de fatos sociais complexos como condição necessária e suficiente da superveniência do direito, ou seja, sem determinados comportamentos e atitudes dos membros da sociedade não existiria o direito, e tais condutas e atitudes são exaurientes no que diz respeito às condições de existência da ordem jurídica (não há, portanto, inclusão de requisitos de ordem moral). Dentro destes fatos sociais complexos - e, pois, no tocante à dimensão social das normas jurídicas -, encontra-se a subclasse dos fatos convencionais, dos quais depende a configuração da regra de reconhecimento, regra cuja caracterização, como condição convencional (com dimensão constitutiva) de existência do direito,304 corresponde ao uso efetivo de critérios de identificação das normas pertencentes ao sistema. Consoante anteriormente exposto, esse uso conforma a prática unitária de identificação do direito, em cujo âmbito as atitudes proposicionais (crenças mútuas e conhecimento comum) e as condutas dos juristas em geral, e dos praticantes da dogmática jurídica em especial (notadamente, quanto à atividade de sistematização), especificam, analiticamente, o enunciado “na sociedade S existe a regra de reconhecimento R”, enunciado cujas condições de verdade incluem a condição de que os juristas e participantes (da prática identificatória) tenham em conta os (mesmos) critérios de identificação usados pelos demais (juristas e participantes). É a partir de tais condições de verdade (do enunciado em questão) que se refina a compreensão da relação entre o plano do direito material e o plano do direito processual à luz da relação entre o plano constitucional e a dimensão social das normas jurídicas (como “ancoragem” social do sistema normativo), para fins de especificar a função social da processualística como construção da unidade da ordem jurídica a partir da dualidade de planos.

A essa luz, pode-se refinar a formulação simplificada da regra de reconhecimento do sistema jurídico (de determinada ordem estatal) do seguinte modo: “considera-se direito válido a última Constituição e todas as normas por ela recepcionadas ou criadas de acordo com os procedimentos que estabelece, até que cesse, pelos procedimentos previstos, a

304 A convencionalidade define-se do seguinte modo: uma regularidade R na conduta dos membros de um grupo

G na situação recorrente S consubstancia uma convenção se, e somente se, em (quase) todos os casos de S: 1) existe em G o conhecimento geral de que: a) (quase) todos seguem R; b) (quase) todos esperam que (quase) todos os demais sigam R; c) (quase) todos preferem que cada um siga R a condição de que (quase) todos sigam R; d) (quase) todos preferem que todos sigam alguma regularidade a não seguir nenhuma (regularidade) em absoluto; e 2) (quase) todos os membros de G seguem R nas situações S precisamente porque restam satisfeitas as condições anteriores.

existência de tais normas” (esta regra concretiza-se em uma série de critérios ordenados hierarquicamente, à luz das fontes do direito reconhecidas no sistema). A formulação pode desdobrar-se assim: “são normas pertencentes (válidas) ao direito:

(1) aquelas que figuram na Constituição;

(2) aquelas estabelecidas de acordo com as normas que conferem poderes, contidas na Constituição, ou de acordo com as normas que conferem poderes (ou normas constitutivas), ditadas consoante as normas constitucionais que conferem poderes; (3) aquelas que são anteriores à Constituição e que não são com ela incompatíveis; e (4) aquelas que são deriváveis (como consequência lógica) das anteriores.”

A importância da regra de reconhecimento como critério de unidade/identidade (ou “critério último de validade jurídica”) corresponde à explicitação da pressuposição da atividade dos juristas dogmáticos atinente à obrigatoriedade das normas contidas na “fonte suprema” da ordem jurídica: trata-se da “força normativa” (ou “valor normativo”) da Constituição. Em outros termos: trata-se da explicitação a respeito do papel do labor dogmático em relação às condições que tornam verdadeira a afirmação de que a Constituição em vigor consubstancia a fonte suprema da ordem jurídica atual, sem que se incorra em raciocínio circular (que seria dizer: a Constituição tem força normativa vinculante porque assim afirma a própria Constituição ou porque assim afirma uma norma que, por seu turno, é obrigatória de acordo com a Constituição) ou em raciocínio vazio (que seria: a Constituição tem força normativa vinculante porque tem força normativa vinculante). Assim, a explanação da pressuposição do “valor normativo” da Constituição pela atividade dogmática vem acompanhada pela aceitação e uso, pela judicatura (ou pelos órgãos em geral que se ocupam da determinação autoritativa das situações normativas de acordo com, primordialmente, normas jurídicas gerais preexistentes) e pelo conjunto da comunidade jurídica, de um critério (compartilhado) - que não é prescrito por autoridade alguma do sistema - que identifica a Constituição como sendo a fonte suprema. Essa aceitação e uso compartilhado (do critério de identificação) é o que torna verdadeira a proposição “a Constituição em vigor é a fonte suprema da ordem jurídica”, como proposição acerca do sistema jurídico efetivamente existente. É dizer: a identificação da fonte suprema de determinada ordem jurídica depende de um critério definicional que existe enquanto compartidamente aceito e usado. Para que esta proposição seja atualmente verdadeira concorre, portanto, o labor dogmático em geral e o labor dogmático-processual em especial, e tal particularidade pode ser reconhecida, portanto, como um importante aspecto da função social da dogmática jurídica, metalinguagem em relação à linguagem-objeto (o direito positivo). A respeito, importa frisar que “la regla de

reconocimiento sólo puede expresarse en un metalenguaje y no puede formar parte del lenguaje objeto, esto es, del derecho positivo”,305 o que mostra a imprescindibilidade de uma metalinguagem (dogmática), em relação à linguagem-objeto do direito positivo, para fins de “ancoragem” social da ordem jurídico-normativa fundada na Constituição como sua fonte suprema.

