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Parte II – Função social da processualística como construção da unidade da ordem jurídica

5 A UNIDADE DA ORDEM JURÍDICA E A DOGMÁTICA PROCESSUAL

6.2 NON LIQUET E DECIDIBILIDADE

Além do exposto, pode-se dizer que o juiz configura o “cânone cognoscente do direito” porque a caracterização da autoridade normativa cuja função é a aplicação judicial das normas jurídicas exige o rompimento da circularidade, anteriormente apontada, acerca da formulação das condições de existência do sistema jurídico: uma concepção de sistema que coloca a regra de reconhecimento como norma que obriga os juízes a aplicar as normas que reúnem determinados requisitos (em virtude dos quais se identificam como normas jurídicas válidas), e deriva desta regra de reconhecimento o critério de identificação das normas jurídicas , não pode determinar quem são os juízes. Qualquer pessoa identifica os juízes mediante normas jurídicas: juízes são aqueles indivíduos assim identificados a partir de um procedimento previsto na Constituição e em determinadas normas infraconstitucionais, que têm competência para resolver, autoritativamente, controvérsias mediante aplicação de normas jurídicas. Nesse ponto, a teoria jurídica hartiana, consoante assinalado, apresenta-se circular: identifica a regra de reconhecimento por meio das normas de adjudicação (que conferem competência ou poder jurisdicional aos juízes), identificadas, por sua vez, mediante a regra de reconhecimento. Segundo Hart, a existência da regra de reconhecimento depende da conduta dos juízes (porque Hart coloca a regra de reconhecimento como uma espécie de regra social) e para determinar a identidade dos juízes é necessário recorrer à regra de reconhecimento (regra que determina quais são as normas de adjudicação válidas). O rompimento da circularidade dá-se a partir da noção de uso efetivo de determinado critério de identificação das normas jurídicas, critério este que os juízes usam para identificar as normas pertencentes sistema, assim como os juristas e cidadãos que, a partir de tal uso, identificam quem são os juízes.234 Segundo Daniel Mendonca,235 a identificação dos juízes realiza-se com base em normas jurídicas válidas de competência que os habilitam a decidir, em caráter de autoridades de direito, as questões a eles submetidas como controvérsias. Complementa a caracterização do status normativos dos juízes, ademais, as “modalidades jurídicas” indicadas por Mendonca: competências, poderes, garantias, sujeições e deveres (a partir do conjunto de

234 Francisco Laporta aduz que sabemos o que o “direito é” não a partir da atitude dos aplicadores, e sim porque

sabemos quem são os aplicadores. Se os cidadãos e os aplicadores (especialmente, juízes) podem distinguir as normas que são jurídicas das que não são é porque existe um critério para a identificação, independentemente da atitude dos aplicadores. Esse critério permite identificar o juiz como autoridade normativa do sistema. O autor corrobora, a partir disso, a conclusão no sentido da “igualdade de possibilidades epistêmicas”, entre o observador e o participante, para determinar “qual é o direito válido” na comunidade. LAPORTA, 1990, p. 140.

normas que conferem aos juízes poderes e competências, estabelecem limitações e incompetências - que excluem certos âmbitos dos poderes e competências -, prescrevem determinados deveres, outorgam certas garantias e impõem determinadas sujeições). Como visto, o rompimento da circularidade apontada predica, na medida de sua essencial contribuição para tanto, função social à processualística.

