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Parte II – Função social da processualística como construção da unidade da ordem jurídica

5 A UNIDADE DA ORDEM JURÍDICA E A DOGMÁTICA PROCESSUAL

5.3 PRÁTICA DE IDENTIFICAÇÃO DO DIREITO

A unidade da ordem jurídica identificável a partir de um (e mesmo) esquema conceitual efetivamente usado no grupo social vincula-se à prática (unitária) de identificação do direito que, por seu turno, pode ser vista a partir da perspectiva analítico-convencionalista, segundo a qual a existência do direito (e das normas jurídicas) depende da existência de determinados fatos sociais complexos. Trata-se da tese das “fontes sociais” - como tese conceitual explicativa a respeito da dimensão social do fenômeno jurídico -, segundo a qual:

(TFS): as condições de verdade dos enunciados jurídicos dependem da existência de determinadas convenções sociais a respeito dos critérios para a identificação das normas como pertencentes ao sistema jurídico.

Dentro da concepção a respeito da vinculação da existência do direito a fatos sociais complexos, pode-se traçar uma distinção entre fatos sociais em geral e fatos convencionais em especial (como subclasse dos fatos sociais, que são dependentes de estados intencionais - individuais e coletivos -, crenças, desejos e atitudes). Os fatos convencionais caracterizam-se pela presença de um comportamento recorrente, por crenças a ele vinculadas que constituem uma razão para seguir tal comportamento, e por um conjunto de expectativas geradas a partir do conhecimento comum destas circunstâncias. Essa caracterização visualiza-se a partir das seguintes cláusulas:199

(1) a maioria dos membros de determinado grupo realiza uma determinada conduta quando ocorrem determinadas circunstâncias (comportamento recorrente);

(2) a maioria dos membros do grupo crê que (1) (caráter consciente desta prática regular: os participantes em relação ao fato convencional são conscientes de que suas condutas proporcionam a regularidade comportamental);

3) a crença de que se dá (1) constitui uma razão para realizar essa conduta nestas circunstâncias (particularidade que diferencia a atuação por convenção da atuação por convicção: para o segundo tipo de atuação não se mostra relevante a conduta dos demais, e para o primeiro tipo a existência da conduta recorrente constitui uma razão para realizá-la); e

(4) existe um conhecimento comum entre a maioria dos membros do grupo a respeito do exposto nas cláusulas anteriores: conhecem tais circunstâncias, conhecem que os

demais as conhecem, conhecem que os demais conhecem que eles conhecem e assim sucessivamente (conhecimento comum entre os participantes da prática convencional). Para a teoria jurídica hartiana, consoante anteriormente exposto, duas são as condições de existência da ordem jurídica (das quais, conseguintemente, decorre a existência do plano do direito material e do plano do direito processual):

(1) que exista uma regra de reconhecimento que permite conhecer quais são os critérios de pertinência das normas (primárias e secundárias) ao sistema (condição de existência vinculada à presença de fatos convencionais: regra de reconhecimento como prática normalmente coincidente entre aplicadores e cidadãos em relação à identificação do direito do grupo social de que fazem parte, cujo conteúdo manifesta- se pelo uso que essas pessoas realizam de determinados critérios compartilhados de identificação); e

(2) que as normas identificadas a partir da regra de reconhecimento sejam geralmente cumpridas pela maioria dos cidadãos (eficácia social, reconduzível a fatos sociais não- convencionais).

A partir disso, Josep Vilajosana200 propõe a seguinte fórmula como expressão da condição convencional de existência do sistema jurídico (segundo a qual a verdade da proposição “na sociedade S existe a regra de reconhecimento R” depende da existência de fatos convencionais), em cujo teor ressai a importância da “proposição anankástica social”:

(FCC): para todo sistema jurídico existe uma convenção com uma dimensão constitutiva, a partir do qual se pode estabelecer uma regra técnica, vinculada a uma proposição anankástica social, cuja função é a de identificar de maneira autônoma o direito positivo de uma determinada comunidade. O “ponto de vista interno” dos atores jurídicos, assim, vincula-se a fatos de cunho convencional: a proposição “na sociedade S existe a regra de reconhecimento R” pode ser analisada do seguinte modo:201

(FCC.1) a maioria dos juristas da sociedade S usa os critérios C1, C2,..., Cn (que formam a regra de reconhecimento de S) em toda ocasião em que seja necessário identificar as normas do sistema jurídico de S;

(FCC.2) a maioria dos juristas de S crê que (1);

(FCC.3) a crença de que se dá (1) constitui uma razão para usar estes critérios nestas circunstâncias; e

200

VILAJOSANA, 2010, p. 154.