A construção da unidade da ordem jurídica a partir da dualidade (horizontal) de planos (direito material e direito processual) reconduz-se, portanto, à configuração da regra de reconhecimento (a partir do qual se funda a relação vertical entre Constituição e a dimensão social das normas jurídicas). Tal configuração, conforme exposto, identifica-se com a prática de identificação do direito, que pressupõe a aceitação, por parte de juízes e tribunais, de determinados critérios (últimos) de validade jurídica (o que não significa dizer, evidentemente, que a judicatura seja a “autoridade que edita” a regra de reconhecimento). A respeito, importa rememorar as caracteríticas definitórias do status de “juiz”: trata-se do titular do poder normativo - investido de autoridade jurídica - de resolver ou ditar resoluções vinculantes para os casos submetidos ao seu conhecimento (e julgamento); tal autoridade tem o dever jurídico de aplicar normas preexistentes quando da emissão de decisões, que resultam vinculantes para o próprio juiz. Segundo Atienza e Ruiz Manero:

[...] la suma de estos dos rasgos explica la atención crucial que hay que prestar a los tribunales a la hora de determinar cuál el es derecho existente en una comunidad (o, dicho de otra manera, cuál es la regla de reconocimiento que permite identificar al conjunto de las normas que integran esse derecho). Pues los tribunales son, en efecto, quienes están habilitados para adoptar determinaciones vinculantes acerca de la situación normativa de los individuos, de forma que si las instituciones creadoras de normas entraran en conflicto con las instituciones aplicadoras (con los tribunales) y éstas no reconocieran como vinculantes para ellas a las normas dictadas por aquéllas, las consideraciones que resultarían relevantes para los particulares serían las relativas a las normas que de hecho son reconocidas por los tribunales como vinculantes y no las que la (pretendida) autoridad creadora de normas dictara con la pretensión no reconocida de vinculatoriedad. Podríamos decir entonces que una (pretendida) autoridad creadora de normas, que una pretendida cámara legislativa o asamblea constituyente es tal si y sólo si es reconocida por los tribunales como tal.306

305 ATIENZA; MANERO, 2007, p. 171. A regra de reconhecimento não se identifica com alguma norma, ou

normas, da ordem jurídica, a que se atribua maior importância do que as demais normas. Significa dizer: não se pode confundir a regra de reconhecimento (que fornece os critérios últimos de validade jurídica) com o conceito de norma materialmente mais importante (contida na Constituição), precisamente porque a própria identificação dessa norma como norma jurídica depende do prévio reconhecimento da Constituição como fonte suprema da ordem, reconhecimento este que se dá a partir do critério identificatório (fornecido pela regra de reconhecimento). Nesse sentido, a regra de reconhecimento é “externa” ao texto (ou documento) constitucional.

A partir disso, “afirmar que las pretensiones normativas de la Constitución han devenido realidad, que la Constitución es, em efecto, la fuente suprema del sistema significa fundamentalmente (si se entiende como una afirmación acerca del derecho existente) que los tribunales la han reconocido como tal”.307

Em relação aos legisladores (lato sensu, incluindo os órgãos administrativos produtores de normas), sua contribuição à configuração da regra de reconhecimento traduz-se na aceitação do marco normativo que lhes confere seus poderes de produção de normas, assim como os limites impostos em virtude desse marco, relativo ao exercício de tais poderes (com a imposição de, por exemplo, limites ao conteúdo possível da legislação). Em relação aos juristas dogmáticos, sua contribuição a respeito identifica-se com a capacidade de conformação da regra de reconhecimento objeto de aceitação pela judicatura (capacidade esta que, consoante exposto, relaciona-se à explicitação do “valor normativo” da Constituição como fonte suprema do sistema jurídico). Por parte daqueles que atuam na prática jurídica em geral e judicial em especial, sua contribuição à configuração da regra de reconhecimento tem lugar, fundamentalmente, sob a forma de expectativas de conduta: se eles não tivessem a expectativa de que juízes, legisladores e órgãos administrativos atuassem - pelo menos, até certo ponto - de acordo com a regra de reconhecimento (que fornece os critérios de identificação das normas jurídicas), sua própria prática enquanto participantes e operadores jurídicos careceria de sentido. No que concerne aos cidadãos (ou particulares), não seria a eles possível servir-se ou valer-se do direito como um mecanismo de previsão das consequências dos próprios comportamentos, caso eles não tivessem a expectativa de que os órgãos aplicadores e produtores de normas sigam uma mesma regra de reconhecimento; por isso, quando determinados particulares parecem apartar-se de tal regra, outros particulares - na medida em que não pretendam uma alteração quanto à regra de reconhecimento - reportam-se (de forma implícita) aos critérios de identificação e reconhecimento para avaliar criticamente as decisões de aplicação jurídica.

Nesse sentido, a regra de reconhecimento tem como “eixo central” a aceitação da Constituição como fonte suprema do sistema jurídico. Essa regra remete, portanto, diretamente à Constituição, e indiretamente às normas ditadas ou recepcionadas de acordo

307 ATIENZA; MANERO, loc. cit. Atienza e Ruiz Manero assinalam, ainda, que “este reconocimento por parte

de los tribunales de la Constitución como fuente suprema del sistema puede verse como el resultado de factores de diverso tipo, de entre los que parece fundamental la actitud generalizada de aceptación de las pretensiones de