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Entre os países estudados, Moçambique situa-se na região sul e na costa oriental do continente africano. Com pouco menos de 800.000 km2, faz fronteira, entre outros países, com a Suazilância e a África do Sul, pela parte sul. Pelo censo de 1997, tem cerca de 17.242.240 habitantes (estimado em 19.420.000, em 2005), majoritariamente rural. A urbanização, entretanto, é um processo que tem aumentado e que passou de cerca de 13% em 1980 para perto de 38% nos dias de hoje, com maior concentração nas duas maiores capitais: Maputo (capital do País) e Beira. Para Araújo (2003), mais do que meramente econômicos, outros fatores contribuíram para as elevadas taxas médias de êxodo, entre eles, a guerra colonial e as nacionalizações ocorridas a seguir à independência, especialmente as do início da década de 80; as calamidades naturais; e a intensificação da guerra civil. Nesse sentido, de forma análoga ao tema da presente tese, Araújo, citando Amaral (1983)157, observa que, em África, os fluxos migratórios resultantes levam as cidades para uma "espiral de crescimento demográfico que tem sido classificado como excessivo e incontrolado" (ARAÚJO, 2003, p. 171). Mas, o autor também observa que:

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Nos nossos dias, por ser simbólica (em nível das idéias e da coerção econômica), ela é dissimulada e torna cúmplices os que são impostos.

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AMARAL, Ilídio. "A cidade e o futuro. A propósito da explosão urbana mundial". Memórias da Academia de

[...] este ‘excessivo’ e ‘incontrolado’ deve ser visto em função da falta de meios que permitam gerir o processo da formação de grandes concentrações humanas [...] Esta escassez é agravada pela ausência de perspectivas e de políticas para o desenvolvimento urbano, fazendo-se este ao sabor do acaso e/ou de interesses particulares que, na quase totalidade das vezes, criam obstáculos a tudo que sejam ações de planeamento integrado que visem à melhoria das condições de vida da população em geral (ARAÚJO, 2003, p. 171, grifo nosso).

Continuando, o país tem o português como língua oficial, coexistindo com outras línguas nacionais, que são de origem Bantu. Entre as línguas de maior expressão, a considerar pelas mais faladas e pela região (norte, centro e sul, respectivamente), estão: Emakua, Xisena, Xitsonga e Xitsua.

Sob o prisma político e econômico, vale repetir que, embora os portugueses tenham chegado a Moçambique em finais do século XV (1498), a ocupação efetiva do país só acontece no século XX (Cruz e Silva, s/d), com o controle do Estado de Gaza. Ainda no início dessa fase, a economia era marcada pela exploração agrícola (com a prática da monocultura), seguindo-se a fase da exploração da mão-de-obra (que alimentava o mercado mineiro sul-africano) e, mais tarde, já na década de 1970, com a abolição do trabalho forçado, iniciou-se o investimento na indústria manufatureira.

Moçambique fica independente em 1975. Para isso, contribuíram diversos fatores, entre eles, a Luta de Libertação Nacional, dirigida pela Frente de Libertação de Moçambique, agremiação que, em 1962, se organizara no país vizinho, a Tanzânia, e inicia a luta em 1964, pelo norte do país, instituindo, assim e aos poucos, as zonas libertadas.

Economicamente, entretanto, a indústria manufatureira da década de 1970 não teve como se firmar, por vários motivos, entre eles, o colapso econômico-financeiro que afetou o país no período imediatamente pós-independência (colapso causado pelo esvaziamento das contas bancárias pelas empresas e bancos portugueses) e as calamidades naturais que, entre 1977 e 78, assolaram o país.

Nesse período e durante a primeira década da independência, o país envereda por um projeto de construção de uma sociedade socialista; altura em que também vê surgirem os primeiros sinais da guerra civil (incluindo as agressões vindas da Rodésia e do Apartheid) que o viria a

desestabilizar política, econômica e socialmente, hostilidade que dura até o início da década de 90.