(FCC.4) existe um conhecimento comum entre a maioria dos juristas a respeito do exposto nas cláusulas anteriores (conhecimento comum entre os participantes da prática convencional).

Josep Vilajosana destaca que os “sujeitos relevantes”, aludidos nas cláusulas analíticas a respeito da proposição acerca da existência da regra de reconhecimento, são todos aqueles que, profissionalmente, necessitam identificar as normas jurídicas de determinada sociedade. Os “sujeitos relevantes”, portanto, não são apenas os juízes, mas também os advogados, demais profissionais do direito e especialistas jurídicos em geral. Nesse sentido, é dificilmente concebível o funcionamento do sistema jurídico de uma sociedade em que existisse uma discrepância generalizada entre o “setor oficial” de aplicação do direito e os indivíduos no que tange ao uso de critérios de identificação das normas jurídicas. Assim, a existência da regra de reconhecimento, consoante já destacado, é uma questão empírica (porquanto esta regra não pode ser derivada de outras normas do sistema), vinculada a um fato convencional, em virtude da necessária coordenação que deve existir no que tange à identificação das normas componentes do sistema jurídico de determinado grupo social, como prática de identificação imprescindível à existência do direito como fenômeno social (fenômeno atinente à convergência de crenças mútuas e de comportamentos no que concerne à identificação das normas do sistema a partir do uso dos mesmos critérios definitórios). Nesses moldes, a convergência de crenças mútuas e de comportamentos dos juristas em relação aos critérios de identificação que formam a regra de reconhecimento consubstancia as condições de existência desta regra e, por conseguinte, pode-se dizer que são constitutivos do direito do grupo social. Trata-se da “convenção com dimensão constitutiva” aludida em FCC como expressão da condição convencional de existência do sistema jurídico.

Nesse contexto, a função social da dogmática jurídica em geral e da processualística em particular (como construção da unidade da ordem jurídica a partir da dualidade de planos - material e processual) vincula-se ao comportamento consequente com as crenças mútuas acerca dos critérios de identificação das normas do sistema comumente usados por aqueles que se dedicam profissionalmente à identificação do direito: a invocação por parte dos atores jurídicos em geral de certas normas, a partir da sua identificação mediante o uso de determinados critérios, e o uso destes mesmos critérios por parte dos órgãos aplicadores para fins de emissão de suas decisões, vincula-se ao uso (destes mesmos critérios de identificação) por parte da dogmática no momento de sistematizar e de analisar as normas jurídicas componentes do conjunto normativo. Ou seja: o que conta como direito em determinada sociedade decorre do uso de determinados critérios de identificação das normas componentes

do direito deste grupo social por parte dos juristas e das diversas crenças e expectativas geradas em virtude deste uso.

Outrossim, e conforme anteriormente exposto a respeito dos postulados da construção dogmática de modelos, a resolução de conflitos exige, por razão de ordem pragmático- funcional, o atendimento a certos critérios conceituais determináveis (com reconhecimento da relevância somente daqueles argumentos inseridos no contexto normativo assim delimitado). Tal particularidade é fundamental no que tange à autoridade da razão dogmática (vinculada à manutenção de um “ideal” de decisões baseadas em normas jurídicas) na tutela jurisdicional:202 qualquer consideração relevante é (ou pode ser) uma razão, mas não é qualquer razão que pode se inserir na estrutura do raciocínio justificatório judicial baseado em considerações juridicamente válidas. É dizer: não é qualquer conteúdo que constitui, ou faz parte, do conteúdo de uma norma jurídica válida. Nenhuma consideração pode ser considerada juridicamente relevante (ou parte de uma norma juridicamente válida) a menos que satisfaça os critérios conceituais de identificação (e de pertinência) do sistema. Em outros termos: as únicas razões ou considerações juridicamente apropriadas para justificar uma conclusão decisória são aquelas que formam parte do conjunto relevante. O conjunto dos critérios de validade (como pertinência), destarte, é formado por razões conceituais que justificam a inclusão/exclusão de um conteúdo no conjunto relevante: forma-se, desse modo, por razões de segunda ordem que racionalizam ou justificam a atribuição (ou negação) do

