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ESTÂNDARES DE PROVA, ENUNCIADOS PROBATÓRIOS E ENUNCIADOS DOGMÁTICOS

4 OS ESTÂNDARES DE PROVA COMO MODELOS DOGMÁTICOS

4.3 ESTÂNDARES DE PROVA, ENUNCIADOS PROBATÓRIOS E ENUNCIADOS DOGMÁTICOS

Se provar um enunciado fático consiste em mostrar que, à luz da informação de que se dispõe no processo judicial, está justificado aceitar que esse enunciado ocorreu (na realidade empírica), pode-se, no âmbito da prova judicial, distinguir: (a) a hipótese sobre o assertiva

fática que se pretende provar; (b) a informação acerca de outros fatos mais ou menos vinculados com o fato componente da hipótese de que se dispõe (que pode estar na forma de indícios ou de provas propriamente ditas); e (c) a relação entre a hipótese fática e os indícios (consoante a forma inferencial “provas→enlace→hipótese a provar”). Segundo Daniel González Lagier,170 para valorar a solidez da inferência probatória mostram-se relevantes determinados critérios, alguns referidos às provas ou aos indícios (sua confiabilidade ou credibilidade, sua suficiência, sua variabilidade, dentre outros critérios), outros referidos à hipótese (se ela é coerente, se não foi refutada, se é possível corroborar as hipóteses que se inferem da hipótese do fato a provar ou se é possível eliminar as hipóteses alternativas) e outros relativos ao enlace entre provas e hipótese a provar (a fundamentação do enlace ou o grau de probabilidade com que se correlacionam as proposições acerca dos fatos). Cada uma das modalidades existentes de enlace embasa-se em determinado fundamento (requisito para a correção do enlace), em determinada finalidade (objetivo, epistêmico ou prático, que o enlace trata de satisfazer) e em uma específica “força” (grau de solidez que o enlace aporta à inferência probatória, como maior ou menor resistência em relação à superação por outras inferências, caso os critérios relativos aos demais elementos da inferência mantenham-se iguais).

Nesse contexto, são distinguíveis três classes de inferências probatórias: i) inferência probatória epistêmica; ii) inferência probatória normativa; e iii) inferência probatória interpretativa. Em relação à primeira classe, o enlace consiste em uma regra descritiva (uma “máxima de experiência”), no sentido de uma generalização empírica feita a partir de experiências prévias que associa fatos do tipo que se pretende provar com fatos do tipo que constituem as provas ou os indícios. Tal enlace tem como fundamento a observação de uma associação mais ou menos regular entre dois fatos; tem como finalidade a aproximação, na maior medida possível - à luz das informações disponíveis -, com a verdade acerca dos enunciados fáticos que se inferem; e sua “força” vem determinada pela solidez do argumento indutivo em que se funda o enlace. No que concerne à segunda classe de inferência probatória, o enlace diz respeito a regras dirigidas ao juiz que o obrigam a aceitar como provados determinados enunciados quando se dão determinados fatos prévios (regras de determinação de resultado probatório ou “provas legais”). Tais regras podem ter como fundamento a observação de uma associação regular entre fatos (conferindo, assim, status

170 LAGIER, Daniel González. Sobre el papel de los valores en la aplicación del derecho. In: COMANDUCCI,

Paolo; AHUMADA, María; LAGIER, Daniel. Positivismo jurídico e neoconstitucionalismo. Madrid: Fundación Colóquio Jurídico Europeo, 2009. p. 63.