Ainda na primeira década da independência, o plano do governo para o desenvolvimento passava pelo controle centralizado e por uma política de intervenção nesse setor e na sociedade. A economia tinha como base a agricultura familiar e a indústria como pólo dinamizador (CRUZ e SILVA, s/d; FERÃO, 2002, p. 56).

Entretanto, em meio à guerra fria - em que Moçambique foi rotulado de comunista pelo ocidente e que, por isso, este apoiou a guerra de desestabilização (HANLON158 apud CRUZ e SILVA, s/d) -; diante do cada vez menos apoio soviético aos planos de desenvolvimentos de Moçambique (FERRÃO, 2002, p. 59); além “dos erros de concepção e direção da estratégica econômica” (LOPES, 2004, p. 25) e do conseqüente descalabro econômico, passados dez anos (1975 – 1985), o país inicia uma nova etapa econômica, aderindo ao Banco Mundial (BM) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Também de forma análoga às hipóteses levantadas no presente trabalho, cabe aqui a ressalva de que, no que diz respeito ao plano de desenvolvimento nacional – plano cuja sustentação histórica estaria na agricultura familiar - um dos erros de estratégia apontados na primeira década de independência está relacionado, justamente, “à marginalização [da população] a

favor do desenvolvimento de uma agricultura mecanizada, destruindo, assim o sistema

que havia garantido a maior parte da produção para consumo interno e uma parte da produção para exportações deste país” (ADAM, 1997159 apud CRUZ e SILVA, s/d; LOPES, 2005160, grifo nosso).

Em 1985, ao mesmo tempo em que chega ao fim o projeto socialista e ao aderir ao FMI e ao BM, o país inicia o processo de liberalização econômica e, em seguida, introduz os programas de reajuste estrutural, com o Programa de Reabilitação Econômica (PRE), em 1987, e, mais tarde, em 1990, com o Programa de Reabilitação Econômica e Social (PRES); programas

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HANLON, Joseph. Paz sem benefícios: como o FMI bloqueia a reconstrução de Moçambique. Maputo: CEA/UEM, 1997.

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ADAM, Yssuf. Evolução das estratégias para o desenvolvimento no Moçambique pós-colonial. In: SOGGE, D, ed. Moçambique: perspectivas sobre a ajuda e o sector civil. Amsterdam: Frans Beijaard, 1997. P. 1-14.

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LOPES, José de Souza M. Educação em Moçambique no pós-independência. In: SEMINÁRIO MOÇAMBIQUE INDEPENDENTE, 1., 2005, Belo Horizonte: FAE/UFMG, 2005. Palestra.

esses que envolvem o livre comércio, a desregulamentação e as privatizações (MAZULA, 1995; CRUZ e SILVA, s/d; Ferrão, 2002). Nesse caso, com a liberalização econômica – dentro de uma filosofia neoliberal, portanto - os preços ficaram a cargo do mercado, bem como os investimentos, que ficaram reduzidos por parte do Estado nas áreas social, de saúde e educação.

Assim, a economia ficou, de fato, revitalizada, com a injeção de recursos por parte das agências financeiras internacionais e, um pouco mais tarde, do ponto de vista político, foram assinados os “Acordos Gerais de Paz”, que puseram fim à guerra civil que já durava 16 anos.

Os “Acordos Gerais de Paz” foram assinados em 1992, depois da abertura política de 1990 – de partido único ao multipartidarismo – culminando, em 1994, com as primeiras eleições gerais e multipartidárias. Com esse sistema – sócio-político e econômico - a economia do país cresceu 1,3%; 6,6% e 14,1%, respectivamente, em 1995, 96 e 97 (PNUD, 1998). Alguns outros estudos apontam um crescimento médio de cerca de 8% na última década e a inflação relativamente controlada, o que, entretanto, de modo algum pode ser traduzido como redução da pobreza. De acordo com a PNUD (2005), em 1997, 69,4% da população estava abaixo da linha de pobreza161 (54,1%, hoje, ainda de acordo com a PNUD (2005), com os dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatísticas), situação que atinge principalmente as regiões rurais. Um outro aspecto que contrapõe o alto crescimento econômico está relacionado aos níveis de desigualdade – estando Moçambique com o Gini (coeficiente que mede a desigualdade) de 0,39 (PNUD, 2005) – que, para alguns autores, constituem um entrave na medida em que reduzem de forma drástica o percentual do crescimento econômico absorvido pelos mais pobres. Nesse sentido, vale também considerar as taxas de desemprego, que têm aumentado a despeito do crescimento econômico. De forma associada e de acordo com a Organização dos Trabalhadores de Moçambique – Central Sindical (OTM-CS), em decorrência do “reajustamento estrutural” imposto pelo BM e pelo FMI, mais de 116.000 trabalhadores foram demitidos entre 1987 e 2000. Ainda sobre o assunto, de acordo com o “Notícias”162, citando a OTM-CS, pelos mesmos motivos -“reajustamentos estruturais” -, pelo menos 11.000 trabalhadores perderam seus postos de trabalho de 2003 a 2006.