status de razão ou consideração juridicamente válida a qualquer razão ou consideração

potencialmente relevante. Um agente raciocina sobre a base de normas quando aceita um conjunto delimitado de critérios conceituais para identificar um conjunto de razões justificatórias relevantes; assim, o agente raciocina sobre a base de um conjunto delimitado de razões, excluindo qualquer consideração cuja inclusão não possa ser justificada conforme aos critérios conceituais de identificação (ou de validade). Toda justificação normativa supõe a existência de um conjunto de categorias normativas consideradas como válidas, isto é, admissíveis para integrar o sistema, e é, nesse sentido, relativa a um critério de validade. Importa destacar: este caráter relativo da justificação normativa vincula-se à própria natureza da razão dogmática. Ademais, a visualização dos critérios conceituais como critérios de correção (referenciais ou pautas cujo afastamento caracteriza o erro dos agentes no que tange

202 O conceito de tutela jurisdicional pressupõe a distinção (e relação) entre os planos da ordem jurídica (material

e processual), e a dissociação conceitual adequada para dar conta desta particularidade será abordada no capítulo 11.

à identificação de normas)203 mostra-se fundamental para a distinção entre o plano do direito material e o plano do direito processual da ordem jurídica (e, de conseguinte, para a explicitação da função social da processualística como construção da unidade da ordem jurídica a partir desta dualidade).

A prática unitária de identificação do direito a partir da perspectiva analítico- convencionalista significa que a pertinência de uma norma ao sistema jurídico depende de uma série de convenções sociais acerca de quais são os fatos sociais considerados, em determinada comunidade, como fonte de produção jurídica: tais critérios de identificação vinculam-se, assim, a fatos sociais cuja existência pode ser decidida criteriologicamente. Os critérios de determinação de quais fatos sociais contam como condição necessária e suficiente para a produção do material jurídico devem ser formulados atendendo ao conteúdo de cada ordem jurídica positivo (que não se reduz, necessariamente, às disposições expressas que estabelecem quais são as instâncias de produção jurídica), à luz do “sistema originário” (as normas “independentes” ou “originárias” componentes da “primeira Constituição”).204 Os fatos sociais que contam como instâncias de produção jurídico-normativa são estabelecidos, assim, a partir de práticas unitárias de identificação do direito; ou seja: como práticas de reconhecimento de normas. A formulação destes critérios - uma vez adotado determinado modelo teórico a respeito do sistema jurídico - consubstancia uma tarefa de tipo dogmática205, tarefa correspondente à sua função social.

203 Tais referenciais ou estândares, ademais, são fundamentais à determinação das condições de verdade dos

enunciados jurídicos, como será exposto no Capítulo 10. Importa destacar que a vinculação a convenções sociais significa que as normas jurídicas são reconhecidas e distinguidas de outras normas ou pautas socialmente vinculantes em virtude da existência de critérios contingentes para sua identificação (ou como razões conceituais de segunda ordem que racionalizam a atribuição/negação do status de razão juridicamente válida a qualquer razão ou consideração potencialmente relevante). Tal identificação ocorre a partir de práticas de aceitação e obediência. Nesse contexto, então, a perspectiva analítico-convencionalista não implica aceitar que o direito é simplesmente aquilo que os juízes pensam que é, porque dentro desse marco conceitual admite-se que os juízes se equivoquem a respeito de quais normas integram o sistema.

204 O enunciado geral analítico especifica as condições de verdade para quaisquer enunciados jurídicos (sem

especificação a respeito de determinada regra de reconhecimento concretamente considerada). Por outro lado, um enunciado referido a alguma regra de reconhecimento concretamente considerada especifica as condições de verdade somente para os enunciados jurídicos referidos à particular ordem jurídica em questão: na forma “para todo S, p: é direito em S aquele p se C”, o “S” não funciona como variável, e sim como um nome ou denominação de uma ordem jurídica particular; tal enunciado, frise-se, somente especifica as condições de verdade dos enunciados jurídicos referidos à esta ordem jurídica particular (caracterizada pelo conteúdo de um específico “sistema originário” ou “primeira Constituição”).