legal a generalizações empíricas) ou algum valor tido por relevante; destarte, sua finalidade pode ser a averiguação da verdade (na hipótese de conferir status legal a determinada generalização empírica) ou a preservação, proteção ou promoção do valor tido por relevante; sua “força”, por fim, confunde-se - por consistir em normas jurídicas - com o próprio caráter normativo do direito. Em relação à terceira classe de inferência probatória, o enlace consiste em uma regra conceitual (uma definição ou uma teoria), que permite interpretar certos fatos como uma hipótese de determinado tipo de fato (como sendo, por exemplo, um caso de “ação”, de “omissão” ou de “causa”). O fundamento dos critérios conceituais utilizados na prova judicial remete às condições de correção ou de adequação dos conceitos;171 sua finalidade remete à função dos conceitos como instrumentos de ordenação, classificação e compreensão da realidade empírica, à luz de leis explicativas e preditivas; sua “força”, de seu turno, depende do grau ou da robustez de sua fundamentação, bem como de sua “gênese” legal ou jurisprudencial e, especialmente, de sua consistente articulação na conceptualidade dogmática. A inferência probatória cujo enlace consiste em critérios conceituais mostra a correlação entre enunciados dogmáticos (que incluem os “conceitos fáticos”, como os conceitos de “ação”, “omissão” e “causa”) e enunciados probatórios (fundados em critérios conceituais correspondentes aos “conceitos fáticos”); ademais, sendo os estândares de prova modelos dogmáticos, verifica-se como a valoração, no sentido de juízo de aceitabilidade dos enunciados fáticos em que consistem os resultados probatórios, vincula-se à autoridade da razão dogmática no que diz respeito à verificação da eleição da hipótese racionalmente mais aceitável dentre os enunciados a respeito dos fatos: a função social da processualística - a partir do delineamento dos referidos critérios conceituais -, nesse sentido, está em aclarar quando e em quais condições a atividade do juiz em relação aos fatos pode ser racionalmente controlável.

No ponto, importa destacar que do contexto da prova judicial decorre um conjunto ordenado de enunciados fáticos cuja ordem, conforme Michele Taruffo,172 constitui a distribuição de tais enunciados em quatro níveis distintos: 1) no primeiro nível encontram-se os enunciados que descrevem fatos principais: são os enunciados que se referem a cada uma

171 No contexto, cumpre registrar: existe um “quantum” de comprovação empírica e um “quantum” de adscrição

na prova judicial, em cujo âmbito mostra-se imprescindível a utilização de “conceitos fáticos”, a partir dos quais se especificam critérios de adequação diferenciados. Assim, com os mesmos elementos de prova e com os mesmos critérios epistêmicos de valoração pode-se chegar a resultados probatórios distintos dependendo de qual seja a definição dos conceitos empregados (verbi gratia, acerca do conceito de “relação de causalidade”). Isso mostra a relevância dos critérios de controle da correção das regras conceituais e, portanto, dos enlaces componentes das inferências probatórias.

das circunstâncias - cruciais para os efeitos da decisão - cuja combinação constitui a narração do fato principal; 2) no segundo nível encontram-se os enunciados que descrevem fatos secundários: são os enunciados que se referem a indícios ou fatos-base de presunções pelos quais se extraem inferências relativas à verdade ou falsidade dos enunciados sobre fatos principais (frise-se que a premissa de uma inferência não deve ser confundida com a conclusão que dela se extrai); 3) no terceiro nível encontram-se os enunciados que resultam das provas praticadas em juízo como, por exemplo, as declarações testemunhais ou as afirmações contidas em documentos; e 4) no quarto nível encontram-se os enunciados a respeito das circunstâncias que possibilitam inferências relativas à credibilidade ou confiabilidade dos enunciados do terceiro nível, referidas, por exemplo, à credibilidade de uma testemunha ou à autenticidade de um documento, no âmbito do que se denomina de “prova de segunda ordem” ou “prova sobre prova”: o que se pode inferir a partir do resultado desta prova é a credibilidade de determinado elemento probatório, que permite, por sua vez, realizar inferências sobre o valor de verdade dos enunciados sobre os fatos do caso. Tais níveis relacionam-se por meio de inferências probatórias,173 esquematizáveis do seguinte modo: a) os enunciados do segundo nível representam as premissas de inferências probatórias que permitem chegar a conclusões relativas a enunciados do primeiro nível: assim, os fatos secundários são levados em consideração na medida em que resultem logicamente relevantes como fontes de prova indireta de um fato principal; b) os enunciados do terceiro nível representam informações relevantes para a determinação dos fatos descritos no primeiro nível, ou informações relevantes para a determinação de fatos descritos no segundo nível; e c) os enunciados do quarto nível representam informações relevantes para controlar a credibilidade dos enunciados probatórios que se colocam no terceiro nível, e eventualmente permitem fundar inferências dirigidas a controlar o valor de tais informações. Tal esquema serve à elucidação do conceito de confirmação lógica ou indutiva da hipótese a partir das informações disponíveis: a hipótese que se trata de confirmar corresponde ao conjunto dos enunciados relativos aos fatos principais (que constituem o primeiro nível aludido); as provas dão lugar aos enunciados que compõem o terceiro nível do conjunto total dos enunciados fáticos, e que confirmam diretamente os enunciados do primeiro nível, assim como os enunciados relativos