A identificação dos juízes, a partir de normas jurídicas identificadas por determinado critério conceitual em uso, correlaciona-se com a própria noção de sistema jurídico como modelo analítico (e, por conseguinte, com a decidibilidade, ou inegabilidade dos pontos de partida, como problema da dogmática jurídica): as decisões emitidas pelos juízes, como autoridades normativas competentes (com poderes jurisdicionais, portanto), exigem tratamento teórico - reconstrução racional de uma prática -, uma vez que se exige que tais decisões estejam fundadas em normas (gerais) do sistema. Além disso, e como visto, das decisões judiciais exsurgem normas individuais, e para que sejam consideradas normas do sistema, necessitam vincular-se a determinado critério, tendo em vista a finalidade de recondução à unidade sistemática. Nesse contexto, os problemas envolvidos na relação entre sistema jurídico e decisões judiciais levam em conta que (a) as normas emitidas pelos juízes são consideradas também normas válidas no sistema; (b) sua validade (ou pertinência) depende do seu enquadramento como normas individuais justificadas; (c) as razões para a justificação devem ser as normas gerais relevantes para o conflito objeto de decisão, normas gerais estas, por sua vez, válidas no sistema que outorga competência aos juízes; e (d) uma característica compartilhada dos sistemas jurídicos que instituem órgãos jurisdicionais é que os juízes, normalmente, estão obrigados a adotar decisões em todo caso de conflito que pertença à classe definida nas normas jurisdicionais de competência (vedação do non liquet). Assim, o marco de referência da relação entre sistema jurídico e decisões judiciais requer, também, um critério teórico de reconhecimento das normas individuais decorrentes das decisões dos juízes.236 Conforme a exigência decorrente do critério de legalidade (decorrente do modelo de sistema jurídico, modelo que fornece os critérios de validade), a decisão judicial deve ser adotada por autoridades competentes, de acordo com um sistema normativo determinado ou identificável. Assim, impende verificar se a emissão da norma individual é um ato obrigatório ou permitido a partir das normas deste sistema determinado; por outro lado, o sistema pode conter uma norma proibitiva desta decisão, em cujo caso se trata de uma norma individual ilegal, e seu resultado não constitui uma norma válida. Conforme Ricardo

Caracciolo,237 a justificação da decisão judicial, nesse marco de referência, constitui uma das condições de pertinência (validade) da norma dela decorrente.

Dentro desse marco de referência coloca-se o paradoxo decorrente da conjunção da inescusabilidade judicial quanto à não-aplicação de normas jurídicas com base na ignorância ou erro em relação ao critério de identificação (iura novit curia) e a inescusabilidade da emissão de decisão a respeito de todos os casos inseridos no âmbito competencial do juiz: a adoção de uma decisão judicial é um ato obrigatório e, portanto, seu cumprimento constitui também uma razão para a justificação decisória. A questão está em saber se este dever jurídico do juiz é independente do dever de fundamentar o conteúdo da norma individual decorrente da decisão judicial. Em caso positivo, o dever de decidir não se encontra condicionado pelo prévio caráter “completo” do sistema. Se o sistema carece de uma norma geral a que um determinado caso individual possa se reportar para fins de solução normativa, o ato do juiz, adotado para resolver tal caso, será qualificado, paradoxal e simultaneamente, de legal e ilegal. Isso porque constitui o cumprimento do dever de decidir, ao mesmo tempo em que se caracteriza como ato decisório proibido, tendo em vista que não aplicou uma norma jurídica do sistema (face à inexistência de tal norma). Desse modo, a validade da norma decorrente da decisão judicial mostra-se indecidível, ao apresentar respostas contraditórias, sem que tal contradição seja imputável ao sistema jurídico. Consoante aduz Caracciolo,238 o cumprimento do dever de fundamentar supõe causalmente o cumprimento do dever de decidir, mas a recíproca não é verdadeira, porque é possível decidir sem fundamentar. Significa dizer: se o sistema não é “completo”, trata-se de uma situação em que se mostra impossível o cumprimento simultâneo dos dois deveres239 e, por conseguinte, como situação que obstaculiza a recondução das decisões judiciais à unidade da ordem jurídica. O non liquet revela, portanto, o problema da decidibilidade (próprio à processualística, como dogmática jurídica) do status da decisão judicial perante o sistema jurídico.

Se o paradoxo resolve-se em favor da exclusão da norma individual emitida, o dever de decidir depende do dever de fundamentar. Assim, o juiz está obrigado a omitir a decisão quando não se pode inferir do sistema S, para o caso individual a decidir, a solução normativa que corresponda a determinadas consequências lógicas das normas jurídicas gerais (inferência

237 CARACCIOLO, 1988, p. 75. 238

Ibidem, p. 83.