205 SUCAR, Germán. Concepciones del derecho y de la verdad jurídica. Madrid: Marcial Pons, 2008. p. 359.

Sucar propõe a seguinte fórmula canônica para os enunciados de individualização de material jurídico: “T deriva-se (ou é derivável) de uma FP de Oj”, onde T significa certo texto (texto de legislação, texto que se infere de condutas componentes de costumes ou textos decorrentes de precedentes judiciais), FP significa determinada instância ou fonte de produção jurídica admitida como tal em certa ordem jurídica (instância vinculada a fatos sociais); e Oj significa determinada ordem jurídica. O enunciado pode ser decomposto em outros dois: a) aquele mediante o qual se afirma que certo fato social constitui uma instância de produção jurídica (segundo as pautas de determinada ordem jurídica); e b) aquele mediante o qual se afirma que certo texto (ou conjunto de

A fórmula de condição convencional de existência do sistema jurídico consubstancia, portanto, um enunciado geral analítico acerca das condições de verdade dos enunciados jurídicos (na modalidade “é direito em A se B”: enunciados a respeito da qualificação deôntica de certa conduta em face de determinada ordem jurídica). O enunciado geral analítico pode ser visto consoante a forma “para todo S, p: é direito em S aquele p se C”, onde “S” é a ordem jurídica, “p” representa determinada norma e “C” é a descrição dos fatos correspondentes às condições de verdade dos enunciados jurídicos. Nesse sentido, a regra de reconhecimento pode ser visualizada do seguinte modo: “para todo S, p: é direito em S aquele p se p é validada pela regra de reconhecimento R em S”, onde “S” representa a ordem jurídica. A norma p é validada pela regra de reconhecimento R a partir da existência do fato R(p), ou seja, R confronta p. Assim, as condições de verdade dos enunciados jurídicos correspondem a fatos sociais complexos: o primeiro fato vincula-se à existência de uma regra de reconhecimento R em S (condição primária de verdade); o segundo fato correspondente à existência do fato R(p): a regra de reconhecimento R (em S) confronta a norma p (condição secundária de verdade). As duas condições (primária e secundária) são individualmente necessárias e conjuntamente suficientes para a verdade de determinado enunciado jurídico.

Em última análise, Josep Vilajosana206 assinala que a existência da regra de reconhecimento como fato convencional, nos termos assinalados (à luz da dimensão constitutiva), permite concluir que com tal regra se constrói uma realidade institucional, de modo que sem tal fato convencional não existiriam critérios de identificação do direito de determinada sociedade; em suma, não existiria o direito como prática normativo-institucional autônoma. Nesses moldes, o enunciado do tipo “na sociedade S, utilizar os critérios C1, C2,...Cn é condição necessária para identificar o sistema jurídico de S” expressa uma proposição anankástica social207 (componente da fórmula da condição convencional de existência do sistema jurídico), cujas condições de verdade são as mesmas condições de existência da regra de reconhecimento de S. A proposição anankástica social aludida permite a construção de uma regra técnica, com a seguinte formulação canônica: “caso se pretenda identificar o sistema jurídico de S, devem ser utilizados os critérios C1, C2,...Cn”. Somente se

expressões linguísticas) deriva-se (ou é derivável) da instância referida em a). A verdade de enunciados de individualização de material jurídico depende da 1) concepção (ou modelo teórico) adotada a respeito da natureza do direito e 2) da reconstrução que, sobre a base do modelo teórico, se realiza a respeito do conteúdo da ordem jurídica com relação a quais são os fatos sociais admitidos como instâncias de produção jurídico- normativa (o que remete a práticas de reconhecimento de normas).