173 Cumpre destacar, no contexto, que o problema dos estândares de prova vincula-se à “montagem” de

“inferências secundárias” no âmbito da prova judicial, que formam uma rede inferencial - composta de cadeias menores de inferências auxiliares e instrumentais à obtenção da conclusão final - cuja conclusão aparece, como premissa fática, na “inferência primária” que conduz à decisão a ser adotada no caso judicial. Cada “passo” na “montagem” requer do julgador a tomada de decisões intermediárias referentes à interrupção das atividades de “coleta” de provas, e cada decisão intermediária sujeita-se à motivação, como condição necessária à justificação racional da solução jurídica veiculada na decisão final.

aos fatos secundários que estão no segundo nível; estes últimos, por seu turno, atribuem confirmação inferencial aos enunciados sobre os fatos principais; por fim, os enunciados do quarto nível têm a função de atribuir confirmação, em termos de credibilidade ou fiabilidade, aos enunciados que expressam os resultados delimitados pelas provas.174 Assim, o grau de confirmação de um enunciado resulta de inferências lógicas que levam em consideração a quantidade e a qualidade das provas disponíveis, seu grau de credibilidade e sua coerência, no que tange à combinação dos elementos componentes do conjunto probatório. O conceito de probabilidade lógica ou indutiva - referido a inferências lógicas entre proposições, não sujeitas, portanto, à quantificação - perspectiva-se como grau de confirmação de um enunciado sobre a base dos elementos de prova que se referem a ele.

Nesse contexto, e conforme anteriormente aludido, cumpre frisar que um fator central de relevância a respeito dos enunciados probatórios diz respeito às definições e conceitos aceitos e utilizados para ordenar o material empírico. No particular, os conceitos podem ser divididos em três tipos: classificatórios (delimitam um objeto ou um fato em determinada classe caracterizada por uma propriedade comum), comparativos (permitem comparar em que grau dois objetos ou fatos possuem uma mesma propriedade em comum) e métricos (atribuem aos objetos ou fatos um número ou uma quantificação ou uma magnitude). Afirma-se que os conceitos devem reunir determinados requisitos formais e materiais de adequação. A respeito das condições formais (como requisitos ideais nem sempre alcançáveis), os conceitos (i) não devem ser vazios (devem incluir ao menos um indivíduo ou elemento pertencente ao âmbito ou domínio que se toma como referência); (ii) devem ser excludentes (nenhum indivíduo ou elemento deve ser enquadrado em mais de dois conceitos distintos); e (iii) devem ser exaustivos (todo elemento do domínio deve ser enquadrado em um ou outro conceito).

De seu turno, as condições materiais remetem à distinção entre conceitos componentes das classes naturais e conceitos componentes das classes convencionais: em relação aos primeiros, as condições de adequação material são estabelecidas pela própria realidade

174 TARUFFO, 2010, p. 237. Taruffo assinala que as inferências que permitem conectar as informações

disponíveis - isto é, as provas - com a hipótese que se trata de confirmar fundam sua validade e credibilidade nos critérios que são utilizados para estabelecer esta conexão, cujo resultado permitirá, eventualmente, afirmar que a hipótese-conclusão restou confirmada, à luz do fundamento cognoscitivo em virtude do qual a inferência pode ser considerada fundada e apta para atribuir um grau considerável de credibilidade à conclusão que dela decorre. Assim, o fundamento da inferência corresponde ao critério de confirmação da hipótese que se trata de confirmar sobre a base das informações disponíveis. Conforme Taruffo, “el juez debe estar especialmente consciente de todo esto y de los riesgos de error que implica el uso incauto del sentido común y la experiencia: el valor de verdad de los juicios que el juez formula depende directamente del fundamento racional y cognoscitivo de las inferencias de las que esos juicios se derivan. Cuanto más profundo sea el análisis crítico de la nociones que el juez utiliza, tanto más fiables serán las inferencias probatorias que llevan a confirmar las hipótesis sobre los hechos” . Ibidem, p. 240.

