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SIGNIFICAÇÃO DOS ESTÂNDARES PARA A COMPREENSÃO DA “PERSUASÃO RACIONAL”

4 OS ESTÂNDARES DE PROVA COMO MODELOS DOGMÁTICOS

4.2 SIGNIFICAÇÃO DOS ESTÂNDARES PARA A COMPREENSÃO DA “PERSUASÃO RACIONAL”

Os estândares de prova consubstanciam “barreiras” cuja transposição é condição necessária para que determinada alegação possa contar como judicialmente provada, a partir do estabelecimento de uma correspondência entre a prova jurídica da alegação e um conjunto de provas capaz de superar o estândar associado à questão para cujo desfecho a alegação é apresentada.156 De modo similar ao que foi exposto em relação ao formalismo-valorativo, tais estândares podem ser perspectivados como modelos de tomada de decisão, a partir de duas estratégias acerca das condições para a interrupção da “coleta” de elementos informativos - para fins de valoração - para a fundamentação decisória a respeito dos fatos: a) a estratégia da “busca do ótimo” e b) a estratégia da “busca do satisfatório”. Tais estratégias têm em vista a probabilidade de erro considerada aceitável em termos de “tratamento” jurídico de uma proposição como suficientemente provada. Assim, dado um conjunto de meios de prova juridicamente admitidos em um caso concreto C (em que se associam as probabilidades de erro a determinado subconjunto onde tais probabilidades são medidas por referência ao que se considera como decisão juridicamente correta), um estândar de prova S, relativo à decisão D do julgador J, é a menor probabilidade de erro juridicamente “tolerável” para a decisão D de

155 Essa independência dá conta da circunstância atinente à assimilação, no contexto judicial de tomada de

decisão sobre fatos, entre as condições de aceitabilidade racional da crença em determinada proposição científica, de um lado, e as condições de aceitabilidade racional da crença na pessoa que afirma essa mesma proposição, de outro lado (o tratamento da verdade da proposição como algo mediado pela deferência conferida a quem a enuncia sob circunstâncias juridicamente delimitadas), como na hipótese da prova pericial.

156 SCHUARTZ, 2007, p. 117. Schuartz assinala que os precisos termos em que a “capacidade de superação”

vier a ser normativamente concebida deverão ser sensíveis às peculiaridades do tipo de conhecimento mobilizável nos processos judiciais. Sobre os estândares de prova (sob a denominação de “modelos de constatação”), KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

J. Em outros termos, para um determinado estândar S, um dado conjunto de provas E “supera” S somente se a probabilidade de erro associada a E é menor ou igual à máxima probabilidade de erro juridicamente tolerável, tendo em vista uma função que associa, a cada conjunto de provas (E2) em relação ao conjunto de E que supera o estândar, uma variável que expressa o custo de produção de E2 (a obtenção de todas e cada uma das provas deste conjunto). Diante de tal contexto, o conjunto de provas “ótimo” para a autoridade investigadora é aquele que apresenta o menor custo (lato sensu) de produção dentre aqueles que atingem a “capacidade de superação” delineada pelo estândar S.157

A estratégia da busca do satisfatório, por seu turno, baseia-se no modelo de racionalidade limitada, em que a busca por alternativas de decisão estende-se até que seja encontrada uma alternativa “satisfatória”, no sentido do alcance ou da superação de determinado “nível de aspiração” associados a determinados objetivos, não envolvendo, portanto, otimização (ou “regra ótima de parada”, conforme aludido, ou seja, um critério que determina a interrupção da busca por dados quando os custos e os benefícios marginais associados à busca são iguais). Seguindo Luiz Fernando Schuartz, a representação da decidibilidade como busca por alternativas orientadas em “níveis de aspiração” e resultados apenas satisfatórios (segundo esses níveis) mostra mais adequada no que diz respeito à “coleta” e valoração de provas judiciais, tendo em vista a existência de restrições (inclusive cognitivas), fazendo com que tal “coleta” deva ser necessariamente interrompida em um dado momento para possibilitar a tomada de decisão judicial, nos quais o recurso ao critério da igualdade entre custos e benefícios marginais não apresenta operacionalidade, tendo em vista as capacidades institucionais e os efeitos sistêmicos, já anteriormente mencionados. Assim, a modelagem da instrução processual, como formulação de estândar de prova em termos de “nível de aspiração”, deve levar em consideração o “valor” de determinadas variáveis institucionais: nesses moldes, a identificação de um conjunto de provas apto a superar um dado estândar compreende-se como a busca de um conjunto de provas satisfatório