239 Ibidem, p. 83. Assinala o autor que a necessidade de optar entre o cumprimento de um dos deveres, enquanto

condição de validade, pode ser generalizada para além da situação atinente ao “caráter incompleto” do sistema, ou seja, para qualquer situação em que se questione o conteúdo da decisão, ao se advertir que a questão de saber se uma norma N é ou não uma consequência lógica (inferência lógica como critério de pertinência) não é decidível nos sistemas de linguagem natural (não formalizada).

lógica como critério de pertinência). Isso implica que as decisões judiciais não podem funcionar como critério de reconhecimento do sistema S: elas não consubstanciam normas caso não se fundamentem em S. Em sentido inverso, caso se admita a validade da norma emitida, apesar do seu conteúdo, o cumprimento do dever de fundamentar (que implica a satisfação do critério de inferência lógica como critério de validade/pertinência), é irrelevante: a legalidade do ato de decidir depende somente das condições formais de competência.240

Considerar que, conforme Caracciolo,241 para a identificação da norma decorrente da decisão judicial basta a satisfação de um requisito formal não significa excluir o conteúdo das decisões na tarefa de dar conta do funcionamento do direito. Um tribunal de instância superior pode “tornar sem efeito” ou modificar uma decisão judicial previamente reconhecida usando como razão da reforma (ou nulificação) o afastamento, pela decisão judicial, do conteúdo do direito vigente. Na medida em que a decisão sustenta-se “em algum sistema”, a reforma resulta do questionamento em relação à justificação decisória atinente à justificação do sistema (ou sua eleição) a respeito do qual a decisão se reportou. Caracciolo assinala que o uso paradoxal do critério de legalidade (como critério de pertinência/validade) explica-se, portanto, por duas funções que este cumpre em relação a dimensões distintas da prática do uso de normas. O critério que se sustenta no cumprimento do dever jurídico de decidir funciona como condição suficiente de identificação das normas individuais decorrentes das decisões judicial; o critério que aponta para a satisfação do dever de fundamentar o conteúdo consubstancia um instrumento de crítica das decisões, que resulta operativo desde o ponto de vista de um sistema distinto daquele resultante do reconhecimento efetuado pela decisão em questão.242

240

CARACCIOLO, 1988, p. 84. Caracciolo aduz que na prática de identificação de decisões judiciais o uso do critério formal (cumprimento do dever de decidir - vedação do non liquet) é assumido como pauta suficiente. Tal particularidade revela-se toda vez que se está disposto a admitir o caráter de norma ao resultado da decisão judicial, apesar de que se controverta seu conteúdo. Isso dá conta do fato de que, suposta a consistência do sistema de normas gerais, duas decisões judiciais emitidas para casos similares, com conteúdos manifestamente contraditórios, são consideradas normas válidas (simultaneamente). Do ponto de vista do dever de fundamentar, uma das decisões, ao menos, teria que ser rechaçada.

241 Ibidem, p. 87. 242

Ibidem, p. 87. Assinala Caracciolo que “como semejante crítica es siempre posible en relación a cualquier decisión, incluyendo las que invoquen en su favor la ‘interpretación normal’ del contenido de las prescriciones, de nuevo se tiene aqui, en el nivel del proceso de aplicación, el uso normativo de la noción de ‘sistema jurídico’, según el cual determinadas normas deben ser aceptadas. Ello con independencia de la circunstancia fáctica de la aceptación compartida. Tal circunstancia en la medida en que se trata de hechos no puede explicarse, obviamente, mediante el solo recurso al contenido de un sistema de normas”. Ibidem, p. 87.

O paradoxo apontado foi assinalado por Alchourrón e Bulygin.243 Segundo os autores, dentre as normas de obrigação, que integram o plano do direito processual, destaca-se aquela que impõe a obrigação de julgar (vedação do non liquet) e a que impõe a obrigação de fundar as decisões no direito. Os juízes têm a obrigação de julgar, ou seja, de emitir decisão resolvendo a controvérsia submetida ao seu conhecimento. Esta obrigação genérica de julgar compreende toda uma série de obrigações específicas, relativas à realização de diversos atos processuais (como, por exemplo, a recepção das provas), e é relativa aos casos inseridos no âmbito de competência do juiz (se o caso não se encontra no âmbito competencial, o juiz, não somente não deve resolvê-lo, mas, normalmente, está proibido de julgá-lo). Os juízes têm a obrigação, ainda, de fundar suas decisões em normas pertencentes ao sistema jurídico (aplicar normas jurídicas gerais, portanto, e não criá-las, pelo menos na generalidade das hipóteses). Entretanto, se ao juiz está proibido modificar o direito material (porque a ele incumbe aplicar normas preexistentes, integrantes do plano material da ordem jurídica), então a situação parece insolúvel: o juiz necessariamente deixará de cumprir alguma de suas obrigações. Assim, se o juiz soluciona o caso judicial sem solucionar o correspondente caso genérico que não tenha solução normativa (ou seja, sem modificar o sistema, já que o caso genérico carece