empírica, relativamente independente das estruturas interpretativas convencionalmente construídas para compreendê-la; os critérios materiais de adequação, tendo em vista a relevância para o objetivo da ciência ou do domínio teórico a que pertencem, devem respeitar os gêneros naturais.175 Em relação aos segundos, os conceitos mostram-se dependentes de tais estruturas convencionais de compreensão, e assim suas condições de adequação não podem ser estabelecidas pela própria realidade empírica, embora não possam ignorá-la. Nesses moldes, os conceitos exigem tanto condições naturais de adequação como condições convencionais de adequação. Tais condições convencionais dependem, em certa medida, do grau em que sirvam à finalidade buscada com a utilização dos conceitos: os objetivos buscados determinam os critérios de adequação dos conceitos, e estes critérios, por sua vez, determinam o conteúdo dos conceitos. Importa saber, portanto, a finalidade dos conceitos que funcionam como enlaces nas inferências probatórias interpretativas: as regras e critérios conceituais usados em tais inferências no âmbito da prova judicial cumprem a função de intermediação entre os dados empíricos oferecidos pela realidade e as qualificações jurídicas, com o fim de possibilitar a correta aplicação das normas jurídicas. O delineamento de “conceitos fáticos” (verbi gratia, “ação” ou “causa”) reporta-se à reconstrução dos seus conteúdos definitórios para fins de maximizar a adequação à realidade empírica - é dizer, como exemplo: qual o conceito de “causa” mais ajustado ou adequado à estrutura da realidade -, reconstrução distinta, mas relacionada àquela (de cunho teleológico-valorativo) realizada a respeito dos conteúdos definitórios dos conceitos em vista à aplicação judicial do direito - assim, verbi gratia: qual o conceito de “causa” mais ajustado ou adequado à valoração acerca da reprovação que merece ser imputada à conduta do agente.

Da distinção entre “adequação conceitual à realidade” e “adequação conceitual à finalidade” ressalta a autoridade da razão dogmática: conforme González Lagier, “los juristas pueden aprender de los análisis conceptuales de los filósofos aspectos muy importantes de conceptos como acción, causalidad, etc., pero estos análisis no pueden constituir la última palabra para el jurista”.176 Isso porque, se há um núcleo conceitual comum a ser respeitado

175

Do ponto de vista material, os conceitos devem levar em consideração o grau de organização ou estrutura ínsito à realidade empírico-objetiva. Outrossim, os conceitos devem satisfazer, na maior medida possível, sua finalidade. O fundamento dos critérios conceituais utilizados como enlaces nas inferências probatórias interpretativas depende da medida de satisfação das duas condições (ora referidas à realidade, ora referidas à finalidade).

176 LAGIER, 2009, p. 79. Lagier aclara, em relação à assertiva exposta no texto, que a exigência de ajuste

conceitual à estrutura da realidade evita uma tomada de posição “relativista”, tendo em vista que os conceitos propostos por distintas ciências, domínios teóricos ou “empresas intelectuais” devem apresentar um núcleo comum. Por outro lado, negar a importância daquilo que “fica fora” deste núcleo comum implica negar que os conceitos são, em certa medida, construídos em função das finalidades e interesses próprios a determinado

pelos “conceitos fáticos” (“adequação conceitual à realidade” ou condição natural de adequação conceitual), há um núcleo específico de tais conceitos - componentes dos modelos dogmáticos -, tendo em vista a condição convencional de adequação conceitual (“adequação conceitual à finalidade”) referida à finalidade prática da aplicação judicial do direito. Assim, a necessária “abertura” ao núcleo conceitual comum (respeito às classes naturais em relação a conceitos como, por exemplo, “causalidade”) não significa determinação por tal núcleo: nesse sentido, “o direito não deveria tolerar, entre as premissas das inferências que suportam as decisões, hipóteses amplamente refutadas pela ciência, mas a estabilidade das estruturas jurídicas requer certa indiferença ante os potenciais de problematização ativados rotineiramente pelos cientistas no exercício das suas obrigações funcionais”; desse modo, “o julgador deve monitorar o acesso de conteúdos proposicionais aos processos de adjudicação, atento às oportunidades reveladas e restrições impostas pelo funcionamento do sistema jurídico”,177 haja vista que a dogmática jurídica coloca-se “em função” da função social do direito, conforme já destacado.