157 Conforme Schuartz, o resultado ótimo ocorre, na perspectiva do julgador, quando: a) a instrução completou-

se e é “robusta” para os fins decisórios; b) o custo de produção das provas foi o mínimo possível; e c) a decisão é a mais adequada às provas. Se isso ocorre regularmente, o sistema funciona de modo a minimizar a soma dos custos de decisão e do custo esperado das decisões eventualmente errôneas. Na perspectiva do julgador, a instrução coloca-se como um processo de acúmulo de provas que pode e deve ser encerrado ao atingir seu “ponto ótimo de parada”; assim, a instrução inicia com um conjunto probatório E, que vai sendo ampliado apenas se o custo social de produção da prova adicional é compensado pelo benefício social que essa prova produz, e que consiste na redução do custo de uma decisão suportada de forma exclusiva pelas provas até então acumuladas, em confronto com a probabilidade de erro de uma tal decisão. SCHUARTZ, 2007, p. 117.

relativamente ao estândar em questão.158 Tal estratégia (como decisão de segunda ordem) dá- se “em nome da racionalidade instrumental, que recomenda um olhar retrospectivo e deferente aos julgados passados e uma estratégia marginalista de inovação (isto é, criação e modificação de regras) como os mais adequados - no sentido próprio da minimização da soma dos custos de decisão e do custo esperado de decisões equivocadas - diante das limitações cognitivas e imperfeições institucionais que caracterizam a situação das autoridades chamadas a decidir os casos concretos”,159 em paralelo ao que foi exposto a respeito do formalismo- valorativo.

A racionalidade, nesses moldes, garante-se mediante a definição de modelo cuja aplicação maximize, em termo de “média”, o valor de determinado índice de qualidade epistêmica das decisões, baseando-se na expectativa de que o “sacrifício” do máximo local - busca por decisões que maximizem localmente um índice previamente definido - serve à obtenção do máximo global - maximização do mesmo índice para um conjunto determinado de decisões. Uma decisão de segunda ordem nesses moldes exige que as normas de regulação probatória induzam, em média, decisões qualitativamente superiores do ponto de vista epistêmico (em relação àquelas adotadas a partir da estratégia de maximização local), à luz, portanto, do modelo epistemológico cognoscitivista supra alinhado. Para tanto, (a) os custos de decisão associados à aplicação de tais normas não devem ser muito superiores aos associados à busca da máxima qualidade epistêmica local, e (b) a contribuição marginal (associada às normas aludidas), para a redução das probabilidades de erros, não pode ser muito inferior àquela associada à referida busca.160 A partir dos pontos (a) e (b), não se

158 SCHUARTZ, 2007, p. 126. O autor destaca que o “conjunto de provas satisfatório” seria aquele capaz de

resistir à comparação ponto a ponto com o conjunto de provas visto como padrão para o caso em análise (aquele a partir do qual enunciados similares foram considerados provados em decisões paradigmáticas). Assim, o estândar seria um esquema abstrato composto por certos tipos de prova, cujas instâncias particulares estariam materializadas nos casos paradigmáticos usados para fins de comparação. Nesses moldes, a função social da processualística na formulação de estândares - é dizer: função social como construção de modelos dogmáticos - vincula-se ao “ajustamento dinâmico” de determinado “nível de aspiração”: a estabilização do estândar dá-se na experiência probatória com as mesmas atividades que se trata de avaliar (quanto à correção) por seu intermédio, vislumbrando o estândar na condição de modelo de valoração racional da prova. Ou seja, a explicitação de estândares adequados intentam racionalizar os fatores que influenciam o convencimento dos julgadores, de molde a tornar o convencimento judicial suscetível de racionalização.

159

Ibidem, p. 127.