206 VILAJOSANA, p. 164. 207

Proposição anankástica é aquela que permite a construção de regra(s) técnica(s), cuja utilidade ou eficácia depende da verdade da proposição a ela (regra técnica) vinculada.

a proposição anankástica for verdadeira, a regra técnica será útil ou funcional (ou seja, a partir dela se consegue identificar as normas componentes do sistema de determinada sociedade).208 A regra técnica, assim, apresenta uma função epistêmica no que diz respeito ao reconhecimento, pelos indivíduos em geral, das normas que formam parte do direito da comunidade, à luz, pois, de critérios conceituais determináveis, utilizados na resolução judicial de conflitos, que tornam o direito determinável. Pode-se distinguir, assim, a realidade institucional constituída a partir da regra de reconhecimento (que permite conhecer as condições de verdade de uma proposição anankástica social) da regra técnica que pode ser estabelecida a partir de tal proposição.

Em suma, a existência da regra de reconhecimento depende da prática de identificação de determinada ordem jurídica levada a efeito no grupo social: o uso de critérios de identificação é o que caracteriza tal prática, critérios estes que devem ser os mesmos para fins de identificação da mesma ordem jurídica. Os participantes desta prática, assim, devem levar em consideração os critérios usados pelos demais - função coordenativa dos critérios efetivamente em uso que formam a regra de reconhecimento. Sob tais pressupostos é que se torna possível a adequada reconstrução acerca da distinção entre o plano do direito material (também denominável de “sistema primário” ou “sistema do súdito”) e o plano do direito processual (ou “sistema secundário” ou “sistema do juiz”), cuja construção de unidade predica à processualística função social, à luz da dissociação entre o dever jurídico de obedecer e o dever jurídico de aplicar normas jurídicas. A adequada reconstrução da relação entre os planos da ordem jurídica realiza-se pari passu à reconstrução da relação entre os dois níveis de análise do direito: identificação e aplicação (que pressupõe, de seu turno, a distinção entre incidência e aplicação das normas jurídicas).

208 VILAJOSANA, 2010, p. 165. O autor destaca que a autonomia do direito decorre da função de coordenação

(e da dimensão constitutiva) da regra de reconhecimento, regra cuja ausência inviabilizaria o direito como fenômeno social (em que se mostra fundamental, ademais, a eficácia - social - geral das normas do sistema). A autonomia predica-se tanto em relação a outras ordens normativas (moralidade positiva e moralidade crítica) como em relação a outras ordens jurídicas (com suas respectivas regras de reconhecimento, em que se mostra relevante, para fins de unidade e de diferenciação, a história institucional e os valores políticos da ordem jurídica levada em consideração).

6 IGNORANTIA IURIS NON EXCUSAT, IURA NOVIT CURIA E NON LIQUET: o juiz como cânone cognoscente do Direito

O juiz, sob certo sentido, configura o “cânone cognoscente do direito”: Vilanova209 assinala que “quando interpretamos com finalidade só teórica, ou em função da prática, nós nos colocamos na posição do juiz que toma a norma para dissolver a possível contenciosidade processual do caso concreto”. O “colocar-se” na posição do juiz - com finalidade teórica ou em função da prática - para fins de “dissolver a possível contenciosidade do caso” diz respeito, exatamente, à perspectiva do jurista interessado em extrair ou derivar as consequências do sistema jurídico para determinado universo de casos genéricos ou hipotéticos, no sentido de correlacionar - ou seja: sistematizar - tais casos com determinado universo de soluções normativas (tal é a acepção de sistema, já aludida, como subconjunto normativo de normas relevantes para a solução de casos hipotéticos, em contraposição à acepção estritamente institucional de sistema jurídico, para fins de diferenciação de outros sistemas normativos, como, por exemplo, a moralidade). A especificidade da processualística em relação aos demais setores jurídico-dogmáticos corresponde à função de construção da unidade da ordem jurídica a partir da dualidade de planos (material e processual), cujo desafio exige que tal construção realize-se a partir da concepção jurídica que negue o direito como sendo ou simplesmente aquilo que preexiste às decisões judiciais, ou simplesmente aquilo que existe em por força da emissão de decisões judiciais. A construção de unidade da ordem jurídica, nesses moldes, deve ser perspectivada a partir de elementos que dêem conta da conexão de normatividade jurídica existente entre cidadãos (ou particulares) e juízes, como via para mostrar a imprescindibilidade da distinção entre os planos do ordenamento jurídico para a compreensão desta normatividade e, por conseguinte, da função social da