ex hypothesi de solução normativo-abstrata), então sua decisão não está fundada no plano do

direito material e, de conseguinte, viola o dever de julgar conforme o direito. Se o julgador soluciona o caso genérico, modifica o sistema, e como, por hipótese, este sistema impõe-lhe a proibição de tal modificação, o juiz realiza um ato proibido. Se, por último, o julgador abstém-se de resolver o caso judicial, viola seu dever de julgar. Isso mostra que os três deveres (proibição de abster-se de julgar, dever de julgar conforme o direito e proibição de modificar o direito) são incompatíveis entre si em caso de lacunas normativas; somente podem coexistir, portanto, se o sistema é completo.244 E o sistema não é completo.

243 ALCHOURRÓN, Carlos; BULYGIN, Eugenio. Introducción a la metodología de las ciencias jurídicas y

sociales. Buenos Aires: Astrea, 2006, p. 210.

244

ALCHOURRÓN; BULYGIN, 2006, p. 218. Os jusfilósofos destacam que os deveres jurídicos do juiz podem ser visualizados a partir de três princípios (cuja coerência, em seu conjunto, supõe algo que nem sempre, ou quase nunca, ocorre: que o sistema seja completo, ou seja, sem lacunas normativas): (a) princípio da inescusabilidade: os juízes devem resolver todos os casos que estiverem dentro da esfera de sua competência; (b) princípio de justificação: as resoluções dos juízes devem ser fundadas (os juízes devem dar razões de suas decisões); e (c) princípio de legalidade (ou juridicidade): as resoluções judiciais devem ser fundadas em normas jurídicas (restrição à eleição dos fundamentos, limitando o âmbito das razões que podem figurar como fundamentos aceitáveis). Os três princípios podem ser resumidos pelo enunciado “os juízes devem resolver todos os casos que estiverem dentro da esfera de sua competência, por meio de decisões fundadas em normas jurídicas”. Os três princípios aludidos só são compatíveis na hipótese de ser verdadeira a proposição “no conjunto formado pela totalidade das normas jurídicas sempre pode ser encontrada a fundamentação normativa para solucionar qualquer caso que se submeta aos juízes”. Ibidem, p. 218. Alchourrón e Bulygin aduzem, a respeito, que tal proposição é verdadeira “en casos muy excepcionales: sólo respecto de sistemas cerrados, como el derecho penal liberal, que contiene la regla de clausura nullum crimen. Con referencia a la mayor parte de los

É a partir dessa incompatibilidade que se coloca a correlação entre identificação dos juízes (ou a caracterização do seu status normativo à luz de determinado critério) e o dever genérico de julgar (vedação do non liquet) com a decidibilidade como problema central da dogmática jurídica em geral (e dos seus modelos) e da processualística em particular: a completude normativa consubstancia um ideal racional, constituindo um pressuposto da atividade dos juristas (na medida em que possa ser qualificada de científica). Segundo Alchourrón e Bulygin, a exigência de completude como ideal racional vincula-se à função central dos sistemas jurídicos, qual seja, a de tornar possível a adjudicação de um significado normativo às ações e decisões humanas. Se a atividade dos juristas - notadamente a de sistematização - é indissociável da construção da unidade do sistema jurídico, a adjudicação de significados normativos às ações e decisões humanas somente se torna possível a partir desta atividade; se a exigência de completude é um ideal racional correspondente, no âmbito normativo, a uma específica manifestação do princípio de razão suficiente (nihil est sine

ratione),245 é em tal ideal que se funda a autoridade da razão dogmática (que no âmbito da tutela jurisdicional especifica a função social da processualística). A inegabilidade dos pontos de partida, correlacionada à configuração da decidibilidade como problema central da dogmática (como pensamento tecnológico), não significa a proclamação de que “todas as