160 O ponto (a) reflete a necessidade de evitar a busca da verdade “a qualquer custo”, incluindo os custos de

violação de direitos fundamentais implícitos nas restrições jurídicas à utilização de determinados meios de prova. O ponto (b), de seu turno, indica a “distância” das conclusões que podem ser inferidas a partir de uma ou outra decisão de segunda ordem a respeito da prova judicial. A partir disso, uma regra de exclusão de prova relevante pode se mostrar epistemologicamente justificada na medida em que se demonstra sua aptidão para maximizar a informação relevante disponível nos processos, ainda que tenha um “efeito empobrecedor” da informação disponível em algum processo concreto. Isso com a condição de que não se possa alcançar o mesmo quantum de informação “global” de outro modo que não produza tais efeitos negativos em um determinado processo. Tais pontos associam-se às regras epistemológicas do modelo cognoscitivista, no sentido de reconhecer que os limites

mostra aceitável simplesmente decidir que a prova dos fatos segue um procedimento justificado pelas consequências “agregadas” (de segunda ordem) em termos de redução de erros com absoluta independência do que isso supõe em cada processo concretamente perspectivado.

Disso resulta claro que a dogmática processual, em geral de forma implícita, invoca a articulação entre decisões de primeira e de segunda ordem: “o que conta como estândar de prova, em última instância, é determinado por padrões de comportamento empiricamente verificados em uma determinada comunidade jurídica, que expressam as condições nas quais os seus membros tratam-se reciprocamente como juridicamente obrigados a reconhecer uma

performance de um certo tipo (i.e., performance cujo fim é provar um fato no âmbito de um

processo de adjudicação) como bem ou mal-sucedida”.161

Nesse contexto, à dogmática, então, incumbe obstaculizar que o “livre convencimento” seja equiparado à concepção psicologista ou subjetivista “persuasão” como “convicção psicológica” - no que diz respeito à valoração probatória; é dizer: que a “persuasão” seja vista em termos de “convicção psicológica”. Isso porque as condições de convencimento com relação às provas produzidas no processo devem ser estabelecidas de maneira tal que a sua verificação seja intersubjetivamente controlável nos casos judiciais, e tal demanda por controle intersubjetivo (racional) sobre a valoração probatória não se coaduna com a busca por “estados” de convicção imunes ao erro; ao contrário, promove a consciência da inevitabilidade do risco da sua ocorrência. Assim, “dada uma decisão qualquer, a probabilidade de que seja incorreta por ter tomado como verdadeiro (falso) aquilo que é falso (verdadeiro) é sempre estritamente positiva, e o dever erga omnes de prestação de contas com base em razões intersubjetivamente válidas direciona a atenção do julgador para a própria falibilidade, colocando sobre novos alicerces epistemológicos o problema do grau de

existentes no contexto do processo judicial em relação à busca da verdade não tornam tal busca “sem sentido”; ao contrário, o decididor racional deve intentar maximizar a finalidade de busca da verdade quanto ao seu conhecimento acerca dos enunciados fáticos relevantes ao caso, em prol da maximização da justificação epistêmica das decisões (em vista à redução do risco de erros). Significa dizer: quem considera que o processo tem a função de aplicar corretamente as normas jurídicas para “pôr em prática” o direito ao tutelar efetivamente os direitos individuais e coletivos, compromete-se em configurar a determinação da verdade dos enunciados fáticos como finalidade ou valor instrumental em relação ao objetivo principal do processo, correspondente à formulação de uma decisão juridicamente correta.

161 SCHUARTZ, Luis Fernando. Interdisciplinaridade e adjudicação: caminhos e descaminhos da ciência no

direito. Revista brasileira de filosofia, São Paulo, v. 232, 2009. p. 154. Segundo Schuartz, “podemos pensar os padrões efetivamente selecionados ou praticados como oscilando entre dois tipos de condições de convencimento, a saber: (i) aquelas que pressionam o decisor na direção da procura por razões intersubjetivamente compartilháveis e cientificamente credenciadas para fins de prestação de contas acerca dos fundamentos de sua decisão; e (ii) as que não o fazem, reservando um amplo espaço de liberdade ao decisor que poderá -, mas não, necessariamente, deverá ter que - ocupá-lo com argumentos compartilhados (de procedência científica ou não)”. Ibidem, p. 154.