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Sobrevivendo com valor inferior ou igual a USD 0,5 por pessoa/dia e naquilo que se refere às condições para uma vida longa, instrução e a um padrão de vida aceitável.

162

Jornal público e de maior circulação em Moçambique [Onze mil trabalhadores despedidos. Notícias, Maputo, 09 Maio 2006. Disponível em <www.Jornalnoticias.co.mz>. Acesso em: 09 Maio 2006]. Uma outra notícia

Sobre o crescimento econômico, cabe a ressalva de que esse fenômeno é assegurado pelas chamadas “ajudas de desenvolvimento”, que incluem o perdão da dívida, o financiamento de certos setores da sociedade, além do financiamento do próprio orçamento do Estado que, hoje, embora tenda a cair, está na ordem de 40%. Ou seja, “... esse crescimento não poderia ter sido sustentado sem as transferências líquidas de ajuda [...] fornecendo apoio vital para as infra- estruturas e a balança de pagamentos”, como também observa a PNUD (2005, p. 81). Por outro lado, é um crescimento assegurado por empresas de capital estrangeiro com subsídios fiscais e que, por isso, não recolhem os impostos.

Em termos educacionais, o país conseguiu elevar a taxa de alfabetização de 7%, em 1975, para 39,5%, em 1999 (46,4%, em 2000, pelos dados do INE, de 2003), proeza atribuída, em grande parte, ao período de regime socialista, que conseguiu elevar a taxa em cerca de 20 pontos percentuais, de 1975 a 1981. Para se ter uma idéia, vale referir que até esse período, apenas 0,5% de adultos tinha completado o segundo grau. A elevação das taxas de alfabetização, entretanto, sofreu retrocessos com a destruição de escolas, postos de saúde e infra-estruturas com a agudização da guerra civil, sendo esse processo retomado na década de 1990, com o aumento do número de matrículas163, não só no ensino fundamental, mas também no secundário e universitário, que passaram a taxas, respectivamente, de 6,9% e 0,3% da escolarização global, de acordo com o censo de 1997.

Sobre todo esse conjunto de aspectos, e em modo de coroamento, Buendia Gómez (1999), embora fale sobre o prisma educacional (e não se resume a este ângulo podendo a mesma situação ser vista por analogia nos outros setores), lembra que:

O processo construtor da educação moçambicana revela, por um lado, as contradições internas [...] e, por outro, os constrangimentos externos (política de “reajustes” do Banco Mundial, do Fundo de Monetário Internacional e de outras agências internacionais que obrigam a “cortes” nas políticas sociais; a desestabilização e boicote sul-africanos). Esses constrangimentos, sem dúvida, desempenharam um papel muito importante, por vezes, decisivo, no desenvolvimentos sócio-político, impondo certas regras e condições, dificilmente negociáveis por um país com uma pesada herança colonial de atraso, com uma economia extremamente dependente e, ainda, destruída por uma década de guerra, cujo objetivo principal foi inviabilizar o funcionamento da sua economia (BUENDIA GÓMEZ, 199, p. 14).

associada ao assunto refere que a economia informal em Moçambique ocupa 87% da força de trabalho ocupada [Notícias. Maputo, 28 maio 2006. Disponível em <www.jornalnoticias.co.mz>. Acesso em: 28 maio 2006].

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