Tal particularidade compreende-se à luz da exigência (ou do problema) de decidibilidade, uma vez que a “hospitalidade irrestrita dos procedimentos de adjudicação jurídica a argumentos de procedência científica pode comprometer a satisfação das suas condições de racionalidade. Um procedimento juridicamente racional deve poder filtrar argumentos e propostas decisórias que inequivocamente situem-se fora do conjunto de argumentos e decisões juridicamente aceitáveis para cada caso concreto”.178 Isso está de acordo, conforme Schuartz, com uma “demanda por coerência”, e “tende a incrementar o grau de penetração do conhecimento acumulado em disciplinas científicas no processo decisório, e com ele também o da aceitabilidade racional de argumentos e decisões que passem pelos filtros procedimentais”; entretanto:

domínio teórico ou prático, assertiva que, outossim, vai ao encontro da função social da processualística como construção de modelos dogmáticos. Nesse sentido, Lagier aduz que “la construcción de los conceptos que los juristas usan para interpretar los hechos (conceptos como el de causalidad, acción, intención, etc.) se rige por dos tipos de condiciones de adecuación: condiciones de adecuación natural y condiciones de adecuación convencional, y que éstas últimas, en el caso del derecho, dada su finalidad práctica, remitem necesariamente a razonamientos basados en valores”. Ibidem, p. 80. De seu turno, tal asserção, registre-se, vai ao encontro da perspectiva do formalismo-valorativo como modelagem da experiência jurídico-processual. Lagier ainda especifica que “aunque haya varias maneras válidas distintas de construir estos conceptos, en relación con una finalidad concreta una alternativa será mejor que outra; esto es, para el derecho podemos asumir que hay una manera de reconstruir los conceptos fácticos mejor que otras”. Ibidem p. 80.

177

SCHUARTZ, 2009, p. 167.

178 Ibidem, p. 137. A propósito, Schuartz assinala que “a robustez das premissas factuais das quais necessitam os

procedimentos de adjudicação para manter chances de erro e graus de aceitabilidade racional das decisões jurídicas em níveis controláveis somente se alcança às custas das potencialidades da ciência”. Ibidem, p. 136. Essa é a premissa - manutenção de custos sociais de erro e de aceitabilidade racional das decisões judiciais em níveis controláveis - que justifica a perspectiva dos estândares de prova como modelos dogmáticos.

[...] sem boas regras que governem a conversão desse conhecimento acumulado em premissas de inferências jurídicas, corre-se o risco de ver elevar-se, com o aumento da sofisticação dos argumentos científicos trazidos para dentro dos processos de adjudicação, a probabilidade de que a questão da verdade das referidas premissas torne-se indecidível no âmbito desses processos e essa indecidibilidade seja ou ignorada perante opções arbitrárias entre teses consistentes, mas contraditórias entre si, ou arrastada até a conclusão do procedimento, sistematicamente enviesando os seus resultados ou fazendo com que dependam de estratégias e métodos não autorizados de seleção.179

179 SCHUARTZ, 2009, p. 137. A relação entre verdade e decidibilidade a partir dos critérios conceituais aceitos

e utilizados, subministrados pela dogmática (critérios que, consoante exposto, ostentam relevante papel nas inferências probatórias no que tange às escolhas do julgador em relação à prova), destaca-se pelo fato de que “a demanda por normais gerais é importante para forçar a prestação de contas da parte do julgador quanto aos critérios que governam suas escolhas com relação à prova; tais escolhas são inevitáveis dadas as restrições que o direito coloca à investigação dos fatos e à busca da verdade ante o imperativo de decidibilidade dos conflitos jurídicos, e as suas explicitação e justificação são essenciais para a garantia de princípios elementares do Estado