sistemas jurídicos, el postulado es falso”. Ibidem, p. 238. A falsidade da proposição aludida vincula-se, ademais, à possibilidade de construção da unidade da ordem jurídica a partir da dualidade de planos, como função social da processualística (porquanto a falsidade da proposição corresponde à afirmativa de que nem sempre há direito preexistente à decisão judicial), à luz do problema central da decidibilidade. Jorge L. Rodríguez, de seu turno, especifica o conteúdo do princípio de legalidade (como juridicidade) a partir de outros três: (a) princípio de igualdade de tratamento dos casos: os juízes devem resolver casos análogos aplicando as mesmas normas gerais, ou indicando as diferenças existentes entre eles caso lhes dêem soluções diversas (diferenças que também devem ser contempladas como relevantes em virtude de normas gerais); (b) princípio de preexistência: as normas gerais que servem de fundamento às decisões judiciais devem preexistir a estas decisões (o fundamento da sentença não pode ser “criado” pelo juiz); e (c) princípio de identificabilidade: as normas gerais que servem de fundamento às decisões judiciais devem poder ser identificadas mediante algum critério objetivo (padrão intersubjetivamente verificável). RODRÍGUEZ, 2002, p. 264.

245 A ciência pressupõe que todos os fenômenos são, em princípio, explicáveis e com base neste pressuposto

funda-se a exigência de completude dos sistemas científicos: “en forma similar, el ideal de completitud normativa, esto es, la exigencia de que los sistemas normativos sean completos en el sentido de que solucionen todos los casos, presupone que todos los casos son solucionables. [...] Decir que todos los casos son solucionables significa que para todo caso hay o es posible construir un sistema normativo tal, que lo correlacione con alguna solución. La hipótesis de casos no solucionables, es decir, situaciones en las que no hay razones (ni puede haberlas) para elegir tal o cual curso de acción, situaciones en las que toda elección es esencialmente arbitraria, es tan irracional, tan intolerable para la razón, como la idea de fenómenos inexplicables (fenómenos no causados por nada)”. ALCHOURRÓN; BULYGIN, 2006, p. 232. Nesse sentido, importa não confundir a exigência (ideal) de completude com a suposta existência (real) de completude (no sentido de ausência de lacunas normativas), existência essa que, conforme exposto, expressa uma proposição falsa (em relação à maior parte dos sistemas jurídicos). Registre-se, outrossim, que a coerência (ou consistência) também é um ideal dos sistemas jurídicos: “un ideal que resulta de un requisito de racionalidad: sólo se puede guiar adecuadamente el comportamiento humano mediante conjuntos de normas consistentes entre si”, razão pela qual “los criterios de resolución de antinomias son un medio para acercar nuestros sistemas jurídicos de la realidad al ideal”. MORESO, José Juan; VILAJOSANA, Josep. Introducción a la teoría del derecho. Madrid: Marcial Pons, 2004. p. 109.

ordens jurídicas positivas são completas” (que implica confusão entre o ideal e a realidade); significa ter como ponto de partida inegável a exigência de completude como ideal racional, que corresponde, em outros termos, a um “ideal das ações e decisões baseadas em normas jurídicas”, a partir da compatibilização dos deveres jurídicos do juiz (supra mencionados). Tal intento de compatibilização, por seu turno, corresponde à controlabilidade racional das decisões judiciais.

Nesse contexto, a razão dogmática mantém o ideal (racional) das ações/decisões baseadas em normas jurídicas realizando diferenciações entre categorias normativas, equivalente às distinções entre os modos de obedecer (ou de “satisfazer”) as normas pertencentes ao sistema. Uma diferenciação importante a respeito246 (como distinção entre dois tipos de razões para ação/decisão decorrentes das normas) pode ser explicitada da seguinte maneira: determinadas normas aspiram a um resultado (obtenção, cancelamento ou substituição de um estado de coisas) que pode ser totalmente obtido mediante uma conduta do destinatário direto; tais normas determinam uma específica conduta (explícita ou implicitamente) que “garante” o resultado que se intenta obter. Nesse sentido, estas pautas normativas requerem obediência: a conformidade entre o estado de coisas por elas delineado e