confiança exigível para que se possa considerar uma determinada proposição como juridicamente provada”.162 O problema da decidibilidade, portanto, envolve a escolha de normas que minimizem os custos esperados de decisões equivocadas, escolha sujeita à restrição dada pelo objetivo da preservação da controlabilidade racional sobre os argumentos empregados nas inferências probatórias. Em tal contexto, aquilo que se denomina de “valoração da prova” deve ser concebido como uma atividade racional (e, por conseguinte, suscetível de exteriorização), consistente em comprovar a verdade dos enunciados fáticos à luz das provas disponíveis. Importa frisar: o modelo cognoscitivista funda-se no reconhecimento de que o convencimento do julgador pode ser equivocado. Para uma concepção que seja meramente subjetivista da prova (e do “livre convencimento”), ao contrário, as convicções não são - nem podem ser - corretas nem equivocadas; nem verdadeiras nem falsas: simplesmente existem ou não na mente (ou no âmbito psicológico) do juiz.

O problema da decidibilidade no âmbito da prova judicial dos fatos envolve, então: (a) o objetivo da busca da verdade, a partir da consciência da falibilidade dos procedimentos usados para tanto; (b) o objetivo de minimização do risco de erro quanto à verdade dos enunciados fáticos; (c) o objetivo de minimização dos custos envolvidos para minimizar o risco de erro; (c) o objetivo da busca por finalidades independentes da busca da verdade; e (d) o objetivo da distribuição do risco de erro que, segundo Bayón,163 vincula-se à idéia fundamental da formulação de estândares de prova. A valoração racional da prova vincula-se à atribuição de graus de confirmação a cada uma das hipóteses rivais sobre os fatos, em que alguma delas obtém um grau de confirmação maior ou tais graus são iguais, tendo em vista a comparação do grau de suporte indutivo de cada hipótese fática à luz de um conjunto de elementos probatórios. Assim, um sistema jurídico-processual indiferente à distribuição do erro, nos casos em que dentre as distintas hipóteses fáticas somente uma delas resta confirmada - sendo as demais refutadas - ou em que uma das hipóteses alternativas obtém um grau de confirmação maior, não necessita de um critério externo ou adicional à própria valoração racional para determinar o que se deve considerar como provado. Nos casos em que os graus de confirmação sejam iguais - ou que exista mais de uma hipótese fática não refutada

162 SCHUARTZ, 2009, p. 157. 163

BAYÓN, Juan Carlos. Epistemología, moral y prueba de los hechos: hacia un enfoque no benthamiano.

Analisi e Diritto, Genova, Giappichelli, 2009. p. 6. Pode-se dizer que o sistema processual não pretende somente

a redução dos erros, à luz das duas dimensões da justificação da decisão sobre os fatos: sob uma dimensão material, a decisão está justificada se a proposição que se declara provada é verdadeira; sob uma dimensão procedimental, a decisão está justificada se a hipótese fática que se declara provada encontra apoio nos elementos de juízo disponíveis.

-, o sistema indiferente à distribuição do erro necessita, para evitar o non liquet, de um critério de decisão externo à valoração probatória. Nesse contexto, a “sensibilidade”, quanto à distribuição do risco de erro, mostra-se como “mínima” quando o sistema não corrige - porque não se reputam existentes razões justificatórias para tanto - a atribuição de tal risco que resulta em ter por provada a hipótese com um grau de confirmação mais elevado, mas ao menos dirime, de forma não aleatória, no sentido de estabelecer qual litigante suporta o risco de erro quando as hipóteses rivais apresentam o mesmo grau confirmatório. Por outro lado, a “sensibilidade” “mais que mínima” é aquela em que o estândar, por sua maior exigência (como indicador do grau de probabilidade exigível), corrige - porque se reputam existentes razões justificatórias para tanto - a atribuição do risco de erro que resulta em ter como provada a hipótese que apresente grau confirmatório mais elevado: tal correção consiste em considerar como provada a hipótese mantida pelo litigante que deve, à luz das razões justificatórias aludidas, ficar menos protegido do risco de erro somente na hipótese de satisfazer exigências adicionais (verbi gratia, além do grau confirmatório mais elevado exige- se que a hipótese sustentada alcance um quantum de confirmação determinado).164

A construção ou formulação de estândar de prova - como modelo dogmático - vincula- se, portanto, com os dois erros possíveis em tema de decisão sobre os fatos: (1) aceitar como verdadeiro (ou dar por provado) o que é falso; e (2) não aceitar como verdadeiro (ou dar por não provado) o que é verdadeiro. A decisão judicial baseada em tese fática errônea afeta, evidentemente, a tutela dos direitos. Assim, dependendo da importância concedida aos direitos afetados - à luz do direito material - por cada tipo de erro, o estândar será mais ou menor exigente (com esse tipo de erro) e, por conseguinte, mais ou menos exigente, tendo em vista três situações possíveis: a) se se considera que os direitos afetados pelos dois erros possíveis merecem a mesma proteção - se ambos os erros são igualmente toleráveis -, o estândar não será particularmente exigente (bastando o estândar da probabilidade preponderante); b) se se considera que os direitos afetados pelo erro (1) merecem maior

164 A decisão de segunda ordem acerca de qual distribuição do risco de erro considera-se como a mais adequada

para cada tipo de processo pressupõe que a formulação do estândar deva ser tal que de sua aplicação correta resulte exatamente a distribuição do risco que se reputa justificada. Ou seja, que de sua aplicação correta resulte a ratio entre “falsos positivos” - casos em que se dá como provado o que é falso - e “falsos negativos” - casos em que se dá por não provado o que é verdadeiro -, que se considera apropriada. Da mesma forma, da aplicação do estândar deve resultar tal distribuição do risco de erro, precisamente em razão da qualidade dos elementos de prova e das inferências probatórias que é preciso levar a cabo a partir de tais elementos. Isso pressupõe que o estândar deve mostrar ao julgador, como critério objetivo (e não “psicológico”), quando está justificada a declaração de um enunciado fático como provado, e não que o juiz declare provado tal enunciado quando ele “alcança um determinado grau de convencimento” a respeito (concepção subjetivista). Em suma: o que justifica a decisão não é a circunstância de ter uma crença em certo grau e sim a corroboração quanto ao conteúdo da hipótese sobre os fatos.

proteção que os afetados pelo erro (2) - é dizer: considera-se socialmente mais tolerável o erro (2) que o erro (1) - então o estândar será particularmente exigente, não bastando a probabilidade preponderante, devendo existir, pois, uma probabilidade “qualificada”; e c) se se considera que os direitos afetados pelo erro (1) merecem menor proteção que os afetados pelo erro (2) - considera-se mais tolerável o erro (1) que o erro (2) -, então o estândar será pouco exigente, podendo assumir, assim, uma probabilidade “abaixo” da probabilidade preponderante.

Do exposto, pode-se dizer que o modelo cognoscitivista consubstancia-se como instrumento metodológico necessário à construção dos estândares de prova - nos moldes como aqui concebidos. Nesse sentido, o estabelecimento do “ponto” a partir do qual o nível de corroboração de uma hipótese fática revela-se suficiente (grau de probabilidade suficiente para dar por provada uma hipótese) - que supõe uma decisão sobre a repartição do risco de erro - corresponde a um problema de decidibilidade próprio à dogmática processual. Destarte, o controle racional a ser exercido sobre as decisões judiciais165 no âmbito da prova exige a contrastação destas com os modelos de valoração166, à luz do objetivo institucional de averiguação da verdade.

A “livre apreciação” da prova, nesse contexto, pode ser vista, como já indicado, como “princípio metodológico (negativo)”, que permite ao julgador não dar por provados enunciados fáticos que estime insuficientemente provados.167 Em outros termos: tendo em vista o objetivo institucional de averiguação da verdade dos enunciados fáticos, a “livre apreciação” probatória permite ao juiz não dar por provado os enunciados que não gozam do grau de probabilidade aceitável, forte na identificação, fundada no modelo cognoscitivista,

165 Segundo Jordi Ferrer Beltrán, o grau de corroboração de uma hipótese não está associado ao “grau” da crença

do julgador, e sim das predições verdadeiras que se podem formular a partir da hipótese, e das dificuldades para dar conta das mesmas predições a partir das hipóteses rivais existentes no processo. Outrossim, o estândar, além da necessidade de sua formulação precisa para fins de controle intersubjetivo, deve incorporar a preferência pelos erros que são socialmente mais toleráveis, conforme exposto. A partir disso, a motivação do juiz deve